17 de Agosto de 2022
- 2º Grau
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Partes
Publicação
Julgamento
Relator
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Inteiro Teor
Supremo Tribunal Federal
EmentaeAcórdão
Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 20 154
13/12/2018 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.995 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO
REQTE.(S) : CONFEDERACAO NACIONAL DO COMERCIO DE
BENS, SERVICOS E TURISMO - CNC
ADV.(A/S) : LIDIANE DUARTE NOGUEIRA E OUTRO (A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL DO
TRABALHO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
DEPÓSITO PRÉVIO EM AÇÃO RESCISÓRIA. ACESSO À JUSTIÇA E
AMPLA DEFESA. PROPORCIONALIDADE.
1. As normas processuais podem e devem criar uma estrutura de
incentivos e desincentivos que seja compatível com os limites de
litigiosidade que a sociedade comporta. A sobreutilização do Judiciário
congestiona o serviço, compromete a celeridade e a qualidade da
prestação da tutela jurisdicional, incentiva demandas oportunistas e
prejudica a efetividade e a credibilidade das instituições judiciais. Afeta,
em última análise, o próprio direito constitucional de acesso à Justiça.
2. Dessa forma, é constitucional o depósito prévio no ajuizamento de
ação rescisória como mecanismo legítimo de desincentivo ao ajuizamento
de demandas ou de pedidos rescisórios aventureiros. Não há violação a
direitos fundamentais, mas simples acomodação com outros valores
constitucionalmente relevantes, como à tutela judicial efetiva, célere e de
qualidade.
3. O depósito no percentual de 20% sobre o valor da causa não
representa uma medida demasiadamente onerosa, guardando
razoabilidade e proporcionalidade.
4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.
Fixação da seguinte tese: “É constitucional a fixação de depósito prévio como
condição de procedibilidade da ação rescisória”.
Supremo Tribunal Federal
EmentaeAcórdão
Inteiro Teor do Acórdão - Página 2 de 20 155
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do
Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal, sob a presidência do
Ministro Luiz Fux (Vice-Presidente), na conformidade da ata de
julgamento, por maioria de votos, em julgar improcedente o pedido
formulado na ação direta, nos termos do voto do Relator, vencido o
Ministro Marco Aurélio. Impedido o Ministro Dias Toffoli (Presidente).
Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de Mello e Gilmar
Mendes.
Brasília, 13 de dezembro de 2018.
MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO - RELATOR
2
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 3 de 20 156
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.995 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO
REQTE.(S) : CONFEDERACAO NACIONAL DO COMERCIO DE
BENS, SERVICOS E TURISMO - CNC
ADV.(A/S) : LIDIANE DUARTE NOGUEIRA E OUTRO (A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (Relator):
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, com
pedido liminar, ajuizada em 06.12.2007 pela Confederação Nacional do
Comércio – CNC, que pleiteia a declaração de inconstitucionalidade da
Lei nº 11.495/2007, que alterou a redação do caput do art. 836 da
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, dispondo sobre a exigência de
depósito prévio para o ajuizamento de ação rescisória no âmbito da
Justiça do Trabalho. Confira-se o teor da norma impugnada.
“LEI Nº 11.495, DE 22 DE JUNHO DE 2007.
Art. 1º O caput do art. 836 da Consolidação das Leis do
Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de
maio de 1943, passa a vigorar com a seguinte redação:
‘Art. 836. É vedado aos órgãos da Justiça do Trabalho
conhecer de questões já decididas, excetuados os casos
expressamente previstos neste Título e a ação rescisória, que
será admitida na forma do disposto no Capítulo IV do Título IX
da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo
Civil, sujeita ao depósito prévio de 20% (vinte por cento) do
valor da causa, salvo prova de miserabilidade jurídica do autor.
.......................................................................................................
................................. ’ (NR)
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 4 de 20 157
Art. 2º Esta Lei entra em vigor 90 (noventa) dias após a
data de sua publicação.”
2. A requerente sustenta que a exigência de depósito prévio
para o ajuizamento de ação rescisória viola os princípios da
inafastabilidade da jurisdição ( CF, art. 5, XXXV), da ampla defesa (CF, art.
5º, LV), da isonomia ( CF, art. 5º, caput) e da proporcionalidade. (i)
Primeiramente, em relação aos princípios da inafastabilidade da
jurisdição e da ampla defesa, afirma que a norma impugnada limita o
acesso ao Judiciário somente àqueles que possuem recursos para realizar
o depósito prévio. (ii) Além disso, sustenta que a violação ao princípio da
isonomia decorre do fato de a norma ser mais favorável ao trabalhador,
que possui isenção de pagamento, do que em relação às empregadores,
que possuem dificuldades em comprovar a hipossuficiência. (iii) Em
relação ao princípio da proporcionalidade, sustenta que a norma
representa uma restrição desmesurada e excessiva para atingir o fim
pretendido, celeridade, ressaltando que o valor de 20% do valor da causa
é muito acima do que está previsto no Código de Processo Civil. (iv) Por
fim, aduz que normas semelhantes foram declaradas inconstitucionais
pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.074, Rel. Min. Eros Grau, e na
ADI 1.976, Rel. Min. Joaquim Barbosa.
3. Em 12.12.2007, o Ministro Menezes Direito, então relator
deste processo, adotou o rito previsto no art. 12 da Lei nº 9.868/1999 (fl.
40).
4. O Presidente da República prestou informações em
20.12.2007 (fls. 48-95). Preliminarmente, arguiu a inépcia da petição
inicial, tendo em vista que faltaria fundamento lógico e consistente para a
declaração de inconstitucionalidade da norma impugnada. No mérito,
sustentou que a norma teve como objetivo assegurar o acesso à justiça a
todos, providenciando uma maior celeridade das decisões judiciais.
Aduziu que a ação rescisória vinha sendo usada como simples recurso,
2
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 5 de 20 158
com o único objetivo de procrastinar a solução final da lide.
5. O Presidente do Congresso Nacional prestou informações
em 29.01.2008 (fls. 113-133). Sustentou a inaplicabilidade ao caso dos
precedentes mencionados na inicial e a razoabilidade da norma
impugnada.
6. Em 11.02.2008, a Advocacia-Geral da União manifestou-se
pela improcedência do pedido formulado pela requerente com a
consequente declaração de constitucionalidade do art. 836 da
Consolidação das Leis do Trabalho (fls. 98-111). Arguiu o defensor legis,
preliminarmente, a ilegitimidade ativa da requerente, por ausência de
pertinência temática. No mérito, alegou que as ações rescisórias não são
expedientes de acesso primário ao Judiciário, mas sim de hipótese de
revisão de causa já posta e amplamente debatida, razão pela qual seu
cabimento limita-se a casos extraordinários. Sustentou que o ajuizamento
excessivo de ações rescisórias coloca em risco a própria segurança da
prestação jurisdicional, sendo que o depósito prévio seria uma ferramenta
para se implementar um processo célere e eficiente. Aduziu que os
precedentes apontados na petição inicial tratam de questões diversas, não
sendo aplicáveis a esta causa.
7. Em 10.09.2008, a Procuradoria-Geral da República
apresentou parecer pela improcedência da ação direta de
inconstitucionalidade (fls. 135-140). Requereu o conhecimento da ação
com a rejeição das preliminares suscitadas. No mérito, sustentou a
constitucionalidade da norma impugnada ao argumento de que a
instituição do depósito se revela medida salutar, uma vez que asseguraria
o acesso mais célere à decisão judicial, mediante a redução do número de
ações rescisórias sem fundamento legal.
8. Em 05.11.2009 (fl. 144), o Ministro Dias Toffoli declarou-se
impedido para atuar no feito. Em 10.12.2009 (fl. 146), os autos foram
3
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 6 de 20 159
redistribuídos para o Ministro Joaquim Barbosa, sendo que, em
26.06.2013 (fl. 147), com a aposentadoria deste, recebi os autos como
relator.
9. É o relatório.
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROBERTOBARROSO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 7 de 20 160
13/12/2018 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.995 DISTRITO FEDERAL
V O T O
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (Relator):
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E
PROCESSUAL DO TRABALHO. AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.
DEPÓSITO PRÉVIO EM AÇÃO
RESCISÓRIA. ACESSO À JUSTIÇA E
AMPLA DEFESA.
PROPORCIONALIDADE.
1. As normas processuais podem e
devem criar uma estrutura de incentivos e
desincentivos que seja compatível com os
limites de litigiosidade que a sociedade
comporta. A sobreutilização do Judiciário
congestiona o serviço, compromete a
celeridade e a qualidade da prestação da
tutela jurisdicional, incentiva demandas
oportunistas e prejudica a efetividade e a
credibilidade das instituições judiciais.
Afeta, em última análise, o próprio direito
constitucional de acesso à Justiça.
2. Dessa forma, é constitucional o
depósito prévio no ajuizamento de ação
rescisória como mecanismo legítimo de
desincentivo ao ajuizamento de demandas
ou de pedidos rescisórios aventureiros. Não
há violação a direitos fundamentais, mas
simples acomodação com outros valores
constitucionalmente relevantes, como à
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROBERTOBARROSO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 8 de 20 161
tutela judicial efetiva, célere e de qualidade.
3. O depósito no percentual de 20%
sobre o valor da causa não representa uma
medida demasiadamente onerosa,
guardando razoabilidade e
proporcionalidade.
4. Ação direta de inconstitucionalidade
julgada improcedente. Fixação da seguinte
tese: “É constitucional a fixação de depósito
prévio como condição de procedibilidade da ação
rescisória”.
I. PRELIMINARES DE INÉPCIA DA INICIAL E DE
ILEGITIMIDADE ATIVA
1. O Presidente da República, em suas informações, arguiu a
inépcia da petição inicial, sob o argumento de que faltaria fundamento
lógico e consistente para a declaração de inconstitucionalidade da norma
impugnada. A preliminar formulada, no entanto, não merece acolhida.
Saber se existe ou não fundamento para a declaração de
inconstitucionalidade da norma impugnada confunde-se com o mérito
desta ação direta.
2. A Advocacia-Geral da União, por sua vez, arguiu a
ilegitimidade ativa da requerente, por ausência de pertinência temática.
Como se sabe, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme em
exigir, para a caracterização de legitimidade ativa das entidades de classe
e das confederações sindicais em ações de controle concentrado, a
existência de pertinência temática, ou seja, a correlação entre o objeto do
pedido de declaração de inconstitucionalidade e os objetivos
institucionais da associação ( ADI 5.589, Rel. Min. Alexandre de Moraes;
ADI 5.023, Rel. Min. Rosa Weber; ADI 4.441, Rel. Min. Dias Toffoli; ADI
2
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROBERTOBARROSO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 9 de 20 162
4.190, Rel. Min. Celso de Mello). No caso dos autos, entendo estar
presente a correlação entre o pedido formulado na inicial e o objetivo
institucional da Confederação Nacional do Comércio – CNC, tendo em
vista que a norma impugnada atinge em larga medida seus
representados. Reconheço, portanto, a legitimidade ativa da requerente
para a propositura desta ação direta de inconstitucionalidade.
II. DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA
3. O direito de acesso à justiça, na modalidade acesso ao
Judiciário, encontra-se positivado no art. 5º, XXXV, CF/1988, que prevê que
a “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a
direito” [1] . Trata-se de garantia para a efetivação de direitos
fundamentais, sem a qual a titularidade dos demais bens assegurados
pela Constituição não faria sentido, uma vez que faltaria um instrumento
apto a tutelar sua efetivação. A garantia de acesso ao Judiciário tem,
contudo, um conteúdo amplo. Significa não apenas a possibilidade de
deflagrar a jurisdição, mas, ainda, o direito a um processo justo e efetivo: com
prazos razoáveis, decisões sem dilações indevidas, julgados coerentes e
não conflitantes, bem como tratamento isonômico e imparcial dos
postulantes [2] . A possibilidade de provocar a prestação jurisdicional
precisa ser exercida, portanto, com equilíbrio, de modo a não inviabilizar
a prestação da justiça com qualidade [3] . Trata-se de duas faces do mesmo
direito de acesso à justiça que precisam ser tratadas de forma harmônica.
4. O exercício abusivo do direito de deflagrar a jurisdição, a
litigiosidade excessiva, a utilização do Judiciário como instrumento para
a obtenção de acordos indevidos ou, ainda, para a procrastinação do
cumprimento de obrigações implica o uso ilegítimo do Judiciário e a
sensação difusa de que a Justiça não funciona. O volume desproporcional de
processos compromete a celeridade, a coerência e a qualidade da
prestação jurisdicional e importa em ônus desmedidos para a sociedade,
à qual incumbe arcar com o custeio da máquina judiciária.
3
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROBERTOBARROSO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 10 de 20 163
5. Em regra, as pessoas são agentes racionais. Ao decidirem
como agir, adotam comportamentos que possam otimizar seus ganhos.
Optam por um curso de ação, quando, em uma avaliação de custo
benefício, acreditam que uma providência lhes gerará um retorno
positivo (teoria das escolhas racionais). E formulam suas estratégias de
acordo com o comportamento esperado dos demais agentes com os quais
interagirão (teoria dos jogos). Assim, se estimam que uma conduta pode
lhes gerar proveito e jamais lhes gerará perda, sentem-se incentivadas a
agir; se acreditam que determinada ação pode lhes gerar prejuízos ou
ônus de alguma espécie, avaliam melhor a sua conveniência. Essa lógica
pode ser aplicada a qualquer comportamento humano, inclusive à
decisão sobre propor uma demanda. Alguns fatores constantes interferem
sobre essa decisão, a saber: (i) a ocorrência da violação a um direito (e
possivelmente a sua gravidade); (ii) o valor que se espera ganhar com a
demanda; (iii) o custo de processar, nele incluídos os riscos de sofrer
perdas; (iv) a probabilidade de êxito [4] .
6. Se o que se espera ganhar com a demanda é incerto ou
remoto e o custo de acionar é alto, tais circunstâncias podem inibir a
propositura de ações fúteis ou temerárias, que não justificam a
movimentação da máquina judiciária. Não se trata do valor maior ou
menor da pretensão, mas de sua plausibilidade [5] . A existência de custos
pela instauração do processo e do ônus de arcar com os encargos
suportados pelo ex adverso, em caso de insucesso, deverá levar a uma
avaliação séria e responsável das perspectivas reais de êxito. Ao revés, se
o custo de litigar for inexistente ou irrelevante, o processo se torna uma
aposta sem risco de perda. Não é difícil intuir que, em um quadro como
esse, há um incentivo para litigar.
7. Os custos envolvidos em um processo, por outro lado, não
correspondem apenas ao custo individual do autor. Há, ao lado dos
custos individuais, os custos sociais decorrentes da litigância. Esses custos
4
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROBERTOBARROSO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 11 de 20 164
sociais envolvem: (i) o custo da máquina Judiciária como um todo; e (ii)
os problemas associados ao excesso de litigância. No que respeita ao
custo social de manter a máquina Judiciária em funcionamento, é
relevante observar que os valores cobrados a título de taxa judiciária, em
regra, recuperam apenas uma pequena porcentagem da despesa incorrida
com o funcionamento do Judiciário. No sistema brasileiro, apenas 11% do
valor gasto com o custeio da Justiça é recuperado por meio da taxa, o que
significa que quase 90% é subsidiado [6] .
8. Mas o custo de manutenção da máquina judicial não é o
único encargo social associado à sobreutilização do Judiciário, ou o mais
importante. O baixo custo de propositura de ações gera incentivos ao
ajuizamento de demandas aventureiras, aumentando o volume de casos
que chegam ao Judiciário. O Judiciário tem, contudo, uma capacidade de
prestação da tutela jurisdicional que é finita. A partir de determinado
quantitativo precisará de mais recursos para continuar entregando o
mesmo serviço. Entretanto, os recursos disponíveis para o Judiciário
também são finitos. Assim, o aumento do volume de casos tende a gerar
uma piora do serviço, quer em virtude do congestionamento das diversas
instâncias, quer por perda da qualidade na prestação jurisdicional. A perda
de qualidade favorece o erro, enseja a produção de decisões
contraditórias e gera a inobservância de precedentes, provocando o que
alguns autores têm denominado jurisprudência lotérica [7] .
9. A jurisprudência lotérica cria novo estímulo para o
aumento de litigância. Como há decisões conflitantes em todos os
sentidos, as partes não conseguem avaliar suas reais chances de êxito.
Nessas condições, o litigante sério pode ser induzido a erro pelo viés de
otimismo. Segundo estudos da economia comportamental, as pessoas
tendem a hiperdimensionar suas expectativas quando não estão
perfeitamente informadas [8] . O litigante oportunista, a seu turno,
considera que, como sempre há chance de êxito e pequeno risco de perda,
vale a pena tentar. Nesse quadro, por mecanismos distintos, perfis
5
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROBERTOBARROSO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 12 de 20 165
diversos de litigantes tendem a optar pelo ajuizamento de ações.
10. Além disso, não é apenas o sucesso ao final de uma
demanda que pode representar um ganho: a postergação do
cumprimento de uma obrigação também gera benefícios. Assim, quando
a jurisprudência é oscilante, a demora na prestação do serviço é
considerável e o risco de perda é baixo, vale a pena litigar, ao menos para
adiar o cumprimento das obrigações. Ou seja: a sobreutilização da justiça
também pode trazer ganho para maus empregadores.
11. Ao final, se produz um mecanismo perverso de seleção
adversa. O litigante que tem razão acaba preferindo se abster de processar,
dado o desgaste, a incerteza e o tempo de duração de uma demanda. Em
consequência, cede a acordos talvez não muito vantajosos. O litigante
oportunista recorre ao Judiciário porque o mau funcionamento o
beneficia. Cria-se um ciclo vicioso por meio do qual o Judiciário se torna
um instrumento de injustiça, presta um serviço de má qualidade e cai em
descrédito.
12. O direito é um mecanismo essencial para determinar
arranjos sociais. O serviço prestado pelo Judiciário pode ser pensado
como um bem/serviço comum. Trata-se de um serviço que pode ser
acessado por todos. Foi o que quis a Constituição quando previu que
nenhuma lesão ou ameaça de lesão a direito será excluída da apreciação
judicial. Entretanto, o custo individual de acionar, correspondente ao
valor pago como taxa judiciária e demais encargos, é inferior ao custo
unitário do processo. Nos casos de gratuidade de justiça, a situação é
ainda mais grave, já que o custo de litigar é inexistente.
13. Nessas condições, se o direito não estabelecer um arranjo
qualquer pelo qual os efeitos negativos decorrentes da propositura
excessiva de ações (externalidade negativa) seja internalizado no custo de
quem litiga indevidamente, a consequência será a sobreutilização do
6
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROBERTOBARROSO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 13 de 20 166
Judiciário até a sua destruição. A sobrecarga gerada para o Judiciário será
tão grande que o próprio acesso à justiça estará comprometido. É preciso
que se compreenda que as normas processuais estabelecem estruturas de
incentivos ou de desincentivos para a litigância que interferem sobre a
carga de trabalho enfrentada pelo Judiciário. Essa realidade precisa ser
levada em conta na formulação dessas normas. Paradoxalmente, excesso
de acesso à justiça gera a denegação de acesso à justiça. A conclusão é óbvia: o
Brasil precisa efetivamente tratar do problema da sobreutilização do
Judiciário e desenvolver políticas públicas que reduzam a litigância.
III. A CONSTITUCIONALIDADE DO DEPÓSITO PRÉVIO EM
AÇÃO RESCISÓRIA
14. A requerente pleiteia a declaração de inconstitucionalidade
da Lei nº 11.495/2007 que alterou a redação do caput do art. 836 da
Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, dispondo sobre a exigência de
depósito prévio para o ajuizamento de ação rescisória no âmbito da
Justiça do Trabalho. Sustenta que a exigência de depósito para o
ajuizamento de ação rescisória viola os princípios da inafastabilidade da
jurisdição ( CF, art. 5, XXXV), da ampla defesa ( CF, art. 5º, LV), da
isonomia ( CF, art. 5º, caput) e da proporcionalidade.
15. É inegável que a norma ora em exame constitui uma
tentativa de graduar os incentivos para evitar a propositura irresponsável
de ações rescisórias. Ainda que o acesso à justiça seja um importante
direito fundamental, todo e qualquer postulante deve litigar de forma
responsável. Além disso, não se pode esquecer que a ação rescisória
possui caráter excepcionalíssimo, uma vez que restringe a segurança
jurídica instrumentalizada pela coisa julgada. A partir do momento que
se banaliza a ação rescisória, a coisa julgada é enfraquecida e a confiança
que os cidadãos têm sobre uma decisão judicial definitiva é fortemente
abalada. Em última análise, a norma impugnada apenas realizou uma
acomodação de princípios constitucionais com outros valores
7
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROBERTOBARROSO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 14 de 20 167
constitucionalmente relevantes, como à tutela judicial efetiva, célere e de
qualidade. A conclusão, portanto, é de que a exigência de depósito prévio
para o ajuizamento de ação rescisória não viola os princípios da
inafastabilidade da jurisdição e da ampla defesa.
16. Também não há violação ao princípio da isonomia. Em
primeiro lugar, o acesso à justiça não foi vedado ao hipossuficiente, já que a
parte final do dispositivo impugnado ressalva o depósito no caso de
“prova de miserabilidade jurídica do autor”. Não há assim uma oneração antiisonômica em relação a determinados grupos. Por outro lado e em
segundo lugar, a norma não estabeleceu uma distinção desarrazoada entre
pessoas iguais. A norma simplesmente estabelece uma diferenciação
legítima que atende o princípio da igualdade material, ao tratar de forma
diversa aqueles que possuem dificuldades diversas para o exercício de
determinados direitos. Em terceiro lugar, o fato de o valor de depósito ser
de 5% do valor da causa em outras jurisdições não impede que se
produza um tratamento diferenciado na Justiça do Trabalho. Não existe
um dever de reprodução das normas procedimentais, a ponto de se
afastar a autonomia do direito processual do trabalho.
17. Por fim, também não há violação ao princípio da
proporcionalidade. A medida é adequada à consecução do fim a que visa: a
criação de incentivos a um nível adequado de litigância. É necessária
porque seu objetivo de desincentivar ações rescisórias aventureiras e
pedidos descabidos não seria passível de obtenção com uma providência
diversa. Por fim, a medida não onera desproporcionalmente o acesso ao
Judiciário. O percentual de 20% sobre o valor da causa não representa
uma medida demasiadamente onerosa, considerado o proveito
perseguido. E mais: o depósito realizado pelo autor da ação rescisória
somente será revertido a favor do réu caso o pedido seja julgado
improcedente, conforme vem sendo interpretado o dispositivo pelo
Tribunal Superior do Trabalho (art. 5º da Instrução Normativa nº 31/2007).
8
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROBERTOBARROSO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 15 de 20 168
18. Na ADI 1.074, Rel. Min. Eros Grau, o Supremo Tribunal
Federal declarou inconstitucional o caput do art. 19 da Lei nº 8.870/1994
que exigia, para a propositura de ações que tivessem como objeto a
discussão de débito para com o INSS, depósito de todo o valor impugnado
juntamente com atualização monetária, multa de mora e juros. Entendeu esta
Corte que a norma restringia de forma desproporcional o acesso ao
Judiciário. Por outro lado, na ADI 1.976, Rel. Min. Joaquim Barbosa, o
Supremo declarou inconstitucional a exigência de depósito ou
arrolamento prévio de bens e direitos como condição de admissibilidade
de recurso administrativo, tendo em vista a possibilidade de haver, em
determinadas situações, supressão completa do direito ao recurso. Por
causa desses dois precedentes, inclusive, o Supremo formulou a Súmula
Vinculante nº 21 (“É inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento
prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo”) e a
Súmula Vinculante nº 28 (“É inconstitucional a exigência de depósito prévio
como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a
exigibilidade de crédito tributário”).
19. O caso decidido nesta ação, contudo, não guarda relação
direta com os casos decididos na ADI 1.074, Rel. Min. Eros Grau, e na ADI
1.976, Rel. Min. Joaquim Barbosa. Em ambos os casos, o legislador
estabeleceu uma restrição ao acesso à primeira impugnação do ato do Poder
Público, na via administrativa ou na via judicial. Antes de qualquer
revisão do ato lesivo praticado, era exigido um depósito completo (ADI
1.074) ou um depósito de 30% ( ADI 1.976) do valor que se estava
debatendo. Na presente ação direita de inconstitucionalidade, o depósito
prévio é condição de procedibilidade de ação rescisória, não afetando o acesso
primário ao Judiciário. Em se tratando de ação rescisória, como bem
apontaram a Advocacia-Geral da União e a Procuradoria-Geral da
República, a questão submetida à apreciação pelo Judiciário já fora
analisada e amplamente debatida por outras instâncias jurisdicionais.
Dessa forma, inaplicável os precedentes mencionados pela requerente.
9
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROBERTOBARROSO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 16 de 20 169
IV. CONCLUSÃO
20. Diante do exposto, voto no sentido de conhecer a ação
direta de inconstitucionalidade e julgá-la improcedente, declarando a
constitucionalidade do caput do art. 836 da Consolidação das Leis do
Trabalho – CLT, com redação dada pela Lei nº 11.495/2007. Proponho a
fixação da seguinte tese: “É constitucional a fixação de depósito prévio como
condição de procedibilidade da ação rescisória”.
É como voto.
Notas de fim:
1 - O acesso à justiça não se limita ao acesso ao Judiciário e pode se
dar, ainda, por meio de mecanismos extrajudiciais de composição das
controvérsias.
2 - Marinoni diferencia o direito de acesso à justiça em sentido estrito
dos direitos de adequação e de efetividade da tutela. Reconhece, contudo,
que as três dimensões são abrangidas pelo art. 5º, XXXV, CF/1988 (cf.
Sarlet, Marinoni e Mitidiero. Curso de direito constitucional, 2017, p. 779 e
ss).
3 - Rodolfo de Camargo Mancuso. Acesso à justiça: condicionantes
legítimas e ilegítimas, 2015, p. 207-219.
4 - Steven Shavell. Foundations of Economic Analysis of Law, 2004, p.
390 e ss.; Cooter e Ullen. Law and economics. 2016, p. 382-430; Ivo Gico. A
tragédia do Judiciário. Revista de Direito Administrativo, v. 267, p. 163-198,
2014.
5 - É importante ressalvar, contudo, que há situações em que, a
10
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROBERTOBARROSO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 17 de 20 170
despeito do valor diminuto, pode ser importante incentivar o ajuizamento
de ações. A propositura de ações coletivas para combater lesões ao
consumidor que, na perspectiva individual, não se justificaria, pode ser
importante para alterar determinada cultura empresarial, objetivo que
poderia justificar a criação de incentivos específicos à litigância pelo
Estado. Assim como o direito pode buscar criar mecanismos que
desincentivem o ajuizamento de ações, em um contexto de demandas
excessivas. Pode igualmente optar por subsidiar a propositura de ações,
quando entender que a demanda é insuficiente em determinada área.
Steven Shavell. Foundations of Economic Analysis of Law, 2004, p. 397.
6 - Cálculo proporcional realizado a partir do valor total arrecadado
em custas emolumento e eventuais taxas, no ano de 2016, em relação ao
total de gastos do Poder Judiciário, conforme relatório do CNJ. Relatório
Justiça em Números 2017 CNJ (ano-base 2016). Disponível em:
37945c1dd137496c.pdf>. Acesso em 10 abr. 2018.
7 – Eduardo Cambi. Jurisprudência lotérica. Revista dos tribunais, v.
90, n. 786, p. 108-128, abr. 2001; Lúcio Grassi Gouveia e Fábio Gabriel
Breitenbach. Sistema de precedentes no novo Código de processo civil
brasileiro: um passo para o enfraquecimento da jurisprudência lotérica
dos tribunais. In: Fredie Didier Jr. et al. (coord.). Precedentes, 2015, p. 491-519.
8 - Cooter e Ullen. Law and economics, 2016, p. 382-430; Ivo Gico. A
tragédia do Judiciário. Revista de Direito Administrativo, v. 267, p. 163-198,
2014.
11
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 18 de 20 171
13/12/2018 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.995 DISTRITO FEDERAL
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, tem-se a
cláusula de livre acesso ao Judiciário. É uma cláusula constitucional. A lei
não pode afastar o que é assegurado no principal rol das garantias
constitucionais, que é o acesso. Indaga-se: a lei pode condicionar o acesso
a depósito prévio? O Tribunal fulminou situação semelhante considerado
o processo trabalhista. E a solução é a mesma. Para o ajuizamento da ação
rescisória, não se pode cogitar de depósito de certo valor.
Por isso, peço vênia ao Relator, para julgar procedente o pedido
formulado na inicial da ação direta de inconstitucionalidade.
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX (PRESIDENTE) - Só queria
destacar que a Constituição concede o acesso à Justiça e, ao mesmo
tempo, ela pretende que, num dado momento, aquela situação litigiosa
seja estável e segura em nome da proteção da confiança e da segurança
jurídica. Então, a Constituição também protege a coisa julgada.
A ação rescisória é uma ação que visa desconstituir a coisa julgada.
Talvez por isso essa exigência do depósito prévio. Essa é a ratio essendi
desse dispositivo, que já havia no Código de 73.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Vossa Excelência me
permite? Ainda há o vício formal, porque tem-se impugnação – pelo
menos assim percebo – de uma lei do Distrito Federal. A lei é federal?
O SENHOR MINISTRO ROBERTO BARROSO (RELATOR) - É lei
federal, alterou a redação da CLT. O meu ponto de vista é que, aqui, não é
acesso à Justiça; é reacesso à Justiça de alguém que já pode ter litigado em
todos os níveis, perdeu a demanda por decisão transitada em julgado e
quer, uma vez mais, mobilizar o aparato judiciário.
Nestas circunstâncias, penso que um depósito de 20% é bastante
razoável para desestimular ações temerárias. Por essa razão, mantenho a
minha posição.
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.RICARDOLEWANDOWSKI
Inteiro Teor do Acórdão - Página 19 de 20 172
13/12/2018 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.995 DISTRITO FEDERAL
V O T O
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI -Presidente, embora sensibilizado pela intervenção do Ministro Marco
Aurélio - e sou muito sensível a esse tema de acesso à Justiça -, tenho
sempre votado na linha de que não se pode colocar nenhum obstáculo
quanto ao acesso à Justiça, sobretudo obstáculos de natureza financeira,
mas, vejo que o Ministro Barroso, aqui, assenta, a meu ver, com
propriedade, data venia, que o percentual de 20% sobre o valor da causa
não representa uma medida demasiadamente onerosa, guardando
razoabilidade e proporcionalidade.
E há um outro aspecto que me sensibiliza nesse caso. Trata-se, como
foi dito aqui, de um reacesso à Justiça, já houve o primeiro acesso, tentase um segundo acesso. E há outros valores em causa também de nível
constitucional, como é a proteção da coisa julgada.
De maneira que, sem prejuízo de continuar refletindo sobre esta
argumentação do Ministro Marco Aurélio, sempre muito substanciosa,
vou, neste caso, acompanhar então o Relator, apenas fazendo essa
observação, que me pareceu importante até para o autoconvencimento.
Supremo Tribunal Federal
ExtratodeAta-13/12/2018
PLENÁRIO Inteiro Teor do Acórdão - Página 20 de 20 173
EXTRATO DE ATA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.995
PROCED. : DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO
REQTE.(S) : CONFEDERACAO NACIONAL DO COMERCIO DE BENS, SERVICOS E
TURISMO - CNC
ADV.(A/S) : LIDIANE DUARTE NOGUEIRA (89665/RJ) E OUTRO (A/S)
INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADV.(A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL
Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou improcedente o pedido
formulado na ação direta, nos termos do voto do Relator, vencido o
Ministro Marco Aurélio. Impedido o Ministro Dias Toffoli
(Presidente). Ausentes, justificadamente, os Ministros Celso de
Mello e Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento o Ministro Luiz Fux
(Vice-Presidente). Plenário, 13.12.2018.
Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. Presentes à
sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski,
Cármen Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin
e Alexandre de Moraes.
Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Celso de
Mello e Gilmar Mendes.
Procuradora-Geral da República, Dra. Raquel Elias Ferreira
Dodge.
Carmen Lilian Oliveira de Souza
Assessora-Chefe do Plenário