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18 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Supremo Tribunal Federal
há 4 anos

Precedente Obrigatório • Tese Jurídica

Tema 361

Transmudação da natureza de precatório alimentar em normal em virtude de cessão do direito nele estampado.

Tese

A cessão de crédito alimentício não implica a alteração da natureza.

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Tribunal Pleno

Partes

Publicação

Julgamento

Relator

Min. MARCO AURÉLIO

Documentos anexos

Inteiro TeorSTF_RE_631537_2be35.pdf
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Inteiro Teor

Supremo Tribunal Federal

EmentaeAcórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 17

22/05/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 631.537 RIO GRANDE DO SUL

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO

RECTE.(S) : WSUL GESTÃO TRIBUTÁRIA LTDA E OUTRO (A/S)

ADV.(A/S) : KAREN OLIVEIRA WENDLIN E OUTRO (A/S)

RECDO.(A/S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL

PRECATÓRIO – CRÉDITO – CESSÃO – NATUREZA. A cessão de crédito não implica alteração da natureza.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal em prover o recurso extraordinário, nos termos do voto do relator e por unanimidade, em sessão virtual, realizada de 15 a 21 de maio de 2020, presidida pela Ministra Rosa Weber, na conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas.

Brasília, 22 de maio de 2020.

MINISTRO MARCO AURÉLIO – RELATOR

Supremo Tribunal Federal

Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 2 de 17

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 631.537 RIO GRANDE DO SUL

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO

RECTE.(S) : WSUL GESTÃO TRIBUTÁRIA LTDA E OUTRO (A/S)

ADV.(A/S) : KAREN OLIVEIRA WENDLIN E OUTRO (A/S)

RECDO.(A/S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Adoto, como relatório, as informações prestadas pelo assessor Dr. Ricardo Borges Freire Junior:

A Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, no julgamento do agravo de instrumento nº 70032645434, manteve liminar alusiva a efeito suspensivo ativo, assentando a viabilidade, ante os documentos apresentados, da cessão de crédito proveniente de precatório ainda não pago, no curso de execução promovida pelo cedente contra o citado Estado.

Segundo consignou, a cessão de crédito possui disciplina própria, a depender do procedimento em que realizada: em sede de ação de conhecimento ou de execução. Na primeira, a norma de regência seria o artigo 42, parágrafos 1º e , do Código de Processo Civil de 1973. Na segunda, observar-se-ia o artigo 567, inciso II, do mesmo diploma processual, prescindindo do consentimento do devedor, uma vez inexistente direito material controvertido. Salientou que, implementada cessão, o crédito perde a natureza alimentar, presente o artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Mencionou precedente daquele Tribunal.

O acórdão atacado está assim resumido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE SENTENÇA – PRECATÓRIO – CESSÃO DE DIREITO DE

Supremo Tribunal Federal

Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 3 de 17

RE XXXXX / RS

CRÉDITO – POSSIBILIDADE – APLICAÇÃO DO ART. 567, II, DO CPC – EFETIVADA A CESSÃO, O CRÉDITO PERDE SUA NATUREZA ALIMENTAR – PRECEDENTES SOBRE O TEMA – AGRAVO PROVIDO.

( Agravo de instrumento nº 70032645434, Quarta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, relator o desembargador João Carlos Branco Cardoso, Diário da Justiça eletrônico de 12 de março de 2010)

Embargos declaratórios foram desprovidos.

No extraordinário, protocolado com alegada base na alínea a do permissivo constitucional, as recorrentes arguem transgressão aos artigos , incisos XXII, XXXIV, XXXV, LIV e LV, e 100, parágrafos 1º e , da Constituição Federal e 78 e 86 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Preliminarmente, apontam desrespeito aos princípios do devido processo legal e da ampla defesa, tendo em vista o desprovimento dos embargos de declaração sem a necessária análise dos preceitos legais evocados.

Articulam com os artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil de 1973, salientando haver o acórdão do Tribunal de Justiça extrapolado as balizas do que veiculado no recurso, considerada a declaração, sem pedido, de transmudação da natureza do crédito – de alimentar para comum. Argumentam que o agravo foi formalizado buscando apenas a sucessão processual do cedente originário pela cessionária final.

Dizem ofendidos o princípio da isonomia e o direito de propriedade, sublinhando a prioridade, presente o artigo 100 da Constituição Federal, na liquidação dos créditos de natureza alimentar, representados em precatório. Frisam que, admitida a transformação da modalidade do precatório, passaria a cessionária a ocupar as últimas posições entre os credores

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Supremo Tribunal Federal

Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 4 de 17

RE XXXXX / RS

ordinários, sendo o pagamento, nessa classe, passível de parcelamento em até 10 anos.

Sustentam inexistir base legal a autorizar a modificação da natureza de precatório já expedido, tendo a decisão atacada violado o direito constitucionalmente garantido de a cessionária final ocupar o lugar do cedente, considerada a ordem especial de pagamento dos créditos alimentares. Ressaltam que a cessão de crédito oriundo de precatório é constitucionalmente permitida, de forma clara e expressa, pelo artigo 78 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Defendem a regularidade, considerado o figurino constitucional e legal, da mudança de titularidade do crédito. Ante o fato de já haver sido admitida a sucessão processual, buscam a reforma do acórdão tão somente quanto à alteração da natureza do crédito cedido. Mencionam precedentes do Supremo e de outros Tribunais. Salientam a convalidação, sem ressalvas, das cessões de precatórios, implementada pelo poder constituinte derivado reformador, mediante a promulgação da Emenda Constitucional nº 62/2009.

Sob o ângulo da repercussão geral, enfatizam a relevância da matéria, dizendo em jogo a inobservância de direitos e garantias fundamentais consagrados pela Constituição Federal. Esclarecem haver o Supremo, no recurso extraordinário nº 566.349/MG, declarado existir repercussão geral das questões atinentes à aplicabilidade imediata do artigo 78, § 2º, do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias e à viabilidade de compensação entre o crédito do contribuinte, inscrito em precatório de natureza alimentar, e o crédito tributário da Fazenda Pública.

Regularmente intimado, o Estado do Rio Grande do Sul não apresentou contrarrazões.

O extraordinário foi admitido na origem.

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Relatório

Inteiro Teor do Acórdão - Página 5 de 17

RE XXXXX / RS

No denominado Plenário Virtual reconheceu-se estar configurada a repercussão geral. O acórdão encontra-se assim resumido:

CRÉDITO CONTRA A FAZENDA – CESSÃO – NATUREZA ALIMENTAR – TRANSMUDAÇÃO DO CRÉDITO ALIMENTÍCIO EM NORMAL. Possui repercussão geral a controvérsia sobre a possibilidade de a cessão de direito creditório alterar a natureza alimentar do precatório.

(Diário da Justiça eletrônico de 18 de abril de 2011)

A Procuradoria-Geral da República, em parecer, opina pelo desprovimento do extraordinário. Articula com os artigos da Emenda Constitucional nº 62/2009 e 78 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias, afirmando não haver obstáculo à cessão do precatório. Aduz que, uma vez ocorrida a mudança de titularidade, o precatório perde o caráter alimentício, aludindo ao § 13 do artigo 100 da Constituição Federal. Entende estar respeitado, sob o aspecto material, o princípio da isonomia.

O processo é físico e está concluso no Gabinete.

É o relatório.

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Voto-MIN.MARCOAURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 6 de 17

22/05/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 631.537 RIO GRANDE DO SUL

V O T O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Atendeuse aos pressupostos gerais de recorribilidade. A peça, subscrita por advogada regularmente credenciada, foi protocolada no prazo legal. Conheço.

Quanto à ocorrência de julgamento fora das balizas fixadas no agravo de instrumento e de reforma prejudicial, o tema, sob o ângulo constitucional, não foi objeto de debate e decisão prévios, esbarrando o recurso nos verbetes nº 282 e nº 356 da Súmula do Supremo. O mesmo ocorre em relação à convalidação implementada pela Emenda Constitucional nº 62/2009, não evocada na origem. A alegação de ofensa ao devido processo legal – artigo , inciso LIV, da Constituição Federal – possui como pano de fundo o desrespeito aos artigos 128 e 460 do Código de Processo Civil de 1973, a envolver interpretação de normas estritamente legais. Além de ausente o prequestionamento, trata-se de suposta ofensa reflexa ao texto constitucional, não ensejando campo ao acesso ao Supremo. Este Tribunal, no recurso extraordinário com agravo nº 748.371/MT, assentou a natureza infraconstitucional da matéria, entendendo não possuir repercussão geral discussão relativa ao devido processo legal – contraditório e ampla defesa – quando o exame da causa depender de prévia análise da adequada aplicação de normas infraconstitucionais.

Cabe ao Supremo decidir se, havendo mudança na titularidade do crédito, mediante negócio jurídico – a cessão –, há a transmudação da natureza do precatório alimentar já expedido e pendente de pagamento, passando o cessionário a estar na categoria dos não preferenciais.

A Constituição Federal sofreu, ao longo dos anos, 5 alterações envolvendo o sistema dos precatórios judiciais, presentes as Emendas de nº 20/1998, nº 30/2000, nº 37/2002, nº 62/2009 e nº 94/2016. A de nº 30/2000

Supremo Tribunal Federal

Voto-MIN.MARCOAURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 7 de 17

RE XXXXX / RS

previu, pela primeira vez, mediante a inclusão do artigo 78 no Ato de Disposições Constitucionais Transitórias, a possibilidade de o titular de crédito vir a ceder a terceiro o direito. Eis o teor do dispositivo:

Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 30, de 2000)

Vê-se, numa perspectiva histórica, que o Constituinte originário silenciou quanto à viabilidade de cessão de créditos inscritos em precatórios. Apenas com a promulgação da aludida Emenda, inserindo-se o artigo 78 no Ato de Disposições Constitucionais Transitórias, é que ficou prevista, expressamente, a cessão de crédito representado por precatório. Qual o móvel da ressalva? Instituiu-se pagamento parcelado de precatórios, e os créditos excetuados seriam – ou deveriam ter sido – liquidados em prestação única.

Observem a organicidade do Direito. O preceito está a impedir, em relação aos precatórios alimentícios, não a cessão do crédito nele estampado, mas o pagamento parcelado. A razão é lógica: faz-se em jogo verba relacionada à subsistência do credor, do cidadão. Descabe o enfoque de que a exceção, quanto aos creditórios alimentícios, está relacionada à possibilidade, ou não, de cessão. De qualquer forma a cessão não está em jogo. O recurso é dos cessionários.

Do preceito não se extrai norma limitadora ou a revelar transformação da natureza do crédito. Nada, absolutamente nada conduz à interpretação veiculada no ato impugnado e defendida no parecer do

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Voto-MIN.MARCOAURÉLIO

Inteiro Teor do Acórdão - Página 8 de 17

RE XXXXX / RS

Ministério Público Federal, no sentido da alteração da natureza do crédito retratado no precatório.

O sentido empregado ao termo “cessão” pelo Constituinte derivado é o técnico-habitual, ou melhor, o técnico-jurídico. A legítima compreensão do vocábulo há de ser buscada na ciência do Direito. No Direito Civil, cessão é negócio jurídico entre particulares. É instituto do direito das obrigações.

O artigo 286 do Código Civil de 2002 autoriza ao credor ceder créditos a terceiros, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor. O artigo 287 nele contido prevê que, na cessão do crédito, estão abrangidos os acessórios.

Independentemente das qualidades normativas do cessionário e da forma como este veio a assumir a condição de titular, o crédito representado no precatório, objeto da cessão, permanece com a natureza possuída, ou seja, revelada quando da cessão.

Consoante fiz ver na decisão de reconhecimento da repercussão geral, ao implementar-se a transmudação da natureza do precatório, prejudica-se, justamente, aqueles a quem a Constituição Federal protege na satisfação de direitos – os credores ditos alimentícios. Isso porque, consideradas as condições do mercado, se o crédito perde qualidade que lhe é própria, a viabilizar pagamento preferencial, ocorre a perda de interesse na aquisição ou, ao menos, a diminuição do valor.

Provejo o recurso para assentar a permanência da natureza do crédito tal como revelada no ato de cessão. Como tese, proponho: “A cessão de crédito alimentício não implica a alteração da natureza.”

É como voto.

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VotoVogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 9 de 17

22/05/2020 PLENÁRIO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 631.537 RIO GRANDE DO SUL

RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO

RECTE.(S) : WSUL GESTÃO TRIBUTÁRIA LTDA E OUTRO (A/S)

ADV.(A/S) : KAREN OLIVEIRA WENDLIN E OUTRO (A/S)

RECDO.(A/S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL

V O T O

O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES:

Senhor Presidente, estamos a examinar neste Recurso Extraordinário o seguinte tema:

361 - Transmudação da natureza de precatório alimentar em normal em virtude de cessão do direito nele estampado.

Na origem, Artur Pedro de Albuquerque ajuizou ação ordinária contra o Estado do Rio Grande do Sul.

Após o trânsito em julgado, foi expedido em favor do autor da demanda o precatório de natureza alimentar 62.678, a ser pago no ano de 2008.

O precatório foi cedido à WSUL – Gestão Tributária LTDA, que, por sua vez, transferiu-o à Cooperativa Vinícola Aurora LTDA. Esta empresa requereu sua habilitação nos autos de ação de execução movida contra o Estado do Rio Grande do Sul, na condição de cessionária do crédito, o que lhe foi negado pelo juízo de primeiro grau.

Interposto agravo contra tal decisum, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul o proveu, para viabilizar a habilitação da empresa nos autos de execução, conforme comando do art. 78 do ATO DAS

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VotoVogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 10 de 17

RE XXXXX / RS

DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS – ADCT, destacando-se que, “uma vez [...] efetivada a cessão, o crédito perde sua natureza alimentar (...).” Vejamos a ementa do acórdão recorrido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO DE SENTENÇA – PRECATÓRIO – CESSÃO DE DIREITO DE CRÉDITO – POSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO ART. 567, II, DO CPCEFETIVADA A CESSÃO, O CRÉDITO PERDE SUA NATUREZA ALIMENTAR – PRECEDENTES SOBRE O TEMA.

AGRAVO PROVIDO.

Os Embargos de Declaração opostos não foram acolhidos. Em sequência, as cessionárias, WSUL – Gestão Tributária LTDA e Cooperativa Vinícola Aurora LTDA, apresentaram o presente apelo extremo, sustentando violação aos arts. , XXII, XXXIV, XXXV, LIV e LV, e 100, § 1º e § 2º, da CARTA MAGNA, arts , 78, 86 do ADCT.

Em suas razões, após discorrer sobre a repercussão geral da controvérsia, aduziram, em síntese, o seguinte:

(I) Por força da rigidez das regras afetas do regime de precatórios, seja em relação à ordem cronológica ou à natureza do crédito, não é possível “alterar o caráter alimentar do precatório já expedido”, já que não há norma nesse sentido, além de violar a isonomia, fazendo com que o cessionário saia do rol do precatórios privilegiados e ingresse “na fila dos precatórios comuns em último lugar, além de poder sujeitar-se

o parcelamento em até 10 anos, o que desrespeita “o direito de propriedade obtido pelo cessionário a partir da cessão de créditos realizada”

(II) Com o advento da Emenda Constitucional 62 2/2009, convalidaram-se todas as cessões de precatórios até então ocorridas, certo que o Constituinte Derivado “não limitou os efeitos da validação somente àqueles precatórios expedidos sem

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VotoVogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 11 de 17

RE XXXXX / RS

natureza alimentar, bem como não determinou a alteração da natureza quando da realização da cessão de créditos (...).”

Após, o Plenário desta SUPREMA CORTE reconheceu a repercussão geral da temática recursal, como se vê da seguinte ementa:

CRÉDITO CONTRA A FAZENDA – CESSÃO – NATUREZA ALIMENTAR – TRANSMUDAÇÃO DO CRÉDITO ALIMENTÍCIO EM NORMAL. Possui repercussão geral a controvérsia sobre a possibilidade de a cessão de direito creditório alterar a natureza alimentar do precatório.” ( RE XXXXX RG, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJe 19/4/2011).

Esse o relato que faço dos autos.

Senhor Presidente, acompanho o eminente Relator.

Ressalto, de início, que o entendimento jurisprudencial desta SUPREMA CORTE é firme no sentido de que os requisitos definidos para a satisfação dos precatórios somente podem ser fixados pela Constituição, a saber: a requisição do pagamento pelo Presidente do Tribunal que tenha proferido a decisão; a inclusão, no orçamento das entidades políticas, das verbas necessárias ao pagamento de precatórios apresentados até 1º de julho de cada ano; o pagamento atualizado até o final do exercício seguinte ao da apresentação dos precatórios, observada a ordem cronológica de sua apresentação (...)., de maneira que a imposição de condicionantes que não aqueles constantes de norma constitucional, ofende os princípios da garantia da jurisdição efetiva (art. 5º, inc. XXXVI) e o art. 100 e seus incisos (...). ( ADI 3.453, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, DJ de 16/6/2007).

Dito isso, vejamos o art. 78 do ADCT, conforme redação dada pela Emenda Constitucional 30/2000:

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Supremo Tribunal Federal

VotoVogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 12 de 17

RE XXXXX / RS

Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos.

Como visto, nada, no Texto Constitucional, obsta a transferência da titularidade da ordem de pagamento, desde que se observem as normas que tratam desse modelo transmissivo de obrigação. Na lição de FLÁVIO TARTUCE, este ato pode ser conceituado como “um negócio jurídico bilateral ou sinalagmático, gratuito ou oneroso, pelo qual o credor, sujeito ativo de uma obrigação, transfere a outrem, no todo ou em parte, a sua posição na relação obrigacional.” ( Manual de direito civil . 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014, p. 410).

Há quem defenda que isso já seria possível mesmo antes do advento da referida emenda constitucional (EURÍPEDES FAIM. Precatórios e Requisições de Pequeno Valor . Vol. III, São Paulo: IPAM, 2018).

De todo modo, a partir do permissivo constitucional, tornou-se expressamente possível a transmissibilidade do crédito em apreço. E, sem que se tenha instituído determinação no sentido de que norma inferior hierárquica regule uma forma específica de se transmitir o indigitado crédito, há de se extrair a máxima efetividade do referido preceito constitucional, guiando-se pela seguinte diretriz traçada na doutrina de MIGUEL REALE, no que diz respeito à operabilidade das normas jurídicas e sua função precípua em satisfazer o direito material do respectivo titular ( Visão geral do Código Civil ):

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VotoVogal

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RE XXXXX / RS

“(...) toda vez que tivemos de examinar uma norma jurídica, e havia divergência de caráter teórico sobre a natureza dessa norma ou sobre a convivência de ser enunciada de uma forma ou de outra, pensamos no ensinamento de Jhering, que diz que é da essência do Direito a sua realizabilidade: o Direito é feito para ser executado; Direito que não se executa – já dizia Jhering na sua imaginação criadora – é como chama que não aquece, luz que não ilumina, O Direito é feito para ser realizado (…).”

Diante da ausência de normativos que cuidem dessa espécie de cessão de créditos, devem ser aplicadas as disposições constantes do Código Civil, como assinala RICARDO ALGARVE GREGÓRIO ( Comentários ao Código Civil . 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 522).

Quanto ao Código Civil, em seu Título III, Capítulo I, dedicado a regular o modelo de legal de transmissibilidade das obrigações (arts. 286 a 298), a matéria, no que ora interessa, recebeu o seguinte tratamento nos dispositivos abaixo transcritos:

Art. 286. O credor pode ceder o seu crédito, se a isso não se opuser a natureza da obrigação, a lei, ou a convenção com o devedor; a cláusula proibitiva da cessão não poderá ser oposta

o cessionário de boa-fé, se não constar do instrumento da obrigação.

Art. 287. Salvo disposição em contrário, na cessão de um crédito abrangem-se todos os seus acessórios.

Por sua vez, mencione-se o § 1º do art. 42 da Resolução 303 de 19/12/2019 do Conselho Nacional de Justiça, no qual repetiu o seguinte preceito constante do art. 16, § 4º, de sua Resolução 115/2010:

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VotoVogal

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RE XXXXX / RS

“Art. 42. O beneficiário poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos a terceiros, independentemente da concordância da entidade devedora, não se aplicando ao cessionário o disposto nos §§ 2º e do art. 100 da Constituição Federal, cabendo ao presidente do tribunal providenciar o registro junto ao precatório.

§ 1º A cessão não altera a natureza do precatório, podendo o cessionário gozar da preferência de que trata o § 1º do art. 100 da Constituição Federal, quando a origem do débito assim permitir, mantida a posição na ordem cronológica originária, em qualquer caso.”

A propósito, diz o § 1º do art. 100 da CARTA MAGNA:

“§ 1º Os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou por invalidez, fundadas em responsabilidade civil, em virtude de sentença judicial transitada em julgado, e serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos, exceto sobre aqueles referidos no § 2º deste artigo.”

Ora, não havendo nenhuma objeção prevista no ordenamento jurídico, o cessionário, ao adquirir o crédito, assume o lugar do cedente; se esse faz jus a título de natureza alimentícia, não cabe ao Poder Judiciário, ou mesmo à parte devedora, alterar essa característica intrínseca à ordem de pagamento.

A esse respeito, reproduzo o seguinte trecho da lavra do eminente Ministro GILMAR MENDES, na RCL 23796, DJe de 20/4/2017:

“Quanto à cessão, anoto que se aplica a Resolução 115/2010 do CNJ, a qual, em seu artigo 16, § 4º, refere-se às cessões da seguinte forma:

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VotoVogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 15 de 17

RE XXXXX / RS

Art. 16. O credor de precatório poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos a terceiros, independentemente da concordância do devedor, não se aplicando ao cessionário a preferência de que tratam os §§ 2º e do art. 100 da CF.

(...) § 4º. A cessão de créditos não alterará a natureza comum ou alimentar do precatório e não prejudicará a compensação, sendo considerado, para esse fim, o credor originário.

Segundo essa resolução, a cessão de crédito não altera a natureza alimentar do precatório, de sorte que não há mutação de sua classificação originária.

Sob essa ótica, o Precatório nº 51.219/97 deve ser considerado como de natureza alimentar, tendo em vista que se trata de honorários advocatícios, independentemente da ocorrência de cessão.”

A pergunta a se fazer, a fim de melhor apreensão macrossistêmica do regime de quitação de precatórios judiciais, é: caso haja a cessão de créditos de um precatório comum ou até mesmo alimentar a um dos sujeitos elencados no § 2º do art. 100 da CONSTITUIÇÃO FEDERAL, seria o caso de o cessionário passar a gozar de preferência constitucional para fins de satisfação de seu crédito? Com a devida vênia a entendimento diverso, penso que não, pelas mesmas razões acima.

E mais: uma vez identificada a natureza do precatório, se comum, alimentar ou preferencial, há sua inclusão na respectiva fila, a fim de aguardar a liberação dos recursos, conforme a ordem cronológica. Assim, são impertinentes, no tocante à classe de créditos inicialmente identificada, quaisquer condições subjetiva ou objetiva do novo credor, sob pena de dar ensejo a preterições, a quais dão azo ao sequestro de verbas públicas, a considerar que o “pagamento antecipado de credor mais recente, em detrimento daquele que dispõe de precedência

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VotoVogal

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RE XXXXX / RS

cronológica, não se legitima em face da Constituição, pois representa comportamento estatal infringente da ordem de prioridade temporal assegurada a todos os credores do Estado, de maneira objetiva e impessoal, pela Carta Política.” ( RE XXXXX, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, DJ de 19/4/1996).

A impessoalidade, assim compreendida como característica inafastável aos requisitórios judiciários, deve também alcançar o (s) cessionário (s), para hígida e rígida manutenção da ordem de pagamentos.

Ressalte-se, ainda, o efeito contraproducente causado quando da alteração da natureza do precatório, ante mudanças na ordem de pagamento. Com efeito, como bem salientado pelo Ministro MARCO AURÉLIO, há um impacto negativo nos interesses dos detentores de requisitórios judiciais de natureza alimentícia diante do mercado de precatórios, que certamente vai de encontro ao sentido teleológico do Texto Constitucional e à mens legislatoris, certo que, ao permitir a cessão de crédito, objetivaram, fora de dúvidas, a realização mais abreviada possível do direito material objeto da lide, pois, com a cessão creditícia, acarreta-se “maior liquidez para tais títulos, isto é, o credor poderá trocar o seu título por dinheiro em espécie ou, por exemplo, poderá dar, eventualmente, o título em garantia de um empréstimo bancário”, segundo o pensamento de AMÉRICO LUÍS MARTINS DA SILVA, com o qual concordamos ( Cumprimento de sentença e execução da obrigação de pagar contra a Fazenda Pública . Precatório-Requisitório e Requisição de Pequeno Valor (RPV). 5. ed. 2016, l. 7683. Arquivo Kindle).

Ante o exposto, DOU provimento ao Recurso Extraordinário e endosso a tese proposta pelo eminente Relator, assim redigida: “A cessão de crédito alimentício não implica a alteração da natureza.”

É como voto.

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Supremo Tribunal Federal

ExtratodeAta-22/05/2020

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PLENÁRIO EXTRATO DE ATA

RECURSO EXTRAORDINÁRIO 631.537

PROCED. : RIO GRANDE DO SUL RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO

RECTE.(S) : WSUL GESTÃO TRIBUTÁRIA LTDA E OUTRO (A/S)

ADV.(A/S) : KAREN OLIVEIRA WENDLIN (56508/RS) E OUTRO (A/S)

RECDO.(A/S) : ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, apreciando o tema 361 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para assentar a permanência da natureza do crédito tal como revelada no ato de cessão, nos termos do voto do Relator. Foi fixada a seguinte tese: “A cessão de crédito alimentício não implica a alteração da natureza”. Falou, pelo recorrido, o Dr. Guilherme Gonzales Real, Procurador do Estado do Rio Grande do Sul. Plenário, Sessão Virtual de 15.5.2020 a 21.5.2020.

Composição: Ministros Dias Toffoli (Presidente), Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

Carmen Lilian Oliveira de Souza

Assessora-Chefe do Plenário

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