1 de Julho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
Supremo Tribunal Federal
EmentaeAcórdão
Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 15 123
04/10/2019 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 600.483 RIO DE JANEIRO
RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA
RECTE.(S) : CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO
ADV.(A/S) : JANIA MARIA DE SOUZA
RECDO.(A/S) : PREFEITO DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
ADV.(A/S) : ANDRE TOSTES (PROCURADOR DO MUNICIPIO -
MATRICULA 10/141.740-1)
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL N.
3.779/2004. PROCESSO LEGISLATIVO DE INICIATIVA PARLAMENTAR.
1) FIXAÇÃO DE LISTA DE MÉDICOS PLANTONISTAS, MÉDICO
RESPONSÁVEL E ESPECIALIDADES. VÍCIO DE INICIATIVA NÃO
CONFIGURADO. AUSÊNCIA DE CRIAÇÃO DE CARGOS, DE
AUMENTO DE DESPESAS OU DE ALTERAÇÃO NA ESTRUTURA E
ATRIBUIÇÃO DE ÓRGÃOS E SECRETARIAS DO MUNICÍPIO.
DECLARAÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI
MUNICIPAL N. 3.779/2004. 2) CRIAÇÃO DE SERVIÇO TELEFÔNICO
PARA DENÚCIAS E INFORMAÇÕES. VÍCIO DE INICIATIVA
CONFIGURADO. ACÓRDÃO MANTIDO NESTA PARTE.
CONTRARIEDADE AO ART. 61, § 1º, INC. II, AL. A, DA CONSTITUIÇÃO
DA REPÚBLICA. PRECEDENTES. 3) RECURSO EXTRAORDINÁRIO
PARCIALMENTE PROVIDO: DECLARAÇÃO DE
CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 1º DA LEI MUNICIPAL N.
3.779/2004.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do
Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual do Plenário, na
conformidade da ata de julgamento, por unanimidade, em dar parcial
provimento ao recurso extraordinário para declarar a
constitucionalidade do art. 1º da Lei Municipal nº 3.779/2004, nos termos
do voto da Relatora. Sessão Virtual de 27.9.2019 a 3.10.2019.
Supremo Tribunal Federal
EmentaeAcórdão
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RE 600483 / RJ
Brasília, 4 de outubro de 2019.
Ministra CÁRMEN LÚCIA
Relatora
Supremo Tribunal Federal
Relatório
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04/10/2019 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 600.483 RIO DE JANEIRO
RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA
RECTE.(S) : CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO
ADV.(A/S) : JANIA MARIA DE SOUZA
RECDO.(A/S) : PREFEITO DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
ADV.(A/S) : ANDRE TOSTES (PROCURADOR DO MUNICIPIO -
MATRICULA 10/141.740-1)
R E L A T Ó R I O
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (RELATORA):
1. Recurso extraordinário interposto com base no art. 102, inc. III, al.
a, da Constituição da Republica, contra o seguinte julgado do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro:
“Representação por inconstitucionalidade da Lei Municipal n.
3.779, de 23 de junho de 2004, que impõe a obrigação a hospitais e
estabelecimentos de saúde instalados no Município do Rio de Janeiro
de afixar em local visível lista de médicos plantonistas .
Inconstitucionalidade por vício de iniciativa que se declara, à vista do
disposto nos artigos 112, § 1º, II, d, e 345, parte final da Constituição
Estadual” (fl. 64).
2. A Recorrente alega que o Tribunal a quo teria contrariado os arts.
23, inc. II, 24, inc. XII e 30, inc. I e VII, da Constituição da Republica.
Argumenta que “a matéria de que trata a lei em nada usurpa a
competência legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo Municipal (…) o
objetivo da lei é assegurar o direito de as pessoas que buscam atendimento
hospitalar terem informações sobre o nome do médico plantonista e sua
especialidade” (fl. 82).
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Relatório
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Afirma que “as regras que conferem competência legislativa ao Chefe do
Poder Executivo são exceção à regra geral. Com efeito, é ao Poder Legislativo que
cabe a função de legislar. O Poder Executivo legislando é uma situação
excepcional e, como toda regra de exceção, deve ser interpretada restritivamente”
(fl. 82).
Requer o provimento do recurso extraordinário para que seja
julgada improcedente a Representação de Inconstitucionalidade ajuizada.
3. A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pelo
“provimento parcial do recurso, para que se tenha por constitucional o artigo 1º
da Lei Municipal nº 3.779/2004” (fl. 116).
É o relatório.
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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 600.483 RIO DE JANEIRO
V O T O
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (RELATORA):
1. Conforme relatado, o objeto da ação, na qual se interpôs o
presente recurso, é a declaração de inconstitucionalidade da Lei
Municipal n. 3.779/2004.
2. A Recorrente argumenta que o acórdão recorrido teria contrariado
os arts. 23, inc. II, 24, inc. XII e 30, inc. I e VII, da Constituição da
República porque “a matéria de que trata a lei em nada usurpa a competência
legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo Municipal (…) o objetivo da
lei é assegurar o direito de as pessoas que buscam atendimento hospitalar terem
informações sobre o nome do médico plantonista e sua especialidade” (fl. 82).
3. Inicialmente, quanto à preliminar de repercussão geral, é de se
anotar que a Recorrente foi intimada do acórdão recorrido antes de
3.5.2007 (fl. 77v.), o que dispensa a demonstração da repercussão geral da
questão constitucional em capítulo especial do recurso extraordinário,
nos termos do que decidido pelo Plenário deste Supremo Tribunal
Federal no Agravo de Instrumento 664.567-QO, Relator o Ministro
Sepúlveda Pertence.
4. Analisados os argumentos trazidos nos autos, a Recorrente tem
razão jurídica em parte.
5. No voto condutor do acórdão recorrido, o Desembargador José
Lucas Alves Brito asseverou:
“Padece realmente a lei referida do vício maior de
inconstitucionalidade. É elementar e curial que a função do Poder
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Legislativo seja a de legislar. Mas tal função supõe um processo,
composto de atos, o primeiro dos quais é a apresentação do projeto de
lei, que deve ser feita por quem tenha competência específica para
tanto, vale dizer, por quem lhe detenha a iniciativa, nos termos da
Constituição. Pois bem, a regra geral é a de que o parlamento a
detenha. Tal regra, no entanto, cede a exceções constitucionalmente
previstas. Uma delas diz respeito à iniciativa privativa do Chefe do
Poder Executivo. Onde tal seja previsto, não se permite a outro Poder,
ou a membro de outro Poder, que a exerça. E aí se encontra a
interpretação restritiva da exceção, pela qual clama o Chefe do Poder
Legislativo, em sua impugnação a esta representação: precisamente
por não comportar o artigo 112, § 1º, inciso II, alínea d, da
Constituição Estadual interpretação ampliativa, ou seja, por exigirinterpretação restritiva, é que apenas ao Chefe do Executivo, e a
ninguém mais, cabe a iniciativa de leis que disponham sobre ‘criação,
estruturação e atribuições das Secretarias de Estado e órgãos’ deste
Poder. Ora, são inquestionavelmente órgãos deste Poder os hospitais e
estabelecimentos de saúde municipais. Assim, o cometimento a eles de
atribuições como a de que cuida a lei objeto desta representação
somente poderia resultar de lei cujo projeto fosse apresentado pelo
Prefeito Municipal, nos termos do dispositivo constitucional
mencionado, combinado com o artigo 345, parte final, da mesma
Constituição Estadual. Pois bem, não foi ele, Prefeito, quem teve ainiciativa da lei cuja inconstitucionalidade pretende ver declarada,
conforme deixam claro os documentos de fls. 36 e seguintes” (fls. 66-67, grifos nossos).
5. A Lei Municipal n. 3.779/2004 dispõe:
“Lei Municipal n. 3.779, de 23 de junho de 2004
Estabelece a obrigatoriedade dos hospitais do Município de
fixarem em lugar visível, a lista dos médicos plantonistas e do
responsável pelo plantão.
Art. 1º – Os hospitais e estabelecimentos de saúde instalados no
Município do Rio de Janeiro deverão fixar em lugar visível a lista dos
médicos plantonistas e do responsável pelo plantão.
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Parágrafo único: - Da lista a que refere o “caput” deste artigo,
deverão constar as respectivas especialidades médicas.
Art. 2º – Cabe ao Poder Executivo colocar à disposição da
população um telefone para denúncias e informações sobre os
respectivos plantões.
Art. 3º – Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação” (fl.
5).
5. Em síntese, o que se discute neste recurso é a constitucionalidade
de lei de iniciativa do Poder Legislativo que determinou: a) a fixação de
lista dos médicos plantonistas e do responsável pelo plantão nos hospitais
e nos estabelecimentos de saúde instalados no Município do Rio de
Janeiro, e b) a criação, pelo Poder Executivo, de um canal de comunicação
apto a receber denúncias e prestar informações para a população sobre os
respectivos plantões.
Da constitucionalidade formal da criação de serviço telefônico para o
recebimento de denúncias e a prestação de informações
(Art. 2º da Lei n. 3.779/2004)
6. Como asseverado no acórdão recorrido, ao propor e aprovar
norma que determina ao Poder Executivo a obrigação de “colocar à
disposição da população um telefone para denúncias e informações sobre os
respectivos plantões”, o Poder Legislativo municipal contrariou o art. 61,
§ 1º, inc. II, al. a, da Constituição da Republica:
“Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe
a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do
Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da
República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao
Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos
previstos nesta Constituição.
§ 1º - São de iniciativa privativa do Presidente da República as
leis que:
II - disponham sobre:
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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA
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a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na
administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;”
7. A discussão sobre a constitucionalidade de normas propostas
(iniciadas) pelo Poder Legislativo que estabeleçam obrigações para o
Poder Executivo e importem na criação de cargos ou no aumento de
despesas em órgãos públicos não é nova neste Supremo Tribunal.
No julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.305/ES,
Relator o Ministro Cezar Peluso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal
decidiu:
“EMENTA: INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta.
Arts. 22 e 25 da Lei Complementar nº 176/2000, do Estado do
Espírito Santo. Competência legislativa. Administração pública. (...).
Criação de cargos na Secretaria da Educação. Inadmissibilidade.
Matérias de iniciativa exclusiva do Governador do Estado, Chefe do
Poder Executivo. Normas oriundas de emenda parlamentar.
Irrelevância. Temas sem pertinência com o objeto da proposta do
Governador. Aumento de despesas, ademais. Ofensa aos arts. 61, § 1º,
inc. II, a, b e e, e 63, inc. I, da CF. Ação julgada procedente.
Precedentes. São inconstitucionais as normas que, oriundas de
emenda parlamentar, não guardem pertinência com o objeto da
proposta do Governador do Estado e disponham, ademais, sobre
organização administrativa do Executivo e criem cargos públicos” (DJ
5.8.2011, grifos nossos).
No mesmo sentido, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade
n. 2.113/MG, de minha relatoria, afirmou-se:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MINEIRA N. 13.054/1998.
EMENDA PARLAMENTAR. INOVAÇÃO DO PROJETO DE LEI
PARA TRATAR DE MATÉRIA DE INICIATIVA DO CHEFE DO
PODER EXECUTIVO. CRIAÇÃO DE QUADRO DE
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ASSISTENTE JURÍDICO DE ESTABELECIMENTO
PENITENCIÁRIO E SUA INSERÇÃO NA ESTRUTURA
ORGANIZACIONAL DE SECRETARIA DE ESTADO.
EQUIPARAÇÃO SALARIAL COM DEFENSOR PÚBLICO.
INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL.
OFENSA AOS ARTS. 2º, 5º, 37, INC. I, II, X E XIII, 41, 61, § 1º,
INC. II, ALÍNEAS A E C, E 63, INC. I, DA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1. Compete
privativamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que
disponham sobre as matérias previstas no art. 61, § 1º, inc. II, alíneas
a e c, da Constituição da Republica, sendo vedado o aumento das
despesas previstas mediante emendas parlamentares (art. 63, inc. I, da
Constituição da República). (…) 5. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente” (Plenário, DJ 21.8.2009,
grifos nossos).
Nesse julgamento asseverei:
“4. A Constituição da Republica estabelece, em seu art. 1º, o
princípio federativo, por força do qual se explicita o espaço
constitucional de autonomia dos Estados-membros, assegurando-se
os entes federados, para cumprimento desse princípio, a competência
privativa outorgada a cada qual. Em seu art. 25, a Constituição
autoriza os Estados-membros a se organizarem segundo suas
respectivas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios
constitucionais.
Tal como posto no sistema constitucional, o Brasil adota como
modelo federativo a simetria dos modelos federal e estadual quanto aos
princípios. Há uma principiologia a harmonizar as normas que
compõem o sistema nacional e os sistemas estaduais, de modo que não
destoem os modelos adotados no plano nacional e nas ordens parciais
em suas linhas mestras. O equilíbrio federativo, neste quadro, vem
com a unidade que se realiza na diversidade congregada e harmoniosa.
Nesse sentido são os ensinamentos de Raul Machado Horta:
‘A precedência da Constituição Federal sobre a do EstadoMembro é exigência lógica da organização federal, e essa
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precedência, que confere validez ao sistema federal, imprime a
força de matriz originária ao constituinte federal e faz do
constituinte estadual um segmento derivado daquele.
A precedência lógico-jurídica do constituinte federal na
organização originária da Federação torna a Constituição
Federal a sede de normas centrais que vão conferir
homogeneidade aos ordenamentos parciais constitutivos do
Estado Federal, seja no plano constitucional, no domínio das
Constituições Estaduais, seja na área subordinada da legislação
ordinária’ (HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 3.
ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 69).
5. Na esteira dessa opção constituinte é que o art. 61, § 1º, inc.
II, alíneas a e c, da Constituição da Republica estabelece ser da
competência privativa do Chefe do Poder Executivo - no plano federal,
estadual e municipal - a iniciativa de leis que disponham sobre criação
de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta e
autárquica ou aumento de suas respectivas remunerações e, ainda,
sobre servidores públicos e seu regime jurídico. (...)
Idêntica foi a posição afirmada no julgamento da Ação Direta de
Inconstitucionalidade n. 507/AM, Relator o eminente Ministro Celso
de Mello, quando o Plenário do Supremo Tribunal Federal consignou:
‘O PODER CONSTITUINTE OUTORGADO AOS
ESTADOS-MEMBROS SOFRE AS LIMITAÇÕES
JURÍDICAS IMPOSTAS PELA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA.
- Os Estados-Membros organizam-se e regem-se pelas
Constituições e leis que adotarem ( CF, art. 25), submetendo-se,
no entanto, quanto ao exercício dessa prerrogativa institucional
(essencialmente limitada em sua extensão), aos
condicionamentos normativos impostos pela Constituição
Federal, pois é nesta que reside o núcleo de emanação (e de
restrição) que informa e dá substância ao poder constituinte
decorrente que a Lei Fundamental da República confere a essas
unidades regionais da Federação. Doutrina. Precedentes’ (DJ
8.8.2003, grifos no original).
6. Exatamente por prevalecer esse entendimento é que os
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Estados-membros devem obrigatoriamente obedecer, em nome do
princípio da independência e da harmonia entre os poderes, ao
disposto nos arts. 61, § 1º, inc. II, e 63, inc. I, da Constituição da
República, assegurando-se, de um lado, aos governadores a iniciativa
de lei sobre as matérias ali elencadas e, de outro, vedando a
possibilidade de emendas parlamentares apresentadas em projetos de
lei de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo resultarem em
aumento de despesas. (...)
São precedentes: ADI 64/RO, de minha relatoria, Tribunal
Pleno, DJ 22.2.2008; ADI 2.079/SC, Rel. Min. Maurício Corrêa,
Tribunal Pleno, DJ 18.6.2004; ADI 2.569/CE, Rel. Min. Carlos
Velloso, Tribunal Pleno, DJ 2.5.2003; ADI 3.061/AP, Relator o
Ministro Carlos Britto, Tribunal Pleno, DJ 9.6.2006; e, ADI 2.873/PI,
Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, DJ 9.11.2007” (DJ 21.8.2009,
grifos nossos).
8. Como destacado pela Procuradoria-Geral da República, no caso
vertente, “em face da notória precariedade dos serviços públicos de saúde e do
presumível grande volume de reclamações, tal serviço telefônico demandaria a
criação de cargos públicos na administração direta ou remanejamento de cargos
existentes ou, ainda, contratação de serviços terceirizados de atendimento em
telecomunicação, o que exigiria aumento de despesas públicas em seara de
competência exclusiva do Executivo” (fl. 116, grifos nossos).
9. De se ver, pois, que nesta parte o acórdão recorrido está em
harmonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, razão
pela qual há ser mantido, dada a inconstitucionalidade formal do art. 2º
da Lei municipal n. 3.779/2004.
Da constitucionalidade formal da exigência de afixar listas de médicos
plantonistas na porta dos hospitais e estabelecimentos de saúde
(Art. 1º da Lei municipal n. 3.779/2004)
10. Para declarar a inconstitucionalidade da Lei municipal n.
3.779/2004, o Tribunal fluminense acentuou que “a ninguém mais, cabe a
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iniciativa de leis que disponham sobre ‘criação, estruturação e atribuições das
Secretarias de Estado e órgãos’”, e concluiu ter havido a indevida ingerência
do Poder Legislativo municipal em matéria de competência privativa do
Poder Executivo.
Ao contrário do que se dá em relação ao art. 2º da Lei municipal n.
3.779/2004 que criou o serviço de atendimento telefônico, a exigência de
“os hospitais e estabelecimentos de saúde instalados no Município do Rio de
Janeiro deverão fixar em lugar visível a lista dos médicos plantonistas e do
responsável pelo plantão [, nelas incluídas] as respectivas especialidades
médicas (art. 1º e parágrafo único da Lei municipal n. 3.779/2004) não
contraria qualquer norma constitucional.
A uma, porque a elaboração e a fixação de lista com o nome dos
médicos plantonistas, suas respectivas especialidades e o nome do
médico responsável pelo plantão não exige a criação de cargos, a
estruturação e a alteração de atribuição de secretarias ou órgãos, nem a
nomeação de novos servidores para a execução dessa tarefa.
A duas, porque a medida sugerida não importa em aumento
significativo das despesas do Município do Rio de Janeiro demandando,
quando muito, a utilização de poucos insumos de escritório.
A três, porque ao tentar assegurar, ainda que pontualmente, a
transparência na prestação de serviços de saúde nos hospitais e
estabelecimentos de saúde, sejam eles públicos ou privados, o legislador
municipal atuou nos limites de sua competência (arts. 23, inc. II, 30, inc. I
e VII, da Constituição da República), cuidando de matéria afeta ao
Município do Rio de Janeiro, de interesse da população que pleitear
atendimento de saúde nos limites de sua circunscrição.
Em essência, buscou concretizar o princípio da dignidade da pessoa
humana ao ampliar as formas de acesso aos serviços de saúde,
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permitindo aos usuários a fiscalização da qualidade e da efetiva prestação
desses serviços pelos hospitais e estabelecimentos de saúde.
11. Nessa linha foi o parecer da Procuradoria-Geral da República:
“No mérito, observe-se que a Corte Estadual entendeu
inconstitucional a Lei Municipal nº 3.779/2004, por vício de
iniciativa, ao argumento de que “afixar em local visível lista de
médicos plantonistas”, bem como “criar serviço telefônico para que a
Administração receba denúncias e informações sobre os respectivos
plantões” significaria invasão da competência privativa do Chefe do
Executivo para “criação, estruturação e atribuições das Secretarias de
Estado e órgãos” deste Poder, conforme prescreve a Constituição
Estadual em seu artigo 112, § 1º, inciso, princípio que reproduz, por
simetria, o artigo 61, § 1º, II, a, da Constituição Federal, que
estabelece a iniciativa exclusiva do Presidente da República para leis
que importem na criação de cargos, funções ou empregos públicos na
administração direta ou autárquica. (...)
12. Como bem observado pelo ilustre Procurador do parquet
estadual, a lei alcança os entes privados e, à toda evidência, não se
mostra pertinente, no particular, a afirmação de que haveria
competência privativa para legislar sobre o tema. Patente, pois, a
contrariedade ao artigo 23, II do texto constitucional, que estabelece
competência comum aos entes públicos para cuidar da saúde e
assistência pública da população.
13. Em relação aos hospitais públicos, não se pode entender que
a iniciativa legal da Casa Legislativa tenha invadido a competência do
Executivo no tocante à estruturação e atribuições da Secretaria
Estadual de Saúde, pois a simples obrigatoriedade de afixação de lista
de profissionais plantonistas não assume a grandeza pretendida.
14. Conforme determina a Constituição Federal no art. 30, I e
VII, compete aos municípios a prestação de serviços de atendimento à
saúde da população.
15. A pretendida afixação da lista de plantonistas, a par de
assegurar a publicidade dos profissionais em serviço, permite maior
controle da população sobre a qualidade dos serviços prestados e,
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA
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ainda, pode trazer como provável conseqüência maior fiscalização
sobre os serviços de saúde.
16. Tal medida, obviamente, não causa nenhum impacto na
regra que atribui ao Chefe do Executivo a competência sobre a criação,
estruturação e atribuições da Secretaria de Saúde” (fls. 114-115,
grifos nossos).
12. Pelo exposto, dou parcial provimento ao presente recurso
extraordinário para declarar a constitucionalidade do art. 1º da Lei
municipal n. 3.779/2004.
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Supremo Tribunal Federal
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PLENÁRIO EXTRATO DE ATA
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 600.483
PROCED. : RIO DE JANEIRO RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA
RECTE.(S) : CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO
ADV.(A/S) : JANIA MARIA DE SOUZA (67758/RJ)
RECDO.(A/S) : PREFEITO DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO
ADV.(A/S) : ANDRE TOSTES (PROCURADOR DO MUNICIPIO - MATRICULA
10/141.740-1) (RJ048365/)
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, deu parcial provimento
ao recurso extraordinário para declarar a constitucionalidade do
art. 1º da Lei Municipal nº 3.779/2004, nos termos do voto da
Relatora. Plenário, Sessão Virtual de 27.9.2019 a 3.10.2019.
Composição: Ministros Dias Toffoli (Presidente), Celso de
Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen
Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin e
Alexandre de Moraes.
Carmen Lilian Oliveira de Souza
Assessora-Chefe do Plenário