27 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Supremo Tribunal Federal STF - HABEAS CORPUS: HC 182773 PB - PARAÍBA 0088419-09.2020.1.00.0000
Publicado por Supremo Tribunal Federal
Detalhes da Jurisprudência
Partes
PACTE.(S) EDISON PEREIRA DE ARAUJO , IMPTE.(S) OZAEL DA COSTA FERNANDES (5510/PB) , COATOR(A/S)(ES) SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Publicação
DJe-081 02/04/2020
Julgamento
31 de Março de 2020
Relator
Min. ROSA WEBER
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Decisão
Vistos etc. Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado por Ozael da Costa Fernandes em favor de Edison Pereira de Araujo, contra acórdão da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, sob a relatoria do Ministro Antônio Saldanha Palheiro, que denegou a ordem no HC 552.570/PB. O paciente foi pronunciado pela suposta prática do crime de homicídio qualificado (art. 121, § 2º, IV, do Código Penal). Irresignada, a Defesa impetrou habeas corpus perante o Tribunal de Justiça da Paraíba, que denegou a ordem. A questão, então, foi submetida à apreciação do Superior Tribunal de Justiça, que denegou a ordem no HC 552.570/PB. No presente writ, o Impetrante alega ilegalidade da prisão preventiva ante a ausência de revisão do decreto prisional a cada 90 (noventa) dias, nos termos da Lei 13.964/2019. Sustenta nulidade do acórdão estadual, tendo em vista a utilização da técnica de fundamentação per relationem. Argumenta a possibilidade de revogação ou substituição da prisão preventiva em razão da pandemia do Covid-19, de acordo com as recomendações do Conselho Nacional de Justiça. Requer, em medida liminar e no mérito, a revogação da prisão preventiva e, sucessivamente, a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão. É o relatório. Decido. Extraio do ato dito coator: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. APLICAÇÃO DA LEI PENAL. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. PACIENTE FORAGIDO. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. IMPOSSIBILIDADE. 1. A validade da segregação cautelar está condicionada à observância, em decisão devidamente fundamentada, aos requisitos insertos no art. 312 do Código de Processo Penal, revelando-se indispensável a demonstração de em que consiste o periculum libertatis. 2. Segundo o disposto no art. 413, § 3º, do Código de Processo Penal, "[o] juiz decidirá, motivadamente, no caso de manutenção, revogação ou substituição da prisão ou medida restritiva de liberdade anteriormente decretada e, tratando-se de acusado solto, sobre a necessidade da decretação da prisão". 3. "É válida a utilização da técnica da fundamentação per relationem, em que o magistrado se utiliza de trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir" ( RHC n. 94.488/PA, relator Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 19/4/2018, DJe 2/5/2018). 4. No caso em tela, a prisão foi mantida em decorrência de o paciente deixar de comparecer aos chamamentos judiciais, e isso sabedor da ação penal em curso tanto que já havia sido preso preventivamente anteriormente, tendo obtido liberdade sob condições de manter endereço atualizado e comparecer a todos os atos processuais , estando foragido até o presente momento, circunstância que justifica a necessidade de segregação cautelar para garantir a aplicação da lei penal e a instrução criminal. 5. Na mesma linha a manifestação da Procuradoria-Geral da República, para quem "a evasão do distrito da culpa, comprovadamente demonstrada nos autos, é motivação suficiente a embasar a segregação cautelar para assegurar a conveniência da instrução criminal e para garantir a aplicação da lei penal, havendo, no caso concreto, risco efetivo à obstrução de ambas, vez que o agente ainda não foi localizado". 6. Ordem denegada. De acordo com a denúncia, 'o denunciado chegou ao referido bar e pediu uma cerveja (...). Poucos minutos depois, a vítima chegou ao local, iniciando uma discussão com o denunciado, que estava armado com um revólver calibre .38 - SPL, marca Taurus, (
). Ato contínuo, o denunciado sacou a arma de fogo, tendo, vítima e denunciado, saído para fora do bar, ocasião em que o acusado efetuou vários disparos de arma de fogo contra a cabeça da vítima, que se encontrava desarmada, impossibilitando sua defesa (...). As investigações revelam, ainda, que, após a prática do crime, o denunciado largou a sua arma e sua motocicleta no local e fugiu, adentrando no matagal. Ao decretar a prisão preventiva, o magistrado de primeiro grau verificou a existência dos indícios suficientes de autoria e da materialidade delitiva e enfatizou a necessidade da constrição para a conveniência da instrução penal, tendo em vista que o acusado não foi localizado, sem atualizar seu endereço nestes autos, não se sabendo onde se encontra nesta comarca. Ainda, conforme este termo de audiência, o seu causídico compareceu não informando o motivo da sua ausência. Reforça-se, ainda que o acusado já tinha sido preso preventivamente nesses autos, sendo colocado em liberdade, tendo o dever de manter a atualização de seu endereço e comparecimento em todos os atos processuais. Posteriormente, o juízo singular, ao pronunciar o paciente, manteve a determinação de prisão preventiva do acusado pelos fundamentos narrados às fls. 124, diante da continuação de sua ausência injustificada. O Tribunal de Justiça, ao denegar a ordem de habeas corpus, ratificou a medida constritiva de liberdade, aos seguintes fundamentos: (...). Analisando, detidamente, o decreto de prisão preventiva vergastado (Id. 4260414), em cotejo com os demais documentos acostados (Ids. 4260376 a 4260417), não há que se falar de falta de fundamentação ou de justa causa, pois tal decisório foi escrito de forma direta, objetiva e contundente, demonstrando, a contento, os motivos do cárcere cautelar, pois trouxe o desenvolvimento fático e jurídico necessário ao fim prisional, razão por que atendeu aos requisitos legais para tanto. Ora, como bem exposto na própria petição inicial deste mandamus (Id. 4260375), o paciente Edison Pereira de Araújo já tem um histórico de fuga do distrito da culpa, visto que sua Defesa ali expressou que ele, após o fato, teria se evadido do local, abandonando a arma e sua motocicleta, motivo de o Juízo impetrado ter decretado sua prisão preventiva, e afirmou que o réu, ao saber do mandado de prisão, se apresentou, espontaneamente, à autoridade policial, mas se reservou do seu direito de permanecer em silêncio, sendo, depois, encaminhado ao presídio para aguardar a audiência de custódia, ocasião em que, no dia 6.7.2017, foi concedida sua liberdade provisória. Na exordial, consta, também, da alegação de que o paciente vinha cumprindo com todas as medidas cautelares que lhe foram determinadas em audiência de custódia. Todavia, o réu quebrou os compromissos elencados da decisão judicial que lhe impôs as referidas medidas cautelares, pois o mesmo não foi localizado no endereço que forneceu nos autos, ao Juízo coator, para responder aos termos da ação penal em referência, tampouco houve a atualização do seu paradeiro. Tanto é verdade que, na audiência de instrução realizada no dia 22.5.2019, diante da Certidão do Oficial de Justiça atestando a não localização do réu, o MM Juiz singular considerou tal situação e decretou, fundamentadamente, mediante pertinente doutrina e jurisprudência, a sua revelia e a sua prisão preventiva. Para tanto, expôs que a segregação cautelar do paciente se fez necessária para assegurar a aplicação da lei penal, porque ele não foi localizado, sem atualizar seu endereço nos autos, não se sabendo onde o mesmo se encontrava na Comarca de Uiraúna/PB, tendo, ainda, apontado que o Causídico dele compareceu, naquela audiência, e não informou o motivo da sua ausência. Além disso, consignou, na decisão hostilizada, que o paciente já tinha sido preso, preventivamente, e colocado em liberdade, razão por que ele tinha o dever de manter a atualização de seu endereço e comparecimento em todos os autos processuais. Ao contrário do sustentado pelo i. impetrante, a jurisprudência pátria, de há muito, vem sustentando que o simples fato de o agente se evadir do distrito da culpa ou o fato de ele se encontrar homiziado já é suficiente para justificar a segregação cautelar. (
) Vale ressaltar que, para adoção da medida preventiva, não se exige a mesma certeza necessária a um juízo condenatório, por incidir o princípio do in dubio pro societate. Como se vê, as peças trazidas pela impetração e os termos das informações da autoridade dada como coatora dão conta de que há considerável indício de autoria sobre o fato de ser o paciente o provável responsável pela prática de crime em comento, circunstância negativa na qual põe em risco a ordem pública, além de o mesmo se encontrar homiziado, sem ter atualizado seu endereço nos autos. Desse modo, conclui-se que o Juízo impetrado justificou positivamente sua decisão, por exprimir o sentido geral do julgamento e esclarecendo de forma inconteste qual o motivo ensejador da decretação da custódia preventiva. Em outra deixa, é de se pôr em pauta o princípio da confiança, pois não se deve perder de vista que o juiz do processo dispõe normalmente de elementos mais seguros à formação de uma convicção em torno da necessidade da manutenção da prisão em flagrante (RTJ 91/104), até porque a proximidade dos fatos e das provas lhe confere, efetivamente, a faculdade de ser quem melhor pode aferir a ocorrência de circunstâncias ensejadoras de determinadas medidas. Assim, presentes os requisitos autorizadores do art. 312 do Código de Processo Penal, a saber, o fumus comissi delicti e o periculum libertatis, impõe-se a manutenção da prisão cautelar. Nada colhe a alegação de deficiência na fundamentação do acórdão exarado pelo Tribunal de Justiça, que denegou a ordem do habeas corpus lá impetrado. Na linha do ato dito coator, a jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é no sentido de que propósito da motivação per relationem, que inocorre ausência de fundamentação quando o ato decisório o acórdão, inclusive reporta-se, expressamente, a manifestações ou a peças processuais outras, mesmo as produzidas pelo Ministério Público, desde que nelas se achem-se expostos os motivos, de fato ou de direito, justificadores da decisão judicial proferida ( HC 127.228-AgR/SP, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª Turma, DJe 12.11.2015). Na hipótese, ao exame do decreto prisional e da sentença de pronúncia acolhidos per relationem como razão de decidir pelo Tribunal de Justiça, no sentido da manutenção do decreto prisional, verifico que o paciente não foi localizado no endereço que forneceu nos autos, em patente descumprimento das medidas cautelares a ele impostas, culminando na decretação da sua revelia e da sua prisão preventiva. Nesse prisma, Ante o descumprimento de medida cautelar diversa, tem-se sinalizada a periculosidade, sendo viável a custódia provisória (RHC 172.553/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe 03.02.2020). Ademais, não se pode ignorar a gravidade concreta do crime em questão homicídio qualificado, tendo sido efetuado vários disparos de arma de fogo contra a cabeça da vítima, que se encontrava desarmada, impossibilitando sua defesa. Se as circunstâncias concretas da prática do crime indicam a periculosidade do agente, está justificada a decretação ou a manutenção da prisão cautelar para resguardar a ordem pública, desde que igualmente presentes provas da materialidade e da autoria (v.g. HC 105.585/SP, HC 112.763/MG e HC 112.364 AgR/DF, precedentes da minha lavra). Dentre eles, destaco o seguinte: "Quando da maneira de execução do delito sobressair a extrema periculosidade do agente, abre-se ao decreto de prisão a possibilidade de estabelecer um vínculo funcional entre o modus operandi do suposto crime e a garantia da ordem pública." ( HC 97.688, Rel. Min. Ayres Britto, 1ª Turma, DJe 27.11.2009) Além disso, o fato de o paciente encontrar-se foragido com mandado prisional expedido reforça a necessidade da custódia para garantir a aplicação da lei penal ( HC 145.562-AgR/MG, Rel. Min. Roberto Barroso, 1ª Turma, DJe 21.5.2018). Dada a necessidade de constrição cautelar do paciente, carece de plausibilidade jurídica o pleito defensivo de aplicação de medidas cautelares diversas da prisão (art. 282, § 6º, e 319 do CPP). Assim, os argumentos lançados pelas instâncias anteriores, em cotejo com os elementos que instruem os presentes autos, autorizam a conclusão do acerto da manutenção do decreto prisional. Anoto, por fim, que a alegada ausência de revisão do decreto prisional (Lei 13.964/2019) e os reflexos da COVID-19 no ambiente carcerário, para fins de justificar prisão domiciliar ou qualquer outra medida menos gravosa, não foram objeto de apreciação pelas instâncias anteriores, a inviabilizar a análise do writ, neste ponto, pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de indevida supressão de instância. Cito, nessa linha, precedentes: HC 134.957-AgR/MG, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 24.02.2017; RHC 136.311/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 2ª Turma, DJe 21.02.2017; RHC 133.974/RJ, Rel. Min. Dias Toffoli, 2ª Turma, DJe 03.3.2017; e HC 136.452-ED/DF, de minha relatoria, 1ª Turma, DJe 10.02.2017. Ante o exposto, nego seguimento ao presente habeas corpus (art. 21, § 1º, do RISTF). Publique-se. Brasília, 31 de março de 2020. Ministra Rosa Weber Relatora