8 de Agosto de 2022
- 2º Grau
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Partes
Julgamento
Relator
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Inteiro Teor
Supremo Tribunal Federal
EmentaeAcórdão
Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 15 428
10/10/2019 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.631 RIO DE JANEIRO
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
REQTE.(S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO SISTEMA
FINANCEIRO - CONSIF
ADV.(A/S) : MARCOS JORGE CALDAS PEREIRA E OUTRO (A/S)
INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E
SERVIÇOS – SEGURO – SALVADOS. Por não consubstanciar mercadoria,
mas elemento do contrato de seguro, ao lado do prêmio e da indenização,
o resultado da alienação do salvado não é passível de incidência do
Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços. Precedentes: recurso
extraordinário nº 588.149/SP e ação direta de inconstitucionalidade nº
1.648/MG, ambos da relatoria do ministro Gilmar Mendes, com decisões
proferidas em 16 de fevereiro de 2011, bem como verbete vinculante nº 32
da Súmula do Supremo: “O ICMS não incide sobre alienação de salvados
de sinistro pelas seguradoras”. Inconstitucionalidade da expressão “e a
seguradora” presente no inciso XI do § 1º do artigo 15 da Lei nº 2.657/96,
do Estado do Rio de Janeiro.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do
Supremo Tribunal Federal em julgar procedente o pedido formulado na
ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do voto do relator e por
unanimidade, em sessão presidida pelo Ministro Dias Toffoli, na
conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas.
Brasília, 10 de outubro de 2019.
Supremo Tribunal Federal
EmentaeAcórdão
Inteiro Teor do Acórdão - Página 2 de 15 429
ADI 3631 / RJ
MINISTRO MARCO AURÉLIO – RELATOR
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 3 de 15 430
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.631 RIO DE JANEIRO
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
REQTE.(S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO SISTEMA
FINANCEIRO - CONSIF
ADV.(A/S) : MARCOS JORGE CALDAS PEREIRA E OUTRO (A/S)
INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE
JANEIRO
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Adoto, a título de
relatório, as informações prestadas pelo Gabinete:
Com a inicial de folha 2 a 72, a Confederação Nacional do
Sistema Financeiro – CONSIF, formalizou a ação direta de
inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, contra a
expressão “e a seguradora” contida no inciso XI do § 1º do
artigo 15 da Lei nº 2.657, de 26 de dezembro de 1996, do Estado
do Rio de Janeiro, por suposta violação aos artigos 5º, inciso
LIV, 22, inciso VII, 153, inciso V, 145, § 1º, e 155, inciso II, da
Discorre inicialmente a respeito da própria legitimação
ativa, citando precedentes do Supremo nos quais foi admitida.
Segundo assevera, a legislação estadual impugnada, disciplina
geral do ICMS do Rio de Janeiro, implicou a imposição do
pagamento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e
Serviços – ICMS considerada a alienação de salvados pelas
pessoas jurídicas seguradoras. O artigo 15 do mencionado
diploma legal estabelece o rol de sujeição passiva tributária,
incluindo, entre os diversos contribuintes, as seguradoras. Eis
os dispositivos atacados (folha 5):
[...]
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 4 de 15 431
ADI 3631 / RJ
Art. 15. Contribuinte é qualquer pessoa, física ou
jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que
caracterize intuito comercial, operação de circulação de
mercadoria ou prestação de serviços descritas como fato
gerador do imposto, observado o disposto no § 2º deste
artigo.
§ 1º Incluem-se entre os contribuintes do imposto:
[...]
XI – a instituição financeira e a seguradora;
[...]
Conforme alega, embora não haja referência explícita, na
legislação estadual, à incidência do tributo sobre a alienação de
salvados, é essa interpretação que vem sendo emprestada pelas
autoridades estaduais ao dispositivo impugnado. Tanto assim
que o artigo 183, inciso I, do Decreto estadual nº 27.427, de 17
de novembro de 2000, a revelar o regulamento do imposto,
prevê especificamente a incidência na operação de circulação de
mercadoria identificada como salvado de sinistro.
Sustenta que a Lei estadual nº 1.423/89, que foi ab-rogada
pela Lei nº 2.567/96, já versava a incidência do imposto sobre a
alienação de salvados de sinistros. Ocorre que o Supremo, no
julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de
Inconstitucionalidade nº 1.332-7/RJ, da relatoria do Ministro
Sydney Sanches, deferiu a suspensão da eficácia do dispositivo.
A ação foi extinta, porquanto teria perdido o objeto com a
edição da nova legislação estadual. Segundo aduz, a lei
posterior apenas repetiu o preceito impugnado, tendo o Estado
agido em contrariedade à decisão do Supremo.
Assevera que a operação de alienação de salvados não
2
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 5 de 15 432
ADI 3631 / RJ
constitui, sob qualquer óptica, circulação de mercadorias. Alude
à previsão contida no artigo 3º, inciso X, da Lei Complementar
nº 87/96 – de não incidência do tributo sobre as referidas
operações. Diz da inobservância à jurisprudência do Supremo,
especificamente às decisões proferidas nas Ações Diretas de
Inconstitucionalidade nº 1.332-7/RJ, nº 1.390-4/SP, ambas
relatadas pelo Ministro Sydney Sanches, e nº 1.648-2/MG, da
relatoria do Ministro Néri da Silveira.
Aponta que a União editou o Decreto-Lei nº 73/66, a
dispor sobre o sistema de seguros privados, no qual delegou à
Superintendência de Seguros Privados a atribuição de
regulamentar a matéria. A Superintendência teria expedido a
Circular nº 269/2004, que determina o pagamento de
indenização integral quando os prejuízos decorrentes do
sinistro ultrapassam 75% do valor segurado. Argumenta ter a
alienação de salvados o objetivo de recompor a parcela de
indenização paga que excedeu o dano. Diz que a alienação
possui a função de promover o equilíbrio atuarial e reduzir o
valor dos prêmios e que a Susep estabelece seja o produto
contabilizado como recuperação de indenizações a segurados,
revelando-se esta a atividade que o Estado pretende tributar.
Segundo articula, considerar o salvado como mercadoria
significaria reconhecer crédito às seguradoras resultante de
indenizações pagas, em razão do que estas seriam sempre
credoras do tributo. Entende não exteriorizar a alienação dos
salvados capacidade econômica, motivo pelo qual a tributação
incidente violaria o artigo 145, § 1º, da Lei Maior. Consoante
assevera, a teleologia do inciso V do artigo 153 e do inciso VII
do artigo 22 da Carta Federal encerra o afastamento da
interferência dos Estados no mercado de seguros, que deve ficar
a cargo exclusivo da União.
Sustenta integrar a alienação de salvados a operação de
seguros. Assim, ainda que se tratasse de mercadoria, não
3
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 6 de 15 433
ADI 3631 / RJ
poderia ser tributada pelo ICMS. Conforme defende, a operação
de seguro não se subsume à hipótese prevista no artigo 155,
inciso II, da Constituição, pois não se cuida de mercadoria, mas
de cobertura do risco mediante pagamento de prêmio.
Menciona a jurisprudência do Supremo no sentido de que a
prática de atos decorrentes da operação da empresa não a
desnatura nem se relaciona ao exercício de outra atividade
operacional.
Postulou a concessão de medida acauteladora para
suspender as normas impugnadas. No mérito, pugna pela
declaração de inconstitucionalidade da expressão “e a
seguradora” constante do inciso XIdo § 1º do artigo 15 da Lei
estadual nº 2.657/96. Por eventualidade, requer seja proclamada
a inconstitucionalidade da referida norma, sem redução de
texto, para excluir interpretação da qual resulte a inclusão das
seguradoras como contribuintes do Imposto sobre Circulação
de Mercadorias nas operações de alienação de bens salvados.
À folha 341, Vossa Excelência determinou fosse observado
o rito previsto no artigo 12 da Lei nº 9.868/99.
À folha 349 à 356, a Assembleia Legislativa do Estado do
Rio de Janeiro argui preliminar de falta de interesse da
requerente, porquanto, segundo entende, a declaração de
inconstitucionalidade do dispositivo impugnado não impedirá
a cobrança do imposto sobre a alienação de salvados,
considerado o fato de tratar-se de situação sujeita à regra geral
de incidência do tributo – a circulação de mercadoria. No
mérito, aduz que a alienação de salvados revela os aspectos
nucleares estabelecidos no artigo 155, inciso II, da Constituição
da República, não existindo inconstitucionalidade a ser
assentada. Alude ao Verbete nº 152 da Súmula do Superior
Tribunal de Justiça, segundo o qual se mostra possível a
cobrança do tributo no caso mencionado. Afirma que a venda
de salvados não é consequência do contrato de seguro e não se
4
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 7 de 15 434
ADI 3631 / RJ
enquadra no conceito do referido contrato.
À folha 358 à 374, o Advogado-Geral da União manifestase, preliminarmente, pela extinção do processo sem julgamento
de mérito, considerada a ofensa meramente reflexa à Carta
Federal. Conforme sustenta, a requerente pretende o cotejo
entre o artigo 3º da Lei Complementar nº 87/96, a prever a não
incidência do ICMS sobre as operações de seguro, e o
dispositivo impugnado. Alega também não haver sido
impugnado todo o complexo normativo, ante a possibilidade de
persistir a imposição tributária com fundamento no artigo 3º,
incisos I e XIII, da Lei estadual atacada, daí a inviabilidade da
ação direta. No mérito, diz da procedência do pedido, pois a
atividade exercida pelas seguradoras na alienação de salvados
não configuraria operação mercantil, mas faria parte do
contrato de seguro. Afirma que o caso é de incidência do
Imposto sobre Operações Financeiras.
À folha 376 à 406, a então Governadora do Estado do Rio
de Janeiro alude, inicialmente, à falta de interesse da
requerente, em sentido idêntico ao defendido pela Assembleia.
No mérito, assevera que a operação de seguro se identifica com
o contrato de seguro e os respectivos efeitos. Assim, com o
pagamento da indenização decorrente de sinistro, extingue-se o
contrato pelo cumprimento de seus efeitos, cessando a relação
entre as partes. A partir disso, consoante consigna, não há mais
contrato de seguro e, por consequência, não se pode falar em
operação securitária. Defende inexistir invasão da competência
tributária federal, porquanto a venda dos referidos bens
constitui operação de circulação de mercadoria. Menciona
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Argumenta ser
realizada a venda de salvados em caráter profissional e habitual
pelas sociedades de seguros, ficando demonstrada a
legitimidade da cobrança do ICMS.
Quanto à tese da não cumulatividade do citado imposto,
5
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 8 de 15 435
ADI 3631 / RJ
aduz que as seguradoras adquirem os bens de consumidores
finais, sendo que estes os possuem não como mercadoria, mas
como bem de uso. Essa operação não seria alcançada pelo
imposto precisamente porque o bem ainda não é mercadoria.
Todavia, consoante alega, o artigo 155, § 2º, inciso II, alínea a,
da Constituição revela que a isenção ou a não incidência do
imposto não implicam crédito para compensação nas operações
subsequentes. Afirma, então, que descabe estabelecer um
conceito jurídico por critérios contábeis adotados pela Susep.
Assevera que a competência regulatória da União sobre o
mercado de seguros não consubstancia competência tributária,
pois se trata de noções distintas.
À folha 410 à 412, o Procurador-Geral da República opina
pela procedência do pedido, por não considerar os salvados
incluídos na definição de mercadoria. Diz também da
usurpação de competência da União, em descompasso com os
artigos 22, inciso VII, e 153, inciso V, da Carta Federal.
O processo encontra-se aparelhado para julgamento.
É o relatório.
6
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 9 de 15 436
10/10/2019 PLENÁRIO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.631 RIO DE JANEIRO
V O T O
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Examino,
inicialmente, a preliminar de falta de interesse de agir, segundo a qual a
tributação sobre a alienação de bens salvados por instituições de seguro
poderia ser realizada com base na regra geral de incidência do Imposto
sobre Circulação de Mercadorias, o que tornaria inócua a declaração de
inconstitucionalidade da expressão “e a seguradora” presente no inciso
XIdo § 1º do artigo 15 da Lei estadual nº 2.657/96, do Rio de Janeiro. Em
semelhante sentido, o Advogado-Geral da União alerta para a falta de
impugnação de todo o complexo normativo do qual deriva a
interpretação atacada pela requerente, o que resultaria na inviabilidade
da ação direta, segundo a jurisprudência do Supremo.
Observem que toda interpretação – para que seja jurídica – não pode
restringir-se a determinado dispositivo legal, mas deve buscar
fundamento no conjunto de enunciados normativos válidos. Como
consignava o Ministro Eros Grau, “não se interpreta o Direito em tiras”, o
que significa dizer que toda interpretação é, em maior ou em menor
medida, sistemática. Essa constatação, contudo, não traz consigo o ônus
de impugnar todos os dispositivos legais que possam ser considerados
sustentáculos de uma norma jurídica, mas tão somente aqueles essenciais
a tal consequência. Em outras palavras, para a satisfação das condições da
ação direta de inconstitucionalidade, suficiente é a indicação do
dispositivo que se entende afrontar a Constituição Federal e da norma
por ele diretamente produzida, sendo desnecessário apontar preceitos
que apenas eventualmente estejam envolvidos na interpretação que se
quer expungir do mundo jurídico.
A inclusão das seguradoras entre os contribuintes do imposto
estadual, tal como ocorrido mediante a Lei estadual nº 2.657/96, é a base
jurídica da interpretação segundo a qual elas devem recolher o tributo
nas operações mencionadas, por isso o pedido articulado na petição
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 10 de 15 437
ADI 3631 / RJ
inicial mostra-se bastante à admissibilidade da ação direta. Essa visão é
confirmada pela constatação de que o Estado do Rio de Janeiro, após a
suspensão cautelar de eficácia de dispositivo de igual teor da Lei estadual
nº 1.423/89 – pretérita, disciplinadora do imposto no referido ente
federativo –, fez constar, no texto do diploma ora impugnado, previsão
específica para a cobrança do tributo na situação peculiar que é narrada
pela requerente. A partir daí, formalizou regulamento concernente à
cobrança do ICMS sobre as referidas operações de seguro.
Do mesmo modo, cumpre assentar a ausência da alegada ofensa
indireta ou reflexa à Carta Federal. O que está em jogo é o alcance da
regra de incidência do ICMS estampada no artigo 155, inciso II, da Lei
Maior, à luz de outros preceitos constitucionais, em especial do inciso V
do artigo 153, que prevê a competência tributária da União para tributar
as operações de seguro. O cerne da questão não é, portanto, a
compatibilidade entre a Lei complementar nº 87/96 e a legislação estadual
impugnada, mas os parâmetros da partilha constitucional de
competências tributárias.
Assim, não subsistindo as preliminares arguidas, admito a ação.
Leio o disposto, de maneira imperativa, no § 3º do artigo 103 da
Art. 103. [...]
[...]
§ 3º - Quando o Supremo Tribunal Federal apreciar a
inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato
normativo, citará, previamente, o Advogado-Geral da União,
que defenderá o ato ou texto impugnado.
[...]
Pois bem, salta aos olhos ser única a atribuição do Advogado-Geral
da União – atuar como curador do ato normativo envolvido na ação
direta de inconstitucionalidade e no tocante ao qual se pede o
reconhecimento da pecha. A atividade não se confunde com a do
2
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 11 de 15 438
ADI 3631 / RJ
Procurador-Geral da República, fiscal do ordenamento jurídico em vigor,
que pode confeccionar peça tanto no sentido da procedência quanto da
improcedência do pedido inicial. Mostra-se imprópria a adoção de
postura contrária ao objetivo expressamente consignado no preceito
constitucional. Faço a observação tendo em conta a circunstância de o
Advogado-Geral da União não haver defendido, como lhe incumbia, o
ato impugnado, vindo a atacá-lo.
Passo ao julgamento da matéria de fundo. O Supremo assentou a
impossibilidade de incidência do Imposto sobre Circulação de
Mercadorias na operação de alienação de bens salvados de sinistros pelas
instituições seguradoras – Recurso Extraordinário nº 588.149/SP e Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 1.648/MG, ambos relatados pelo
Ministro Gilmar Mendes, julgados em 16 de fevereiro de 2011. Transcrevo
as ementas dos precedentes mencionados:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MATÉRIA
CONSTITUCIONAL COM REPERCUSSÃO GERAL
RECONHECIDA. TRIBUTÁRIO. ICMS. INCIDÊNCIA.
SEGURADORAS. VENDA DE VEÍCULOS SALVADOS.
INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA AOS ARTIGOS 22,
VII E 153, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. 1.
O art. 7º, § 1º, item 4, da Lei paulista 6.374, de 1.3.89, previu a
incidência de ICMS sobre as operações de vendas, por
seguradoras, de veículos envolvidos em sinistros. 2. Vendas que
se integram à própria operação de seguro, constituindo
recuperação de receitas e não atividade mercantil. 3. Recurso
extraordinário conhecido e provido.
Ação Direta de Inconstitucionalidade. 2. Incidência de
ICMS na alienação, pela seguradora, de salvados de sinistro. 3.
A alienação de salvados configura atividade integrante das
operações de seguros e não tem natureza de circulação de
mercadoria para fins de incidência do ICMS. 4.
Inconstitucionalidade da expressão “e as seguradoras”, do
3
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 12 de 15 439
ADI 3631 / RJ
inciso IV do art. 15 da Lei nº 6.763, com redação dada pelo art.
1º da Lei nº 9.758/1989, do Estado de Minas Gerais. 5. Violação
dos arts. 22, VII, e 153, V, da Constituição Federal. 6.
Precedentes. 7. Procedência parcial da ação.
Por ocasião do julgamento conjunto, fiz ver:
Senhor Presidente, o Sistema Tributário Nacional é
fechado e equilibrado. Ele o é quanto às competências, aos
tributos, aos fatos geradores e aos contribuintes.
O tributo da competência dos Estados, o Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, pressupõe, como
está no figurino maior – o Constitucional –, a circulação de
mercadorias.
Constatamos, também, numa interpretação sistemática da
Carta Federal, que há o reconhecimento do contribuinte
habitual e daquele que não atua comumente no mercado, que
não atua no campo da mercancia, excluído aquele que não é
contribuinte desse imposto, conforme previsto no inciso IX do §
2º do artigo 155.
O que nos vem, então, desse contexto? Que não se pode
cogitar de incidência do imposto quando não se tem a
circulação de mercadorias, propriamente ditas, como também
quando aquele que atue eventualmente não é contribuinte. Mas
surge, com um peso maior, a questão alusiva ao objeto da
circulação, ao objeto da operação, que é sempre a mercadoria.
O Texto Maior, quando quis excepcionar essa premissa do
envolvimento, sempre e sempre, da mercadoria, o fez,
estendendo o tributo a bens, mas de forma específica. O fez
quanto à importação, presente o artigo 155, § 2º, inciso X, alínea
a, e, também, ante circulação, operações envolvendo bens –
não necessariamente mercadorias – interestaduais, tendo em
4
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 13 de 15 440
ADI 3631 / RJ
conta consumidor final. É o que nos vem do artigo 155, inciso
III, alínea a, e inciso VIII, da Constituição Federal.
A matéria, Presidente, não é nova e temos, inclusive, um
verbete de súmula. Refiro-me ao Verbete nº 541:
"O Imposto sobre vendas e consignações" – o imposto que
antecedeu o ICMS – "não incide sobre a venda ocasional de
veículos" – aqui se cogitando até de uma mercadoria que não se
faz presente em se tratando do contrato de seguro – "e
equipamentos usados, que não se insere na atividade
profissional" – as seguradoras não estão no campo da circulação
de mercadorias – "do vendedor, e não é realizada com o fim de
lucro, sem caráter, pois de comercialidade."
Presidente, o que é o salvado? Não chego nem ao ponto de
apontá-lo como um bem. É sucata, e não me consta que as
seguradoras operem, considerados veículos em que se concluiu
pela perda total ante o sinistro, no desmanche desses veículos
para a venda das peças.
[...]
Não posso, atuando no campo do Direito – que é, para
mim, uma ciência, possuindo princípios, institutos, expressões,
vocábulos com sentido próprio –, confundir pessoas naturais e
jurídicas, não posso confundir o objeto da atuação no campo
econômico-financeiro dessas pessoas e entender que se pode
ver, na atividade do seguro, e repito, o salvado compõe essa
atividade de seguro e, portanto, a única competência tributária
é da União, no caso, atuação de desmanche e, posteriormente,
venda das peças. Aí, sim, a discussão será outra, considerada a
mercancia, a operação comercial.
Não me preocupa o fato de se ter diferença substancial
entre valores dispendidos com seguro e prêmios recebidos. O
mercado tem uma força insuplantável e tanto quanto possível
5
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 14 de 15 441
ADI 3631 / RJ
deve atuar sem peias, sem balizamentos rígidos criados pelo
Estado. E não há em relação às seguradoras, como não poderia
haver, sob pena de fugir-se à razoabilidade, de fugir-se a uma
sadia política de mercado, qualquer ato que limite possível
lucro.
[...]
O que é apurado nessa alienação, quase sempre é feita em
leilão, compõe o grande todo "seguro", considerada a
indenização devida ao segurado e o prêmio que é satisfeito.
Peço vênia àqueles que divergem do relator para
acompanhá-lo, sufragando os votos até aqui proferidos nesse
sentido, no sentido, creio, do provimento do recurso
extraordinário e procedência do pedido formulado na ação
direta de inconstitucionalidade.
É como voto e, digo ainda, que a melhor doutrina – cito
Carrazza, Ives Gandra da Silva Martins, que, por sinal,
subscreveu o recurso extraordinário – é nesse sentido.
A partir do julgamento, foi elaborado o Verbete Vinculante nº 32 da
Súmula, com a seguinte redação:
O ICMS não incide sobre alienação de salvados de sinistro
pelas seguradoras.
Ante o quadro, assento procedente o pedido para declarar a
inconstitucionalidade da expressão “e a seguradora” presente no inciso
XIdo § 1º do artigo 15 da Lei estadual nº 2.657/96, do Rio de Janeiro. É
como voto.
6
Supremo Tribunal Federal
ExtratodeAta-10/10/2019
Inteiro Teor do Acórdão - Página 15 de 15 442
PLENÁRIO EXTRATO DE ATA
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.631
PROCED. : RIO DE JANEIRO RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
REQTE.(S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DO SISTEMA FINANCEIRO - CONSIF
ADV.(A/S) : MARCOS JORGE CALDAS PEREIRA (02475/DF, 298527/SP) E
OUTRO (A/S)
INTDO.(A/S) : GOVERNADOR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
INTDO.(A/S) : ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente o
pedido formulado na ação direta para declarar a
inconstitucionalidade da expressão “e a seguradora” presente no
inciso XIdo § 1º do artigo 15 da Lei estadual nº 2.657/96, do Rio
de Janeiro, nos termos do voto do Relator. Ausentes,
justificadamente, os Ministros Cármen Lúcia e Luiz Fux.
Presidência do Ministro Dias Toffoli. Plenário, 10.10.2019.
Presidência do Senhor Ministro Dias Toffoli. Presentes à
sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar
Mendes, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson
Fachin e Alexandre de Moraes.
Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Cármen Lúcia
e Luiz Fux.
Vice-Procurador-Geral da República, Dr. José Bonifácio Borges
de Andrada.
Carmen Lilian Oliveira de Souza
Assessora-Chefe do Plenário