15 de Agosto de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Processo
Órgão Julgador
Partes
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
Supremo Tribunal Federal
EmentaeAcórdão
Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 69 446
05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
RECTE.(S) : USINA COLORADO - AÇÚCAR E ÁLCOOL
OSWALDO RIBEIRO DE MENDOÇA LTDA
ADV.(A/S) : LUIS HENRIQUE DA COSTA PIRES
ADV.(A/S) : HAMILTON DIAS DE SOUZA
RECDO.(A/S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
IPI – SELETIVIDADE E ESSENCIALIDADE – AÇÚCAR – LEI Nº
8.393/1991. A Lei nº 8.393/1991 atende aos requisitos seletividade e
essencialidade e ao princípio isonômico.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do
Supremo Tribunal Federal em conhecer parcialmente do recurso
extraordinário e, nessa parte, desprovê-lo, nos termos do voto do relator e
por unanimidade, em sessão presidida pela Ministra Cármen Lúcia, na
conformidade da ata do julgamento e das respectivas notas taquigráficas.
Brasília, 5 de abril de 2017.
MINISTRO MARCO AURÉLIO – RELATOR
Supremo Tribunal Federal
Relatório
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05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
RECTE.(S) : USINA COLORADO - AÇÚCAR E ÁLCOOL
OSWALDO RIBEIRO DE MENDOÇA LTDA
ADV.(A/S) : LUIS HENRIQUE DA COSTA PIRES
ADV.(A/S) : HAMILTON DIAS DE SOUZA
RECDO.(A/S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Adoto, como relatório,
as informações prestadas pelo assessor Dr. Paulo Timponi Torrent:
Usina Colorado – Açúcar e Álcool Oswaldo Ribeiro de
Mendonça Ltda. impetrou mandado de segurança visando
fosse-lhe garantido promover, a partir de janeiro de 1997, saídas
de açúcar relativamente às safras de 1996/97 e de 1997/98, sem o
destaque e o consequente recolhimento do Imposto sobre
Produtos Industrializados – IPI sob a alíquota de 18%.
O Juízo deferiu a ordem, reconhecendo o direito da
impetrante ao não recolhimento do imposto, relativamente aos
biênios de 1996/97 e de 1997/98 – folha 210 a 215.
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por
unanimidade, deu provimento ao apelo da União, para assentar
a possibilidade da fixação da alíquota de 18% para o IPI
incidente sobre o açúcar de cana, em acórdão assim ementado
(folha 335):
TRIBUTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – IPI
– AÇÚCAR – LEI 8.393/91 – DECRETO 2.092/96 –
Supremo Tribunal Federal
Relatório
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ALÍQUOTA DE 18% - AUSÊNCIA DE OFENSA AOS
PRINCÍPIOS DA SELETIVIDADE E ISONOMIA. 1. Nos
termos do artigo 151, I da Constituição da Republica, é
vedado à União instituir tributo que não seja uniforme em
todo o território nacional ou que implique distinção ou
preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a
Município, em detrimento de outro, admitida a concessão
de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio
do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes
regiões do País. Desse modo, deve-se observar uma regra
geral, que não admite distinções entre as pessoas jurídicas
de direito público mencionadas, fazendo cumprir o
princípio da isonomia; e de outro lado uma regra
específica, que admite tratamento diferenciado visando
justamente promover o equilíbrio entre regiões que
possuem dados característicos peculiares.
2. O elemento discriminador utilizado pelo
legislador na Lei 8.393/91, envolvendo diferentes áreas e
Estados da Federação, guarda correlação lógica com o
propósito buscado, qual seja, garantir o equilíbrio entre
aqueles que se distinguem no desenvolvimento sócioeconômico.
3. O juízo de essencialidade relacionado ao produto
cabe ao legislador. Assume, desse modo, caráter
discricionário que não pode ser alterado pela livre
vontade do julgador sem demonstração de desobediência
à Constituição, à legislação ou ao próprio princípio da
razoabilidade, razão pela qual, a fixação de alíquotas em
função de política nacional de preços não pode ser obstada
pelo Judiciário.
Os embargos de declaração interpostos pela sociedade
limitada (folha 339 a 341) foram desprovidos (acórdão de folha
349).
No extraordinário (folha 357 a 375), interposto com
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Supremo Tribunal Federal
Relatório
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alegada base no artigo 102, inciso III, alínea a, da Carta da
República, a contribuinte articula com a transgressão dos
artigos 97, 145, § 1º, 149, 150, inciso II e § 6º, 151, inciso I, e 153,
inciso IV e § 3º, inciso I, do Diploma Maior. Preliminarmente,
sustenta ofensa ao princípio da reserva de Plenário, afirmando
ter o Tribunal de origem inobservado o decidido no julgamento
da arguição de inconstitucionalidade na apelação em mandado
de segurança nº 176.622/SP, ao consignar existirem precedentes
do Supremo em que adotada orientação contrária. Aduz não
haver o Colegiado Maior, nos acórdãos referidos, apreciado
todos os argumentos examinados pelo Órgão Especial do
Regional Federal, tais como o desvio de finalidade e a afronta à
proporcionalidade e à seletividade.
No mérito, discorre sobre a história da tributação do
açúcar considerado o IPI. Assevera ter sido o produto não
tributado ou sujeito à alíquota zero até o advento da Lei nº
8.393/1991, quando, então, fixou-se a alíquota de 18%, salvo
para as regiões da Sudam e Sudene. Destaca que se previu
redução de 50% da alíquota do imposto para os Estados do Rio
de Janeiro e do Espírito Santo. Diante desse quadro, aponta o
desvio de finalidade da norma, dizendo que foi instituída, sob a
forma do IPI, verdadeira contribuição de intervenção no
domínio econômico. Segundo alega, apesar da revogação do
mencionado diploma, manteve-se a incompatibilidade com a
Carta Federal, no que, estabelecida a alíquota de 12% com o
pretexto de uniformizá-la nacionalmente, prosseguiu-se com a
concessão de crédito presumido para determinadas regiões.
Teria ocorrido a fixação de alíquotas diferenciadas, visando a
equalização dos custos de produção nas diversas partes do
Brasil.
Aduz que o Decreto nº 2.092/1996 e a Lei nº 9.532/1997
foram editados em substituição à contribuição ao Instituto do
Açúcar e do Álcool e ao respectivo adicional, para a idêntica
finalidade de suprir a disparidade dos custos de produção do
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Supremo Tribunal Federal
Relatório
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açúcar entre as diversas regiões do País. Reitera a presença do
desvio de finalidade. Assinala ofensa aos princípios da
seletividade e proporcionalidade. Narra ser o açúcar um
produto essencial, integrante da cesta básica, surgindo
imprópria a alíquota de 18%, quando os demais produtos da
cesta sequer são tributados ou estão sujeitos à alíquota zero.
Articula com a transgressão ao princípio da uniformidade das
alíquotas no território nacional, dizendo que os mencionados
diplomas não contemplam incentivo constitucionalmente
aceito, por preverem benefícios para regiões de alto
desenvolvimento econômico. Salienta a violação dos princípios
da isonomia e da capacidade contributiva. Sublinha a
ilegitimidade do implemento de benefício fiscal sem lei
específica. Sucessivamente, defende que, considerada a
revogação de normas, somente a alíquota de 12% é aplicável a
partir de fevereiro de 1998.
Em contrarrazões (folha 385 a 389), a União aduz a
observância dos princípios da isonomia e da capacidade
contributiva pelo Tribunal de origem. Assevera ser o
implemento de incentivos fiscais questão afeta à política
econômica. Afirma não implicar o princípio da seletividade
isenção do IPI. Enfatiza estarem tanto a isenção quanto a
fixação de alíquotas em consonância com a ordem
constitucional.
O Juízo primeiro de admissibilidade obstou o
processamento de extraordinário (folha 391 a 396). A
contribuinte interpôs agravo de instrumento. Por meio do
pronunciamento de folha 414 a 417, Vossa Excelência proveu o
recurso, converteu-o neste extraordinário e afirmou a
repercussão geral da matéria.
Quanto ao ponto, Vossa Excelência fez ver que o
Colegiado já havia admitido a repercussão geral da questão
relativa à constitucionalidade da incidência do IPI sobre o
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Supremo Tribunal Federal
Relatório
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açúcar, considerada a violação do princípio da seletividade, no
recurso extraordinário nº 567.948-9/RS, que, ante o pedido de
desistência apresentado pelo recorrente, teve exame
prejudicado.
A Procuradoria-Geral da República, no parecer de folha
422 a 429, opina pelo desprovimento do extraordinário.
Sustenta a utilização do IPI como instrumento de política
econômica, a desvincular a receita da atividade do contribuinte.
O aumento da alíquota do IPI, decorrente da Lei nº 8.393/1991 e
do Decreto nº 420/1992, consoante argumenta, implementou
política pública de defesa da economia. Aponta que a fixação
da variação das alíquotas de zero a 18% caracteriza a
seletividade do imposto, em razão da essencialidade do
produto. Cita precedente do Supremo. Atribui à Lei nº
9.532/1997 a natureza de lei específica, observada a norma
constante do § 6º do artigo 150 da Constituição Federal.
É o relatório.
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AntecipaçãoaoVoto
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RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) –
Presidente, hoje, para mim, foi um dia muito feliz em termos de sessão, e
constato que a balança da vida realmente possui dois pratos. De um lado,
tive a satisfação de perceber, na tribuna, uma ex-colega de estudos na
UnB, a Procuradora do Estado do Rio de Janeiro, doutora Christina Aires,
e, já agora, a Procuradora da Fazenda, doutora Luciana Miranda Moreira,
que trabalhou comigo no Gabinete, na Assessoria, no próprio Supremo;
também esteve na tribuna o professor Hamilton Dias de Souza e, na
audiência, os professores Sacha Calmon e Misabel Derzi. Mas verifico –
daí os dois pratos da balança da vida – que minha caminhada já é um
pouco longa, tendo em conta os fatos que mencionei quanto às duas
representantes judiciais, uma da Procuradoria do Estado do Rio de
Janeiro e a outra da Fazenda Nacional.
Se pudesse definir a essencialidade ou não do açúcar, sob o ângulo
médico, e tomasse por base os diabéticos, diria não haver a
essencialidade. Ao contrário, é um produto desprezível para os
diabéticos. Mas a apreciação que devo fazer é jurídica, ante o disposto na
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Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
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05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
V O T O
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Na
interposição do recurso extraordinário – folhas 351 e 357 –, atendeu-se aos
pressupostos de recorribilidade. A peça foi subscrita por advogado
regularmente credenciado. Esclareço que, sob o ângulo da repercussão
geral, este recurso substitui o de nº 567.948-9/RS, conforme consignado no
relatório.
Observem a organicidade e a dinâmica do Direito. O recurso
extraordinário tem apreciação submetida ao que decidido pela instância
de origem. Daí o instituto do prequestionamento, a revelar, em última
análise, o debate e a decisão prévios dos temas versados nas razões
recursais. Visa, acima de tudo, o cotejo indispensável à conclusão pela
harmonia, ou não, do que assentado com o texto constitucional.
Da leitura do voto condutor do julgamento da apelação no âmbito
do Tribunal Regional Federal da 3ª Região depreende-se apenas ter
havido emissão de entendimento presente a Lei nº 8.393/1991, o Decreto
nº 2.092/1996 e o que previsto nos artigos 153, § 3º, inciso I, e 151, inciso I,
da Carta Federal, a sinalizar o tratamento isonômico dos contribuintes. O
Regional não se pronunciou sob o ângulo do que formalizado na arguição
de inconstitucionalidade na apelação no mandado de segurança nº
176.622/SP. Apontou superada a decisão que proferira nesta última,
conforme o parágrafo único do artigo 176 do Regimento Interno daquele
Tribunal, ante pronunciamentos do Supremo.
Eis os acórdãos citados:
TRIBUTO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS
INDUSTRIALIZADOS. IPI. ALÍQUOTA. FIXAÇÃO.
OPERAÇÕES RELA TIV AS A AÇÚCAR E ÁLCOOL.
PERCENTUAL DE 18% (DEZOITO POR CENTO) PARA
CERTAS REGIÕES. ART. 2º DA LEI 8.393/91. OFENSA AOS
ARTS. 150, lI, 151, I, E 153, 3º, I DA CF. INEXISTÊNCIA.
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Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
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FINALIDADE EXTRAFISCAL. CONSTITUCIONALIDADE
RECONHECIDA. IMPROVIMENTO DO
RECURSOEXTRAORDINÁRIO. Não é inconstitucional o art. 2º
da Lei federal n. 8.393, de 30 de Dezembro de 1.991. (Embargos
de declaração no agravo regimental no agravo de instrumento
nº 515.168/MG, relator o ministro Cezar Peluso, Primeira
Turma, julgado em 30 de agosto de 2005)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IPI. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIOS. ALÍQUOTAS REGIONALIZADAS. LEI 8.393/91.
DECRETO 2.501/98. ADMISSIBILIDADE. 1. Incentivos fiscais
concedidos de forma genérica, impessoal e com fundamento em
lei específica. Atendimento dos requisitos formais para sua
implementação. 2. A Constituição na parte final do art. 151, I,
admite a "concessão de incentivos fiscais destinados a promover
o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as
diferentes regiões do país". 3. A concessão de isenção é ato
discricionário, por meio do qual o Poder Executivo, fundado em
juízo de conveniência e oportunidade, implementa suas
políticas fiscais e econômicas e, portanto, a análise de seu
mérito escapa ao controle do Poder Judiciário. Precedentes: RE
149.659 e AI 138.344-AgR. 4. Não é possível ao Poder Judiciárioestender isenção a contribuintes não contemplados pela lei, a
título de isonomia ( RE 159.026). 5. Recurso extraordinário não
conhecido. (Recurso extraordinário nº 344.331, relatora a
ministra Ellen Gracie, Primeira Turma, acórdão publicado no
Diário da Justiça de 14 de março de 2003)
A mesma sorte segue o que articulado sobre a violação do artigo 150,
§ 6º, da Lei Fundamental, a prever que qualquer subsídio ou isenção,
redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou
remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderão ser
concedidos mediante lei específica – federal, estadual ou municipal – que
regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou correspondente
tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no artigo 155, § 2º,
inciso XXII, alínea g. O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, no
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Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
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acórdão impugnado por meio deste extraordinário, não dirimiu
controvérsia sob tal ângulo, padecendo o recurso da ausência do
indispensável prequestionamento.
Em síntese, cabe ao Supremo examinar a harmonia, ou não, da Lei nº
8.393/1991 e do Decreto nº 2.092/1996 com o princípio da seletividade, em
virtude da essencialidade do produto, considerado o Imposto sobre
Produtos Industrializados – IPI, e com o da isonomia – artigos 153, § 3º,
inciso I, e 151, inciso I, da Carta da Republica.
Conforme consta do próprio acórdão atacado, mediante transcrição,
dispôs-se, no artigo 2º da Lei nº 8.393/1991, que, enquanto persistisse a
política de preço nacional unificado de açúcar de cana, a alíquota máxima
do IPI e incidente sobre a saída desses produtos seria de 18%, assegurada
isenção para aquelas ocorridas na área de atuação da Superintendência de
Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE e da Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM. Já o parágrafo único do citado
artigo veio a disciplinar autorização para reduzir-se em até 50% a
alíquota do IPI incidente sobre o açúcar nas saídas para o mercado
interno.
A exceção aberta ao tratamento uniforme no inciso I do artigo 150 da
Constituição Federal quanto à concessão de incentivos fiscais destinados
a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as
diferentes regiões do País autoriza o legislador a implementar, no âmbito
da opção político-normativa, presente a razoabilidade, distinções, sem
que esteja vinculado à divisão comumente admitida em região: Sul,
Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e Norte, conforme ressaltado no acórdão
impugnado, feita referência a precedente deste Tribunal – Primeira
Turma, da lavra do ministro Cezar Peluso – embargos de declaração no
agravo regimental no agravo de instrumento nº 515.168/MG.
Então, consignou o Tribunal Regional Federal da 3ª Região que, em
termos de produção de açúcar, não se pode equiparar os Estados de São
Paulo e de Minas Gerais ao Rio de Janeiro e Espírito Santo. Quanto aos
Estados situados na área de atuação da SUDENE e SUDAM, notória é a
situação a reclamar atenção maior, tanto assim que foram criadas,
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
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justificadamente, as Superintendências. Observado foi o disposto no
artigo 150, inciso I, da Constituição Federal.
Quanto a ter-se disciplina a revelar verdadeira contribuição de
intervenção no domínio econômico, as premissas anteriores a afastam. O
que ocorreu foi a introdução de tratamento diferenciado, com incentivo
fiscal, presente o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI.
Notem o alcance do caráter seletivo do tributo, em função da
essencialidade do produto. Implica variação de alíquotas consoante a
própria mercadoria. Longe fica de revelar imunidade. Cumpre ter
presente que o fato de o açúcar integrar a cesta básica e outros produtos
desta não terem a incidência do IPI é insuficiente a concluir-se pela
impossibilidade da cobrança do tributo. O que cabe perceber é a opção
político-normativa ante a essencialidade do produto, tendo-a, ou não,
como justificada. A harmonia ocorre, observado o princípio da
razoabilidade, na espécie proporcionalidade, a partir do momento em
que se verifica ter sido a alíquota fixada em patamar aceitável
consideradas outras alíquotas ligadas a produtos diversos em relação às
quais não se tem a mesma essencialidade. Quanto ao fato de haver sido
versada isenção no tocante às saídas na área de atuação da
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE e da
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM, há de se
atentar para a parte final do inciso I do artigo 151 da Constituição
Federal. O princípio da isonomia é observado quando não ocorre
preferência desarrazoada em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a
Município. No caso, encerrou o artigo 2º da Lei nº 8.393/1991 verdadeiro
incentivo fiscal no que concerne às áreas mencionadas. A cláusula
constitucional a remeter às diferentes regiões do País não tem
interpretação a ponto de deixar-se de considerar as áreas referidas no
preceito da lei e que estão ligadas ao Nordeste e à Amazônia. Também
não se tem tratamento diferenciado em razão deste ou daquele Estado. O
parágrafo único do artigo 2º, ao revelar que, nos Estados do Espírito
Santo e do Rio de Janeiro, a alíquota de 18% poderá ser reduzida em até
50%, remete, necessariamente, à situação dos contribuintes e do
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.MARCOAURÉLIO
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desenvolvimento, na produção nos citados Estados. Mais uma vez, atuou
o Legislativo no campo do incentivo fiscal, embora o fazendo de forma
estrita, considerados os Estados mencionados.
Desprovejo o recurso extraordinário. Como tese a ser alvo de
deliberação do Plenário, proponho: surge constitucional, sob o ângulo do
caráter seletivo, em função da essencialidade do produto e do tratamento
isonômico, o artigo 2º da Lei nº 8.393/1991, a revelar alíquota máxima de
Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI de 18%, assegurada
isenção, quanto aos contribuintes situados na área de atuação da
Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE e da
Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM, e
autorização para redução de até 50% da alíquota, presentes contribuintes
situados nos Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro.
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AntecipaçãoaoVoto
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05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
ANTECIPAÇÃO AO VOTO
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Senhora Presidente,
eminente Relator, Ministro Marco Aurélio, eminentes Pares, eu saúdo
todos os nobres causídicos que assomaram à tribuna e, com a sua história,
erudição e contribuição, traduzem muito bem o papel da advocacia e o
aporte que se pode fazer a um julgamento relevante como este.
Todos nós haurimos as premissas e o desenvolvimento do voto do
eminente Ministro-Relator neste Recurso Extraordinário 592.145. Eu já
havia aqui preparado uma declaração de voto na forma escrita, Senhora
Presidente, mas a conclusão a que cheguei, nesta assentada e neste caso,
vai ao encontro da conclusão a que chegou também o eminente Relator.
Eu analisei, nesta declaração, os cinco argumentos: o desvio de
finalidade; a ofensa ao princípio da seletividade; a alegada afronta à
norma de uniformidade geográfica do tratamento tributário; a violação ao
princípio da capacidade contributiva e isonomia tributária; e a exigência
de lei específica para a concessão de incentivo fiscal. E, com todas as
vênias, firmei a convicção também no sentido do desprovimento do
recurso extraordinário. Juntarei declaração por escrito. Obviamente, essa
dissonância em nada desdoura o excelente trabalho aqui realizado, porém
é o caminho que entendi ser suscetível de acolhimento. Por isso, tenho a
honra de acompanhar o eminente Relator.
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 14 de 69 459
05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
VOTO
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN: Inicialmente, impende
cumprimentar os nobres causídicos que assomaram a tribuna com verve
singular, bem como saudar o e. Ministro Relator, cujo relatório
previamente distribuído adoto na íntegra.
Como já relatado, trata-se de recurso extraordinário, sob a
sistemática da repercussão geral, interposto em face de acórdão do
Tribunal Regional Federal da 3ª Região, cuja ementa reproduz-se a seguir:
“TRIBUTÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - IPI -AÇÚCAR - LEI 8.393/91 - DECRETO 2.092/96 - ALÍQUOTA DE
18% - AUSÊNCIA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DA
SELETIVIDADE E ISONOMIA.
1. Nos termos do artigo 151, I da Constituição da
República, é vedado à União instituir tributo que não seja
uniforme em todo o território nacional ou que implique
distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito
Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a
concessão de incentivos fiscais destinados a promover o
equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as
diferentes regiões do País. Desse modo, deve-se observar uma
regra geral, que não admite distinções entre as pessoas jurídicas
de direito público mencionadas, fazendo cumprir o princípio da
isonomia; e de outro lado uma regra especifica, que admite
tratamento diferenciado visando justamente promover o
equilíbrio entre regiões que possuem dados característicos
peculiares.
2. O elemento discriminador utilizado pelo legislador na'
Lei 8.393/91, envolvendo diferentes áreas e Estados da
Federação, guarda correlação lógica com o propósito buscado,
qual seja, garantir o equilíbrio entre aqueles que se distinguem
no desenvolvimento sócio-econõmico.
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 15 de 69 460
3. O juízo de essencialidade relacionado ao produto cabe
o legislador. Assume, desse modo, caráter discricionário que
não pode ser alterado pela livre vontade do julgador sem
demonstração de desobediência à Constituição, à legislação ou
o próprio princípio da razoabilidade, razão pela qual, a fixação
de alíquotas em função de política nacional de preços não pode
ser obstada pelo Judiciário.”
Nas razões recursais, sustenta-se, preliminarmente, a ausência de
jurisprudência pacificada do STF acerca da temática e a necessidade de
aplicação do assentado na Arguição de Inconstitucionalidade em AMS
176.622-SP.
No mérito, pauta-se a irresignação recursal em cinco argumentos:
(i) o desvio de finalidade da Lei 8.393 3/1991, porquanto se teria
instituído IPI com a finalidade de CIDE; (ii) ofensa ao princípio da
seletividade; (iii) afronta à norma de uniformidade geográfica do
tratamento tributário deferido pela União; (iv) violação ao princípio da
capacidade contributiva e ao da isonomia tributária; e (v) exigência de
lei específica para a concessão de incentivo fiscal.
Após o reconhecimento da preliminar de repercussão geral, a
Procuradoria-Geral da República manifestou-se pelo desprovimento do
recurso extraordinário, nos seguintes termos:
“Recurso extraordinário. Tributário. IPI. Açúcar. Alegação
de inconstitucionalidade das Leis 8.393/91 e 9.532/97, e Decretos
420/92 e 2.092/96. Desvio de finalidade, lesão à seletividade e
essencialidade e ausência de lei específica. Inexistência. Parecer
pelo desprovimento do recurso.”
São os fatos de interesse para o presente voto.
De plano, firmo convicção no sentido de desprovimento do recurso
extraordinário, por considerar constitucional as alterações da ordem
jurídica promovidas pela Lei 8.393/91, e Decretos 420/92 e 2.092/96, as
quais permanecem hígidas perante todos os argumentos suscitados
pelo Contribuinte.
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
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Acerca da Lei 9.532/1997, tem-se pelo período controvertido que a lei
é posterior às exações tributárias, padecendo de ausência de
prequestionamento. Logo, não conheço da irresignação quanto a esse
aspecto.
Em relação ao argumento de desvio de finalidade da espécie
tributária, a simultaneidade da extinção da contribuição ao Instituto do
Açúcar e do Álcool e da previsão de alíquota máxima ao IPI incidente
sobre o açúcar não é elemento com aptidão para confirmar as alegações
da parte Recorrente em sede de jurisdição constitucional.
Embora seja possível à Corte Constitucional o controle de prognoses
legislativas em prol da defesa de direitos fundamentais, parece além das
possibilidades hermenêuticas de um “processo de indagação”
(Befragungsverfahren), como desenvolvido pelo Tribunal Federal Alemão,
em que se perquire a intenção dos partícipes envolvidos no processo
legislativo, à luz do contexto fático-normativo haurido dos autos do feito
posto em juízo.
Nas lições doutrinárias do e. Ministro Gilmar Mendes, o controle de
prognoses pelo órgão judicial caracteriza-se pelo seguinte:
“Tal como visto, a aferição dos fatos e prognoses
legislativos pela corte Constitucional é um controle de resultado
(Ergebniskontrolle) e não um controle do processo
(Verfahrenskontrolle), até porque para isso faltaria qualquer
parâmetro de controle ou uma específica autorização
constitucional. Em outros termos, não se cuida, no juízo de
constitucionalidade, de examinar como o legislador examinou
os fatos legislativos, mas o que, efetivamente, ele constatou.” 1
Sendo assim, não há nos autos elementos suficientes para o
convencimento do juízo acerca do desvio de finalidade alegado, de modo
que se torna imperioso o rechaço dessa alegação.
1 MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de Constitucionalidade: hermenêutica
constitucional e revisão de fatos e prognoses legislativos pelo órgão judicial. Revista dos
Tribunais, São Paulo, ª 88, v. 766, p. 11-28, ago. 1999, p. 24.
3
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 17 de 69 462
No que toca ao princípio da seletividade, a possibilidade da fixação
de alíquota de até 18% em um imposto sobre o consumo de característica
extrafiscal (IPI) sobre produto integrante da cesta básico (açúcar) não
permite um juízo de incompatibilidade material com das leis impugnadas
em relação à Constituição da Republica, porquanto se trata de teto
limitativo ao livre aumento de alíquota do IPI o qual é facultado à União,
conforme o art. 153, § 1º, do Texto Constitucional.
Na verdade, observa-se, em concreto, o estabelecimento de uma
política fiscal de intervenção no setor econômico da cana-de-açúcar, por
intermédio da extrafiscalidade do Estado Fiscal. Não se verifica, portanto,
patente abusividade na atuação do Poder Público na espécie, o que
oportunizaria a atuação repressiva por parte desta Suprema Corte.
Em relação à uniformidade geográfica e à isonomia tributária,
argumenta-se que o critério de desigualdade regional não justificaria um
tratamento fiscal favorecido às isenções para saídas ocorridas na área de
atuação da SUDENE e da SUDAM, ou mesmo nas saídas para o mercado
interno de açúcar oriundo dos Estados Espírito Santo e do Rio de Janeiro.
Igualmente, entende-se que o argumento não procede, porquanto se
trata de elemento discriminador, em termos de equidade horizontal, com
assento constitucional, nos termos do art. 43, § 2º, III, e do próprio art. 151,
I, ambos do Texto Constitucional, este último dispositivo que veda a
instituição de tributo que não seja uniforme em todo o território nacional.
A propósito, recorre-se à doutrina do professor Luís Eduardo
Schoueri:
“É assim que cabe alertar que o Princípio da Capacidade
Contributiva serve como um dos vários critérios que,
simultaneamente, atuarão sobre o mundo fático, a fim de
identificarem-se situações equivalentes. A igualdade não se
mede apenas a partir da capacidade contributiva: é possível
haver efeitos indutores diversos, impostos pela mesma lei, a
contribuintes com idêntica capacidade contributiva. Nesse caso,
importa examinar se há fator (diverso da capacidade
contributiva) que justifique a discriminação. (…) Destarte,
4
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 18 de 69 463
conquanto a tributação uniforme seja requisito para a existência
de um mercado único, e não obstante a importância deste
mercado para o próprio constituinte, houve este por bem
relativizá-la, quando em confronto com seu desejo de redução
de desigualdades regionais, tendo em vista sua finalidade de
justiça social e dignidade humana. Assim é que normas
tributárias indutoras que promovam regiões menos favorecidas,
como as da Sudene e da Sudam, devem ser compreendidas
como forma de concretizar o princípio ora referido.” 2
De fato, como nos demonstra com maestria o e. Ministro do Superior
Tribunal de Justiça Luiz Alberto Gurgel de Faria em sua tese de
doutoramento, a concretização do princípio da redução das
desigualdades regionais perpassa necessariamente pela extrafiscalidade,
por sua vez instrumento de atuação do Estado na e sobre a economia de
mercado com vistas a tornar possível o fomento ao desenvolvimento
regional de áreas do território brasileiro desfavorecidas sob os pontos de
vista socio-econômico. 3
A respeito da extrafiscalidade, transcreve-se excerto elucidativo da
ementa do AI-AgR 142.348, de relatoria do Ministro Celso de Mello,
Primeira Turma, DJ 24.03.1995:
“A concessão desse beneficio isencional traduz ato
discricionário que, fundado em juízo de conveniência e
oportunidade do Poder Público, destina-se, a partir de critérios
racionais, lógicos e impessoais estabelecidos de modo legitimo
em norma legal, a implementar objetivos estatais nitidamente
qualificados pela nota da extrafiscalidade. - A exigência
constitucional de lei formal para a veiculação de isenções em
matéria tributária atua como insuperável obstaculo a
postulação da parte recorrente, eis que a extensão dos
2 SCHOUERI, Luís Eduardo. Direito Tributário. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 349 e
385.
3 Cf. FARIA, Luiz Alberto Gurgel de. A Extrafiscalidade e a Concretização do Princípio da
Redução das Desigualdades Regionais. São Paulo: Quartier Latin, 2010.
5
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 19 de 69 464
benefícios isencionais, por via jurisdicional, encontra limitação
absoluta no dogma da separação de poderes.”
Em relação à necessidade de lei específica para a concessão de
benefícios fiscais, trata-se de técnica do Poder Constituinte consistente na
eleição de temas a qual exige ato normativo próprio. Isso porque são
matérias que, eleitas como especiais em altiplano constitucional, exigem
do legislador ordinário uma deliberação diferenciada e específica, para
possibilitar que se dê maior publicidade e transparência ao ato
democrático de elaboração da lei, e uma maior fiscalização dessa
atividade pelos destinatários diretos das normas.
Como posto pelo Ministro Luiz Fux, no âmbito de manifestação na
ADI 5.154, de relatoria de Sua Excelência, ainda pendente de conclusão
de julgamento, a Constituição exige “lei específica” para o tratamento de
determinadas matérias em apenas dez oportunidades, sendo elas: direito
de greve de servidor público (art. 37, VII); remuneração dos membros de
poder e Ministros (art. 37, X); criação de autarquia e autorização para
instituição de empresa pública, sociedade de economia mista e fundação
(art. 37, XIX); regulamentação do regime jurídico dos militares dos
Estados (art. 42, § 2º); concessão de incentivos fiscais (art. 150, § 6º); impor
penalidades e restrições pelo inadequado aproveitamento de solo urbano
(art. 182, § 4º); regulamentação do serviço de comunicação social
eletrônica (art. 222, § 4º); criação de requisitos para o reconhecimento do
direito de agricultores familiares à obtenção de recursos para projetos de
irrigação (art. 42, parágrafo único, ADCT); fixação do piso salarial
profissional nacional para profissionais de magistério na educação básica
(art. 60, III, e, ADCT); previsão de receitas para o Fundo Social de
Emergência (art. 72, VI, ADCT).
No campo das isenções fiscais, constata-se que o acórdão recorrido
não diverge da compreensão iterativa STF acerca da exigência de lei
específica para regulamentar as matérias previstas no artigo 150, § 6º,
consoante se pode observar nos seguintes precedentes: RE 414.249-AgR,
Rel. Min. Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJE de 16.11.2010; RE
539.130, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJE de 05.02.2010; ADI
6
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Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 20 de 69 465
4.033, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 15.09.2010, Plenário,
DJE de 07.02.2011, este último assim ementado:
“Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada contra o
art. 13, § 3º, da LC 123/2006, que isentou as microempresas e
empresas de pequeno porte optantes pelo Regime Especial
Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos
pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte – Simples
Nacional (Supersimples). Rejeitada a alegação de violação da
reserva de lei específica para dispor sobre isenção (art. 150, § 6º,
da Constituição), uma vez que há pertinência temática entre o
benefício fiscal e a instituição de regime diferenciado de
tributação. Ademais, ficou comprovado que o Congresso
Nacional não ignorou a existência da norma de isenção durante
o processo legislativo.”
Nesta última ADI, o e. Ministro Joaquim Barbosa, a quem tenho a
honra de suceder nesta Corte, externou preocupação segundo a qual a
exigência constitucional de lei específica encontra guarida na necessidade
de impedir que a apreciação de matéria legislativa de grande importância
seja prejudicada pelo artifício de sua inclusão em projeto de lei que verse,
preponderantemente, sobre outras matérias. Aliás, extrai-se o seguinte
excerto do voto do Ministro Relator: “O mecanismo protege o exercício da
Função Legislativa, ao evitar que a concessão de benefício fiscal ou da isenção
fique camuflado e passe despercebido durante a apreciação dos órgãos
legislativos”.
Ainda em abono ao entendimento ora esposado, cita-se a doutrina
do professor Tércio Sampaio Ferraz Junior:
“Específico opõe-se a genérico. Em termos de preceito
normativo, genérico admite dois sentidos (Bobbio: Studi per una
Teoria Generale del Diritto, Giappichelli, Torino, 1970, pp. 11 e ss):
diz-se que o preceito é genérico ou porque se dirige a todos os
destinatários (generalidade pelo sujeito) ou porque sua matéria
consiste num tipo abstrato (generalidade pelo objeto). Em
7
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 21 de 69 466
contraposição, o específico o será também pelo sujeito
(individuação ou destinatário) ou pelo objeto (singularização da
matéria). A exigência de lei específica significa, nesse sentido,
que seus preceitos devem estar dirigidos a um subconjunto
dentro de um conjunto de sujeitos ou que seu conteúdo deve
estar singularizado na descrição da facti species normativa, isto
é, pela delimitação de um subconjunto material dentro de um
conjunto”. 4
Conclui-se, por conseguinte, que o arcabouço legislativo em questão
não contrariou a exigência de lei específica para a concessão de incentivo
fiscal preconizada pelo art. 150, § 6º, da Constituição da Republica.
Ante o exposto, conheço parcialmente do recurso extraordinário e,
na parte conhecida, nego-lhe provimento.
É como voto.
4 FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. A noção de lei específica no art. 150, § 6º da CF e
a Recepção dos Decretos-leis ns. 2.163/84 e 1.184/71. In: Revista de Direito Tributário, São
Paulo, Malheiros, pp. 181-185, out./dez. 1995.
8
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROBERTOBARROSO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 22 de 69 467
05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
VOTO
O SENHOR MINISTRO ROBERTO BARROSO -Presidente, eu só estou conhecendo parcialmente do recurso.
Primeiro, cumprimento os dois ilustres advogados que
estiveram na tribuna, doutor Hamilton Dias de Souza e doutora Luciana
Miranda Moreira, ambos com sustentações primorosas e com teses
extremamente engenhosas formuladas pelo contribuinte. Mas estou
convencido, Presidente, de que o mandado de segurança foi impetrado
em 31 de janeiro de 1997. A Lei nº 9.532/97, cuja constitucionalidade, em
última análise, pretende-se discutir no presente recurso, foi publicada em
11 de dezembro de 1997, passando, a partir daí, a produzir efeitos quanto
à revogação do art. 2º da Lei nº 8.393/91. Não poderia ser a Lei nº 9.532/97
objeto de análise deste recurso, uma vez que sequer estava em vigor
quando da impetração do mandado de segurança.
Desse modo, a referida lei não foi discutida nos autos,
assim como também não foram objetos de discussão o Decreto nº 2.501/98
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROBERTOBARROSO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 23 de 69 468 RE XXXXX / SP
e o Decreto nº 2.917/98, posteriores à lei e ao início da demanda.
Não conheço, portanto, do recurso, no que se refere à
alegação à afronta da referida legislação ao art. 150, § 6º da Constituição.
Quanto ao mérito remanescente, Presidente, estou
acompanhando o eminente Relator.
A minha tese de julgamento ficou sendo a seguinte: É
constitucional a Lei nº 8.393/91, que estabelece alíquotas de IPI sobre
açúcar, considerando as peculiaridades regionais de desenvolvimento
desse setor econômico.
É como voto, Presidente.
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROSAWEBER
Inteiro Teor do Acórdão - Página 24 de 69 469
05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
VOTO
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Senhora Presidente, eu
também saúdo os advogados que assomaram à tribuna com teses
relevantes e percucientes.
Eu firmei a minha convicção na linha do voto do Ministro-Relator.
Mas, agora, esse aspecto trazido pelo Ministro Luís Roberto talvez me
leve a uma adequação do voto. Entendi que o Ministro Marco Aurélio
estava negando provimento.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Disse que
as matérias que não citei não foram alvo de prequestionamento. Então,
nessa parte, evidentemente, o recurso não pode ser conhecido. Conheço
parcialmente do recurso, nos termos do voto e, na parte conhecida,
desprovejo-o.
O SENHOR MINISTRO ROBERTO BARROSO - Então, coincidimos
integralmente.
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - Porque exatamente esse
ponto que, digamos assim, traria a novidade a qual foi colocada da
tribuna, em termos de apreciação por esta Suprema Corte, fica
inviabilizado, com todo respeito, na medida em que, como restou bem
explicitado, não houve o prequestionamento. Então eu também não
conheço.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Tanto que
aludi ao que costumo sempre proclamar: o Direito, principalmente o
instrumental, é orgânico e dinâmico, não se podendo voltar a fase
ultrapassada.
A SENHORA MINISTRA ROSA WEBER - E quanto à parte
conhecida, eu, aqui, também, nas minhas anotações, estava trazendo, em
especial, um precedente da lavra de Vossa Excelência, Ministra Cármen
Lúcia – Recurso Extraordinário 601.722 –, exatamente na linha da
constitucionalidade tanto da Lei nº 8.393/91 quanto do Decreto nº 420/92.
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.ROSAWEBER
Inteiro Teor do Acórdão - Página 25 de 69 470
E, por isso, acompanho também o Relator, no sentido do desprovimento
do recurso.
Supremo Tribunal Federal
AntecipaçãoaoVoto
Inteiro Teor do Acórdão - Página 26 de 69 471
05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
ANTECIPAÇÃO AO VOTO
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Senhora Presidente, egrégia
Corte, ilustre representante do Ministério Público; também gostaria de
parabenizar aos advogados que assumiram a tribuna e fizeram
sustentações extremamente verticais sobre o tema.
Senhora Presidente, eu já tive oportunidade de julgar esse caso no
Superior Tribunal de Justiça. E, agora, verifico que a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal é exatamente idêntica ao que lá se assentava.
Então, eu faço uma abordagem sobre a extrafiscalidade do IPI.
Depois, também analiso a questão da fixação da alíquota no patamar de
18% do princípio da seletividade; faço a citação dos casos julgados pelo
Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive
do meu, para poder manter a coerência. Assento a ausência de violação
dos art. 151, I; 152 e 145, § 1º da Constituição Federal, pela isenção
concedida pela Lei nº 8.393/1991, e as saídas ocorridas nas áreas de
atuação da SUDAM, SUDENE, Rio de Janeiro e Espírito Santo. E proponho,
como síntese - porque é repercussão geral, que é obrigatória a fixação da
tese -, que: É constitucional a majoração da alíquota do IPI incidente sobre o
açúcar de cana, bem como os incentivos regionais conferidos às operações do
referido produto realizadas nas áreas da SUDAM, da SUDENE, nos Estados do Rio
de Janeiro e Espírito Santo, conforme previsto na Lei nº 8.393/1991, em função
da extrafiscalidade do imposto federal.
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.LUIZFUX
Inteiro Teor do Acórdão - Página 27 de 69 472
05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
V O T O
O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX: Conforme já relatado, destaco
tratar-se de recurso extraordinário, com fundamento no artigo 102, III,
a, da Constituição Federal, submetido à sistemática da repercussão
geral, derivado na origem de mandado de segurança preventivo, ajuizado
pelo contribuinte – empresa do setor sucroalcooleiro que se dedica à
produção de açúcar de cana – com o objetivo de obter provimento
jurisdicional para impedir o recolhimento do IPI relativo às saídas de
açúcar de seu estabelecimento, referentes às safras de 1996/97 e 1997/98, à
alíquota de 18%, conforme determinação da Lei nº 8.393/91,
regulamentada pelo Decreto nº 420/92, e posteriormente pelo Decreto nº
2.092/96.
Diante da abrangência do tema, o Tribunal reconheceu a sua
repercussão geral, em 09 de maio de 2008, no RE 567.948, sob a relatoria
do Min. Marco Aurélio, tendo o paradigma posteriormente sido
substituído pelo presente recurso.
Julga-se, agora, o mérito do recurso extraordinário do contribuinte, a
partir da seguinte tese:
“IPI. MAJORAÇÃO DE ALÍQUOTA. AÇÚCAR.
ESSENCIALIDADE. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS
PRINCÍPIOS DA SELETIVIDADE, DA
PROPORCIONALIDADE, DA UNIFORMIDADE
GEOGRÁFICA, DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E DA
ISONOMIA. DECRETOS NºS 420/92 E 2.092/96. LEIS NºS
9.532/97 E 8.393/91. CF/88, ARTS. 97, 145, § 1º; 149; 150, II E § 6º;
151, I; E 153, CAPUT, IV, E § 3º, I.
Saber se a majoração da alíquota do IPI para o açúcar ofende os
princípios da seletividade, da proporcionalidade, da uniformidade
geográfica, da capacidade contributiva e da isonomia.”
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.LUIZFUX
Inteiro Teor do Acórdão - Página 28 de 69 473
A fim de delimitar a controvérsia posta à apreciação da Corte no
presente apelo, é possível dividir o mérito da discussão em três pontos:
1) trata-se, primeiramente, de definir se a Lei nº 8.393/91 teria
incorrido em desvio de finalidade, ao permitir a utilização do IPI como
instrumento de intervenção na economia, a partir da sua função
extrafiscal;
2) em segundo lugar, de analisar se a fixação de alíquotas de IPI para
o açúcar proveniente da cana, no patamar de 18%, ofenderia ou não o
princípio da seletividade, previsto pelo art. 153, § 3º, I, da CRFB/88, tal
como determinou a Lei nº 8.393/91, em função da essencialidade do
referido produto; e
3) por fim, de examinar se a isenção concedida pela Lei nº 8.393/91 às
saídas ocorridas na área de atuação da Superintendência do
Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE e da Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia - SUDAM, bem como a redução de até
50% do IPI nas saídas ocorridas nos Estados do RJ e ES, representam de
fato distinção ou preferência em relação a um Estado ou ao Distrito
Federal, em detrimento de outro, em clara ofensa ao art. 151, I, bem como
aos arts. 150, II e 145, § 1º, todos da CRFB/88.
A seguir, passo à análise de cada ponto descrito.
Preliminarmente: não conhecimento do recurso extraordinário quanto à
alegada violação ao art. 150, § 6º.
Antes da análise de mérito, porém, informo que a recorrente aduz
em seu recurso suposta violação ao art. 150, § 6º, da CRFB/88, que teria
sido perpetrada pela Lei nº 9.532/97, diploma alterador da Lei nº 8.393/91,
e seu respectivo decreto regulamentador, de nº 2.501/98, apenas em
relação às operações realizadas em 1998, em razão de a referida legislação
ter previsto a possibilidade de concessão de crédito presumido de IPI
sobre saídas de açúcar, em meio a várias outras disposições contidas na
Lei nº 9.532/97.
De acordo com a recorrente, referida lei, dentre outros assuntos,
2
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.LUIZFUX
Inteiro Teor do Acórdão - Página 29 de 69 474
disporia sobre a tributação do lucro auferido no exterior, sobre o resgate
de quotas de fundos de aposentadoria, a constituição de empresas
importadoras de cigarros, distribuição disfarçada de lucros, dentre outras
questões ligadas à legislação tributária federal, além da concessão do
referido crédito presumido, o que não respeitaria a necessidade de edição
de lei específica para concessão de benefícios fiscais, nos termos do art.
150, § 6º (“Art. 150. § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de
cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a
impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica,
federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima
enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do
disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.”).
Ocorre que tal dispositivo (Lei nº 9.532/97) não foi objeto de
impugnação específica pela recorrente em momento algum, surgindo
menção a ele somente no recurso extraordinário da empresa. Referido
diploma legislativo, que teria, assim, instituído benefício fiscal em
desacordo com o art. 150, § 6º, da CRFB/88, não foi suscitado nem na
inicial do mandado de segurança, nem no v. acórdão recorrido, nem,
tampouco, nos embargos de declaração opostos pela recorrente, razão
pela qual lhe falta o indispensável requisito do prequestionamento, visto
ser vedado à parte inovar em sede de recurso extraordinário (Súmulas nº
282 e 356 do STF). Diante disso, resta prejudicada a análise da suposta
violação ao art. 150, § 6º, da CRFB/88, não sendo possível conhecer do
recurso extraordinário quanto a essa parte.
Por tal razão, a análise de mérito ficará adstrita à Lei nº 8.393/91 e
aos respectivos Decretos que lhe sucederam, nº 420/92 e 2.092/96, à luz
das violações constitucionais aduzidas pela parte recorrente.
Mérito:
1) A extrafiscalidade do IPI.
Como se sabe, aos tributos em geral se reconhece não apenas a
função meramente arrecadatória – fiscal –, mas também a função de
3
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.LUIZFUX
Inteiro Teor do Acórdão - Página 30 de 69 475
induzir, estimular ou desestimular comportamentos, a fim de alcançar o
bem jurídico eleito para proteção do Estado, como, por exemplo, o
mercado, o meio ambiente, o consumo, o estímulo à produção nacional e
à pesquisa, dentre outros tantos que não se resumem à mera arrecadação
de recursos para o custeio das atividades estatais.
É claro que, sob uma ótica genérica, toda tributação em si teria uma
função extrafiscal, na medida em que se reconhece ao Estado a função de
promover determinadas atividades nos mais diversos campos, como o
social, o econômico, o meio ambiente, etc., e é por meio da arrecadação de
recursos, provenientes em grande medida da tributação, que se
possibilita ao Estado o desempenho de tais tarefas. Contudo, não se trata
aqui da extrafiscalidade indireta da tributação como um todo, mas sim,
da utilização de um tributo para obter diretamente outras consequências
que, com independência da arrecadação (pode deixar de existir, ser maior
ou menor), influirão positivamente na consecução de um fim legítimo e
constitucional, eleito pela política pública e que prevalecerá sobre a
função de obtenção de receita que possa advir da arrecadação. 1
Na verdade, o reconhecimento da função extrafiscal dos tributos
remonta à própria integração dos modelos estatais: Estado Fiscal Liberal e
Estado Social, que resulta não só no reconhecimento das contribuições
especiais como receitas tributárias pertencentes ao orçamento fiscal, como
também no reconhecimento de que os impostos não se prestam somente à
arrecadação de receitas para o Estado. Também eles podem servir de
instrumento de promoção de outras finalidades, de cunho social,
econômico, ambiental, etc.
É justamente o que ocorre em relação à política de concessão de
incentivos, cuja finalidade primordial obviamente não é a arrecadação de
receitas. Observe-se que os incentivos são utilizados com a finalidade de
promover objetivos distintos da mera arrecadação em relação às mais
diversas espécies tributárias, não sendo tal objetivo, portanto, exclusivo
das contribuições de intervenção no domínio econômico. Tais espécies, de
1 CARAVELLI, Flávia Renata Vilela. Extrafiscalidade (re) construção conceitual do
contexto do Estado Democrático de Direito e aplicações no Direito Tributário. Belo
Horizonte: Arraes editores, 2015. p. 76.
4
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.LUIZFUX
Inteiro Teor do Acórdão - Página 31 de 69 476
fato, possuem função específica, e se dirigem a determinados grupos
econômicos, que devem guardar estrita pertinência com a finalidade
almejada pela sua instituição. Isso, contudo, não retira o caráter
extrafiscal próprio de alguns impostos, como é o caso do imposto de
importação - II, o imposto de exportação - IE, o imposto sobre operações
de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários -IOF, e o próprio imposto sobre produtos industrializados - IPI.
Note-se que o caráter extrafiscal nessas espécies tributárias é tão
claro, que o próprio constituinte excepcionou a alteração de suas
alíquotas do princípio da legalidade (“Art. 153. § 1º É facultado ao Poder
Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as
alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V.”). E, mesmo em
relação a impostos cuja natureza revela função eminentemente fiscal,
como é o caso do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana
– IPTU, o constituinte relegou uma finalidade diversa da simples
arrecadação, para fins, por exemplo, de promover a utilização social da
propriedade (“Art. 182. § 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante
lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal,
do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que
promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: […] II -imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;”).
Nesse sentido, “o imposto, tendo como fato jurígeno uma ação do
contribuinte, é campo preferencial para a consecução da extrafiscalidade,
atuando diretamente na indução ou desestímulo de comportamentos. A
natureza finalística do produto da arrecadação dos impostos não impede
a presença da extrafiscalidade, já que esta se caracteriza no momento da
incidência ou não da norma, sendo equívoco identificar a extrafiscalidade
na realização dos gastos públicos [...].” 2
Tal premissa é fundamental para compreender o que ocorreu
quando da edição da Lei nº 8.393/91. Com efeito, durante anos o açúcar
foi tratado pela legislação do IPI como "não tributado" ou sujeito à
"alíquota zero", em razão da Lei nº 7.798/89. Passou, entretanto, a ser
2 Op. Cit. p. 80.
5
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.LUIZFUX
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tributado com o advento da Lei nº 8.393/91 que, em seu art. 1º, extinguiu
a contribuição de intervenção e também os subsídios de equalização dos
custos de produção de açúcar e álcool e; no art. 2º, por sua vez,
estabeleceu que a alíquota do imposto seria de 18%, salvo para as regiões
compreendidas na área de atuação da SUDAM e SUDENE e, no
parágrafo único do mesmo artigo, previu a redução de 50% da alíquota
do imposto para os Estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo. Confira-se:
“Art. 1º São extintos:
I - a contribuição sobre saídas de açúcar, de cana-de-açúcar,
criada pelo Decreto-Lei nº 308, de 28 de fevereiro de 1967, alterada
pelos Decretos-Leis nºs 1.712, de 14 de novembro de 1979, e 1.952, de
15 de julho de 1982, e o respectivo adicional, criado por este último
diploma legal;
II - os subsídios de equalização de custos de produção de açúcar,
de cana-de-açúcar, objeto da Política de Preço Nacional Equalizador
Açúcar e Álcool, criado com fundamento na Lei nº 4.870, de 1º de
dezembro de 1965, nos Decretos-Leis nºs 308, de 1967, 1.186, de 27
de agosto de 1971, e 1952, de 1982.
Art. 2º Enquanto persistir a política de preço nacional unificado
de açúcar de cana, a alíquota máxima do Imposto sobre Produtos
Industrializados - IPI incidente sobre a saída desse produto será de
dezoito por cento, assegurada isenção para as saídas ocorridas na área
de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste -SUDENE e da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia –
SUDAM.
Parágrafo único. Para os Estados do Espírito Santo e do Rio de
Janeiro, é o Poder Executivo autorizado a reduzir em até cinqüenta
por cento a alíquota do IPI incidente sobre o açúcar nas saídas para o
mercado interno.”
Pela ‘Exposição de Motivos’ da Lei nº 8.393/91, verifica-se que o
aumento da alíquota do IPI de zero para 18% não se deveu ao fato de ter
o açúcar deixado de ser um bem de consumo essencial, mas sim, com a
finalidade de onerar a carga tributária incidente sobre os produtos
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Supremo Tribunal Federal
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produzidos no Centro-Sul, para fins de equalizar os custos de produção
entre as diferentes regiões do país. Tal objetivo fazia parte da política de
preço nacional unificado de açúcar de cana, desenvolvida à época pelo
Governo Federal, atendendo, assim, às finalidades extrafiscais do
Executivo.
Tanto é assim que foi mantida uma alíquota uniforme de 18% para o
açúcar proveniente da cana, excepcionando-se apenas as operações
ocorridas nas regiões Norte e Nordeste, nas áreas da SUDAM e da
SUDENE, que gozariam de isenção integral, bem como as operações
ocorridas no RJ e no ES, que teriam uma redução de até 50% do IPI. É o
que se depreende do parecer, da lavra do então Deputado José Thomaz
Nono, aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça, que, por sua
vez, aprovou o Projeto de Lei nº 2.158/91, que deu origem à Lei nº
8.393/91, com as respectivas emendas parlamentares efetuadas 3 , verbis:
“Através da mensagem nº 608 de 01 de novembro de 1991 e ao
abrigo ao regime de urgência disciplinado no § lº do art. 64 da
Constituição Federal, o Poder Executivo ofereceu o projeto de Lei nº
2.158. O diploma legal objetiva extinguir a contribuição sobre saídas
de açúcar, de cana criada pelo Decreto-lei nº 308, de 28 de fevereiro de
1967, alterada pelos Decretos-leis nº 1.712, de 14 de novembro de
1979, e 1952 de 15 de julho de 1982, e o respectivo adicional
instituído por esse último. Pretende outrossim o Executivo fazer
desaparecer o subsídio de equalização de custos de produção do açúcar,
objeto da política de preço nacional equalizado de açúcar e de álcool,
criado com fundamento da Lei nº 4.870, de lº de dezembro de 1965,
nos Decretos-Leis nºs. 308 e 1952 supra referidos e ainda no de nº
1.186, de 27 de agosto de 1971. Dispõe finalmente o texto legal que, a
persistir a política de preço nacional unificado, ficarão isentas do
imposto sobre produtos industrializados (IPI) as saídas para o
mercado interno do referido produto ocorridas nas regiões Norte e
3 Dossiê de aprovação do PL nº 2.158/91 disponível na íntegra em:
http://www.câmara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=2972DC636A624
6E337F8F229A4CB53C0.proposicoesWebExterno1?codteor=1139564&filename=Dossie+PL+2158/1991
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Inteiro Teor do Acórdão - Página 34 de 69 479
Nordeste.
o presente projeto foram oferecidas 8 emendas de plenário de
autoria dos nobres Deputados Iberê Ferreira (emenda nº 00001), José
Dirceu (00002 e 00003), Marcelino Romano Machado (nº 00004),
Luiz Piauhylino (nº 00005), Antonio Carlos Mendes Thame (nº
00006), Jones Santos Neves (nº 00007), e finalmente, Rita Camata (nº
00008).
11 - RAZOES
A exposição de motivos que acompanha a mensagem
presidencial é conclusiva no reconhecimento da essencialidade uma
política de preço nacional unificado para o açúcar. Reconhece,
outrossim, que por razões de solo, topografia e clima, os custos de
produção de cana-de-açúcar são mais elevados nas regiões norte e
nordeste do que no centro-sul do país. Foram estas circunstâncias -que permanecem até hoje - que deram origem, anos atrás, à
contribuição sobre saída de açúcar, o respectivo adicional, e sua
contrapartida: os subsídios de equalização de custos que o Projeto de
Lei pretende extinguir.
O que o projeto institui é uma nova sistemática para propiciar a
manutenção do "status quo": ao invés de taxas, a política nacional de
preço unificado para o açúcar de cana será satisfeita mediante
aplicação de alíquotas distintas no imposto sobre produtos
industrializados - IPI.
As razões que deram origem a esta mudança também são de fácil
percepção. O modelo anterior, que se propõe extinguir, entrou em
colapso por diversos fatores dentre os quais o atraso no pagamento
pelo Tesouro do ressarcimento às empresas produtoras de açúcar, que
faziam um adiantamento ao plantador de cana, e, também, pela
dificuldade na fiscalização do recolhimento pontual e tempestivo da
contribuição que remunerava o fundo equalizador.
Um contigenciamento orçamentário, por exemplo, como foi feito
em passado recente, por si só era motivo suficiente para transtornar
toda a política de pagamentos pelo Tesouro Nacional aos seus credores.
Constatado o colapso do sistema vigente a proposta do Executivo
introduz um mecanismo bem mais simples, fácil de fiscalizar, e
propiciador de ganhos para todos os setores envolvidos, até mesmo
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Voto-MIN.LUIZFUX
Inteiro Teor do Acórdão - Página 35 de 69 480
para Estados e Municípios que pelo acréscimo de recolhimento de IPI
terão, pelas transferências legais, aumento em suas receitas.
No âmbito da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação
talvez seriam dispensáveis essas considerações de mérito mas penso
haver sido oportuno fazê-las para que os ilustres pares, ao apreciarem
este parecer, tenham uma visão mais clara e despida de preconceitos do
que pretende o Executivo no Projeto de Lei nº 2.158/91.
Sob o prisma da constitucionalidade, juridicidade e boa técnica
legislativa não há quaisquer reparos a fazer quanto ao projeto, que
atende a todos esses requisitos.
Quanto às emendas cumpre um exame sumário de cada uma
delas. [...]”
Portanto, pelo que se vê, não há desvio de finalidade algum no
aumento da alíquota do IPI pela Lei nº 8.393/91, e Decretos
regulamentadores posteriores, bem como nas hipóteses de desoneração
nela previstas, e sim, a utilização do IPI com a finalidade extrafiscal de
equalização de custos da produção do açúcar a nível nacional,
respeitando as diferenças entre as regiões e entre os diferentes Estados de
uma mesma região, em relação ao setor sucroalcoleiro.
2) Fixação da alíquota de IPI no patamar de 18% e o princípio da
seletividade.
Outro argumento invocado pela recorrente seria o de que a
seletividade do IPI (art. 153, § 3º, I, da CRFB/88) teria sido violada pela
fixação da alíquota de 18% para o referido produto, que, por ser
integrante da cesta básica e, desse modo, possuir caráter essencial,
deveria ter a sua alíquota nula.
Ocorre que, conforme mencionado acima, a fixação de alíquotas para
o IPI constitui atribuição do Poder Executivo, nos termos do art. 153, § 1º,
da CRFB/88. A razão para tanto reside justamente na finalidade
eminentemente extrafiscal que possui o referido imposto, representando
um instrumento de política econômica do Governo Federal, além, é claro,
de contribuir para a arrecadação tributária da União.
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Por outro lado, é igualmente certo que o Poder Executivo, embora
possa fixar as alíquotas do IPI, não goza de plena discricionariedade em
relação a tal atividade, devendo necessariamente observar o disposto no
art. 153, § 3º, I, da Constituição, de acordo com o qual: “Art. 153. § 3º O
imposto previsto no inciso IV: I - será seletivo, em função da essencialidade do
produto;”.
Com efeito, a seletividade não é uma faculdade atribuída ao Poder
Executivo, no sentido de poder considerá-la ou não na fixação de
alíquotas do IPI, mas, antes, representa verdadeiro comando a ser
observado na quantificação do tributo a ser pago, de acordo com a
essencialidade do produto. Nesse ponto, embora ‘essencialidade’ seja um
conceito de textura aberta, cujo conteúdo é indeterminado, isso não
significa que seja impossível aferir o seu núcleo mínimo diante do caso
concreto, a fim de averiguar se foi o mesmo respeitado ou não pelo Poder
Executivo.
No presente caso, não parece haver dúvidas quanto à essencialidade
do açúcar de cana, fato reconhecido pelo v. acórdão recorrido e não
refutado pela União Federal em suas manifestações. Aliás, o referido
produto consta na relação de itens integrantes da cesta básica, conforme o
Decreto-lei nº 399/38, vigente até hoje.
Tal constatação, contudo, não conduz à conclusão de que, por ser
considerado bem essencial, deve o açúcar ser tributado à alíquota zero. O
princípio da seletividade, nesse ponto, impõe que as alíquotas do IPI
sejam graduadas e variem de acordo com a essencialidade do bem, e não
que todos os produtos que integrem a cesta básica sejam desonerados. A
se acolher tal interpretação, se teria de reconhecer a intributabilidade dos
produtos considerados essenciais.
Embora seja possível identificar atualmente um movimento no
sentido de desonerar os itens da cesta básica, isso não constitui uma
obrigação do Poder Executivo. Por outro lado, observando-se a Tabela de
Incidência do IPI – TIPI 4 , constata-se que a tributação do açúcar a uma
alíquota que atinge o patamar de 18% não chega nem perto de tributá-lo
4 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Decreto/Anexo/AND8950.pdf
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como produto supérfluo ou não essencial, visto que, nesses casos, como
ocorre com as bebidas alcoólicas, os perfumes e os cigarros, as alíquotas
chegam a atingir o patamar, respectivamente, de 30%, 42% e 300%.
Logo, não há inconstitucionalidade alguma na fixação da alíquota de
18% para o IPI incidente sobre o açúcar de cana, inserindo-se tal atividade
no exercício do poder discricionário do Executivo. Fosse o caso de
alíquotas fixadas em patamares superiores aos vigentes para os produtos
considerados supérfluos, aí sim, seria possível o controle por parte do
Poder Judiciário, porém, não sendo esse o caso, descabe a esta Corte
realizar juízo de valor acerca das alíquotas fixadas pelo Governo Federal,
em cumprimento à determinação constitucional expressa do art. 153, § 1º.
Esse, inclusive, tem sido o entendimento das duas Turmas do STF,
em relação à constitucionalidade da majoração da alíquota do IPI,
efetuada pela Lei nº 8.393/91, verbis:
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. DECRETO N. 420/92. LEI N. 8.393/91. IPI.
ALÍQUOTA REGIONALIZADA INCIDENTE SOBRE O
ACÚCAR. ALEGADA OFENSA AO DISPOSTO NOS ARTS. 150,
I, II e § 3º, e 151, I, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
CONSTITUCIONALIDADE. 1. O Decreto n. 420/92 estabeleceu
alíquotas diferenciadas --- incentivo fiscal --- visando dar concreção ao
preceito veiculado pelo artigo 3º da Constituição, norma-objetivo que
define a redução das desigualdades regionais e o desenvolvimento
nacional. Autoriza o o art. 151, I, da Constituição. 2. A fixação da
alíquota de 18% para o açúcar de cana não afronta o princípio da
essencialidade. Precedentes. 3. A concessão do benefício da isenção
fiscal é ato discricionário, fundado em juízo de conveniência e
oportunidade do Poder Executivo, cujo controle é vedado ao
Judiciário. Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento”
(RE 480.107-AgR, Rel. Min. Eros Grau, Segunda Turma, DJe
27.3.2009).
“TRIBUTO. Imposto sobre produtos industrializados. IPI.
Alíquota. Fixação. Operações relativas a açúcar e álcool. Percentual de
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Voto-MIN.LUIZFUX
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18% (dezoito por cento) para certas regiões. Art. 2º da Lei nº
8.393/91. Ofensa aos arts. 150, II, 151, I, e 153, 3º, I, da CF.
Inexistência. Finalidade extrafiscal. Constitucionalidade reconhecida.
Improvimento ao recurso extraordinário. Não é inconstitucional o art.
2º da Lei federal nº 8.393, de 30 de dezembro de 1991” (AI 515.168-AgR-ED, Rel. Min. Cezar Peluso, Primeira Turma, DJ
21.10.2005).
“Agravo regimental em recurso extraordinário. 2. Imposto sobre
Produto Industrializado (IPI). Operação relativa a açúcar de cana.
Alíquota. Lei nº 8.393/91. Constitucionalidade. Precedentes. 3.
Agravo regimental a que se nega provimento” ( RE 487.739-AgR, Rel.
Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe 18.4.2008).
“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IPI. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIOS. ALÍQUOTAS REGIONALIZADAS. LEI 8.393/91.
DECRETO 2.501/98. ADMISSIBILIDADE. 1. Incentivos fiscais
concedidos de forma genérica, impessoal e com fundamento em lei
específica. Atendimento dos requisitos formais para sua
implementação. 2. A Constituição na parte final do art. 151, I, admite
a 'concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio
do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do
país'. 3. A concessão de isenção é ato discricionário, por meio do qual o
Poder Executivo, fundado em juízo de conveniência e oportunidade,
implementa suas políticas fiscais e econômicas e, portanto, a análise de
seu mérito escapa ao controle do Poder Judiciário. Precedentes: RE
149.659 e AI 138.344-AgR. 4. Não é possível ao Poder Judiciárioestender isenção a contribuintes não contemplados pela lei, a título de
isonomia ( RE 159.026). 5. Recurso extraordinário não conhecido” (RE
344.331, Rel. Min. Ellen Gracie, Primeira Turma, DJ 4.3.2003).
O STJ, por sua vez, possui entendimento exatamente no mesmo
sentido, conforme se verifica através da ementa do julgado abaixo:
“TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. DECRETO-LEI
399/38. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA
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Voto-MIN.LUIZFUX
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282/STF. AÇÚCAR DE CANA. IPI. DIFERENCIAÇÃO DE
ALÍQUOTAS DE ACORDO COM A REGIÃO PRODUTORA.
POSSIBILIDADE. FUNÇÃO EXTRAFISCAL.
DISCRICIONARIEDADE DO PODER PÚBLICO.
1. Mandado de segurança com pedido de liminar impetrado por
COPERSUCAR - Cooperativa dos Produtores de Cana, Açúcar e
Álcool do Estado de São Paulo Ltda. e Outra contra o Delegado da
Receita Federal em Porto Alegre, em que se discute a ilegalidade do
Decreto nº 2.501/98, que estabelece alíquotas diferentes de IPI sobre o
açúcar, de acordo com o Estado brasileiro. Sentença julgando
improcedente o pedido, sob o fundamento de que o Poder Executivo
está autorizado a fazer uso do IPI com fins extrafiscais, de acordo com
a política econômica. Interposta apelação pelas impetrantes, o TRF da
4ª Região negou-lhe provimento por entender que há previsão de
seletividade do IPI no art. 153, § 3º, I, da CF e no Decreto-Lei nº
1.199/71, a ser analisada sob a ótica da discricionariedade da
Administração Pública. Ademais, afirma, que caso se entendesse pelo
desacordo da norma impugnada com o texto constitucional, a
conseqüência seria a sua nulidade e não a extensão do benefício a
outros contribuintes e que não há prova de qualquer desvio de
finalidade, excesso ou desvio de poder quando da concessão dos
incentivos fiscais aos Estados beneficiados. Em sede de recurso
especial, a COPERSUCAR alega violação do art. 4º do DL 1.199/71 e
do Decreto-Lei nº 399/38, em razão da necessidade de observância das
condições exigidas pelo DL nº 1.199/71 para a mudança de alíquota do
IPI, não havendo como se legitimar a adoção do IPI como instrumento
de intervenção direta no domínio econômico, em razão do fim da
política intervencionista no setor sucroalcooleiro e da inexistência de
qualquer política governamental específica em relação ao mesmo.
Aduz, ainda, que o DL nº 399/38 definiu o açúcar como
essencial à vida, sendo ele integrante da cesta básica, que o Decreto nº
2.501/98 demonstra desvio de finalidade, porque prejudica a livre
concorrência e que conforme a Súmula nº 97 do extinto TFR, a
motivação é imprescindível à validação do ato. Contra-razões
sustentando a constitucionalidade do tema.
2. Ausência do necessário prequestionamento. A norma legal
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Voto-MIN.LUIZFUX
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dita violada, DL nº 399/38, não foi abordada no âmbito do voto do
aresto a quo. Súmula 282 do STF incidente na espécie.
3. Finda a política nacional de unificação do preço do açúcar de
cana, deixou de vigorar a alíquota zero, de forma que o Poder
Executivo poderia fixar alíquotas distintas, de acordo com o interesse
nacional, nos lindes da legislação vigente.
4. A isenção ou fixação de alíquotas diferenciadas para a
promoção do equilíbrio sócio-econômico entre as regiões está prevista
na própria Constituição Federal, a qual autoriza o tratamento
desigual entre partes desiguais.
5. Cabe ao Governo, de forma discricionária, escolher os rumos
da política sucroalcooleira, utilizando-se, caso necessário, do IPI,
tributo com função extrafiscal, não sendo possível ao Poder Judiciário
imiscuir-se nesta seara sem a demonstração cabal de vícios de
legalidade.
6. Recurso especial conhecido em parte, e, nessa, desprovido.”
( REsp 704.917/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 24/05/2005, DJ 27/06/2005)
Há um precedente, inclusive, de minha relatoria no STJ, que destaca
a extrafiscalidade do IPI, da qual decorre a possibilidade de fixação de
suas alíquotas pelo Poder Executivo, em benefício do interesse nacional, o
que impossibilitaria a sua revisão pelo Poder Judiciário, verbis:
“TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS
INDUSTRIALIZADOS - IPI. AÇÚCAR DE CANA. POLÍTICA
NACIONAL DE PREÇOS UNIFICADOS. LEI 8.393/91.
DECRETO 420/92. EXTRAFISCALIDADE.
1. Cessada a política nacional de unificação dos preços do açúcar
de cana, não se retorna ao regime anterior em que havia "tributação
pela alíquota zero", porquanto a função extrafiscal, revelada no caso
dos autos, autoriza o Poder Executivo a fixar as alíquotas, respeitadas
as disposições legais, em prol do interesse nacional.
2. O art. 2º da Lei 8.393/91 não impôs taxativamente a fixação
da alíquota em 18% (dezoito por cento), mas apenas explicitou que
esta não poderia ser fixada em percentual superior.
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Supremo Tribunal Federal
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3. Recurso especial conhecido e improvido.
[...] In casu, como afirmado no aresto recorrido, e em face das
peculiaridades que revestem o denominado Imposto sobre Produtos
Industrializados - IPI, a letra da lei dispôs de maneira clara que,
"enquanto persistir a política nacional de preço unificado de açúcar de
cana a alíquota máxima do Imposto sobre Produtos Industrializados -IPI incidente sobre a saída desse produto será de dezoito por cento",
ou seja, a Lei impôs uma limitação ao poder discricionário do
Executivo no manuseio das alíquotas do IPI em relação aos produtos
discriminados, em absoluto respeito à Constituição Federal [...].
A função extrafiscal do IPI assume relevo in casu, revelando
estratégia de intervenção na economia e na livre concorrência,
restando esta motivação do comando previsto no art. 2º da Lei
8.393/91.
[...]
Nesse sentido, mesmo que se admitisse, ad argumentandum
tantum, que não houve revogação da legislação anterior, que dispunha
sobre a tributação dos produtos industrializados à alíquota zero, a
função predominantemente extrafiscal do IPI, justificaria a
possibilidade de fixar-se as alíquotas do IPI ainda em 18%, mesmo em
tendo se encerrado a multicitada "política de preço nacional
unificado", haja vista que o art. 2º da Lei 8.393/91 não definiu de
maneira taxativa a alíquota incidente, senão que previu o percentual
máximo que poderia ser fixada, atendendo a regra constitucional em
prol das necessidades do Estado.
[...]
Destarte, o Poder Judiciário não pode intervir na política fiscal
compreendida na esfera discricionária do Poder Executivo, assegurada
constitucionalmente em benefício do interesse nacional, posto que a
isso equivaleria romper o princípio maior da harmonia dos poderes,
pilar da Federação e do Estado Democrático de Direito.
Por esses fundamentos, CONHEÇO do recurso, mas NEGO
PROVIMENTO.” ( REsp 437.666/PR, Rel. Ministro LUIZ FUX,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 08/04/2003, DJ 19/05/2003)
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.LUIZFUX
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3) Ausência de violação aos arts. 151, I, 150, II, e 145, § 1º, da
Constituição Federal, pela isenção concedida pela Lei nº 8.393/91 às
saídas ocorridas na área de atuação da SUDAM, da SUDENE, e às
saídas ocorridas no RJ e no ES.
Por fim, a última questão aduzida pela recorrente em seu apelo
especial diz respeito à suposta violação ao art. 151, II, da Constituição,
pela concessão de isenção integral do IPI às operações ocorridas nas
regiões NO e NE, bem como de isenção parcial do imposto em relação às
operações ocorridas nos Estados do RJ e do ES, da qual resultariam
também as alegadas violações ao art. 150, II e 145, § 1º (Isonomia e
Capacidade Contributiva).
Vejamos o que diz o referido dispositivo:
“Art. 151. É vedado à União:
I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o
território nacional ou que implique distinção ou preferência em
relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em
detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos
fiscais destinados a promover o equilíbrio do
desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões
do País; ” (Grifos aditados)
Com efeito, a própria parte final do art. 151, I, da CRFB/88
excepciona ao princípio da uniformidade da tributação os incentivos
fiscais destinados à promoção do desenvolvimento sócio-econômico das
diferentes regiões. Nesse aspecto, deve-se interpretar o referido
dispositivo como um reconhecimento de que existem áreas geográficas no
país que se distinguem entre si em termos econômicos e sociais, o que, à
luz do postulado da Isonomia, impõe um tratamento diferenciado por
parte da legislação, com vistas à redução dessas desigualdades.
Esse mandamento, ademais, não se restringe à diferenciação entre as
“regiões” propriamente ditas, de modo a permitir apenas distinções entre
Estados integrantes das regiões Norte, Sul, Nordeste, Sudeste e Centro-16
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.LUIZFUX
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oeste. Na verdade, quando a Constituição se refere a “regiões” está
também autorizando o tratamento diferenciado entre Estados que,
embora integrem a mesma região, possuem peculiaridades geográficas,
sociais e/ou econômicas, que impedem a sua comparação.
Esse foi justamente o entendimento esposado pelo Min. Cesar Peluzo
– e acompanhado pela Primeira Turma à unanimidade, inclusive – no
julgamento dos embargos de declaração no AI 515.168-AgR,
supramencionado, e cujo trecho do voto segue transcrito abaixo:
“Não encontro inconstitucionalidade na distinção criada
entre os Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro em
relação aos demais Estados da Região Sudeste.
Na exceção posta no art. 151, I, in fine, da Constituição da
República, que “a concessão de incentivos fiscais destinados a
promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico
entre as diferentes regiões do País”, o termo “regiões” não
pode interpretar-se em acepção tão estrita que denote apenas
o Sul, Sudeste, Centro Oeste, Nordeste e Norte, porque dentro
destas mesmas regiões existem outras áreas geográficas que se
distinguem entre si em termos econômicos e sociais.
Embora gozem do mesmo status político-representativo
na estrutura da federação, não há como nem por onde
equiparar os Estados de São Paulo e de Minas Gerais ao Rio
de Janeiro e Espírito Santo, em termos de produção de açúcar.
A localização em si, enquanto critério de discriminação
tributária, guarda correlação com a necessidade de tratamento
legislativo distinto, tendente a estimular produção de açúcar
de cana nas regiões beneficiadas, razão por que não se lhe
descobre ofensa à isonomia (art. 150, II, da CF/88), nem à
uniformidade da tributação (art. 151, I).
Esse é, aliás, o entendimento desta Primeira Turma,
conforme se colhe à ementa do RE nº 344.331/PR (Rel. Min.
ELLEN GRACIE, DJ 14.03.2003):
‘RECURSO EXTRAORDINÁRIO. IPI. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIOS. ALÍQUOTAS REGIONALIZADAS. LEI 8.393/91.
DECRETO 2.501/98. ADMISSIBILIDADE.
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.LUIZFUX
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1. Incentivos fiscais concedidos de forma genérica,
impessoal e com fundamento em lei específica. Atendimento
dos requisitos formais para sua implementação.
2. A Constituição na parte final do art. 151, I, admite a
"concessão de incentivos fiscais destinados a promover o
equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as
diferentes regiões do país".
3. A concessão de isenção é ato discricionário, por meio do
qual o Poder Executivo, fundado em juízo de conveniência e
oportunidade, implementa suas políticas fiscais e econômicas e,
portanto, a análise de seu mérito escapa ao controle do Poder
Judiciário. Precedentes: RE 149.659 e AI 138.344-AgR.
4. Não é possível ao Poder Judiciário estender isenção a
contribuintes não contemplados pela lei, a título de isonomia
( RE 159.026).
5. Recurso extraordinário não conhecido.’
A título de comparação, em matéria de ICMS, por
exemplo, o Estado do Espírito Santo recebe tratamento
diferenciado, consoante se vê à Resolução nº 22, de 19.05.89,
do Senado Federal, que fixou a alíquota de 12% (doze por
cento) para as operações interestaduais sujeitas àquele
imposto (art. 1º, caput), mas ressalvou a aplicação da alíquota
de 7% (sete por cento) para as operações nas Regiões Sul e
Sudeste, destinadas às Regiões Norte, Nordeste e Centro
Oeste e ao Estado do Espírito Santo (art. 1º, § único). As
normas são válidas. ” (Grifos aditados)
Da análise dos motivos para a inclusão e manutenção das emendas
parlamentares que culminaram com a inclusão dos Estados do RJ e do ES
no parágrafo único do art. 2º, da lei nº 8.393/91, para fins de autorizar o
Poder Executivo a reduzir em até 50% a alíquota do IPI incidente sobre o
açúcar decorrente de saídas ocorridas nos respectivos Estados para o
mercado interno, observa-se que a intenção do legislador foi justamente a
de permitir o desenvolvimento da região canavieira capixaba e
fluminense, cuja produção não se compara a dos Estados de Minas Gerais
e São Paulo. São Paulo, por exemplo, por fatores topográficos, de
18
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.LUIZFUX
Inteiro Teor do Acórdão - Página 45 de 69 490
composição do solo, luminosidade e precipitação pluviométrica, é
considerado, na própria ‘Exposição de Motivos’ do Projeto de Lei nº
2.158/91, como a melhor região canavieira do mundo.
Justamente por isso é que os Estados do RJ e ES recebiam subsídios
para a equalização de custos de produção de açúcar de cana, em
consonância com os objetivos da política de preço nacional equalizador
do açúcar e do álcool, antes da entrada em vigor da Lei nº 8.393/91, que,
ao extinguir os referidos subsídios e a contribuição para o Instituto do
Açúcar e do Álcool – IAA, aumentando a alíquota do IPI incidente sobre
o açúcar de cana, paralelamente, trouxe as referidas isenções
mencionadas pelo art. 2º.
Tais fatos só corroboram a conclusão no sentido de que não cabe ao
Poder Judiciário analisar as razões extrafiscais integrantes da política de
equalização nacional do preço do açúcar que motivaram a majoração da
alíquota do IPI relativa ao açúcar de cana, bem como as isenções
concedidas às operações de saída ocorridas em determinadas regiões e no
RJ e ES, tendo em vista constituírem discricionariedade do Poder
Executivo, no desenvolvimento de sua política fiscal e econômica.
Ex positis, voto no sentido de acompanhar o Eminente Relator, a fim
de conhecer apenas em parte o recurso extraordinário do contribuinte e,
na parte conhecida, desprovê-lo integralmente.
19
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.RICARDOLEWANDOWSKI
Inteiro Teor do Acórdão - Página 46 de 69 491
05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
VOTO
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Senhora
Presidente, eu principio elogiando as excelentes sustentações orais que
foram feitas da tribuna. Peço vênia aos recorrentes para acompanhar
integralmente o voto do eminente Ministro-Relator, Marco Aurélio.
Eu observo, Senhora Presidente, e vou falar rapidamente, que a
Casa, o Supremo Tribunal Federal, tem uma longa jurisprudência no
sentido de considerar constitucional o art. 2º da Lei 8.393/1991. Há um
voto muito importante - cronologicamente, inicio por este, porque foi o
primeiro, a meu ver -, relatado pela Ministra Ellen Gracie, em 11 de
fevereiro de 2003, em que Sua Excelência assenta, em um dos tópicos da
ementa, que a Constituição, na parte final do art. 151, admite:
"A concessão de incentivos fiscais destinados a promover
o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as
diferentes regiões do País […]".
E o mais importante:
"[…] A concessão de isenção é ato discricionário, por meio
do qual o Poder Executivo, fundado em juízo de conveniência e
oportunidade, implementa suas políticas fiscais e econômicas e,
portanto, a análise de seu mérito escapa ao controle do Poder
Judiciário".
Depois, cronologicamente, em 2005, o Ministro Cezar Peluso, nos
Embargos Declaratórios no Agravo Regimental no Agravo de
Instrumento 515.168, assenta também a constitucionalidade desse
dispositivo e ressalta o aspecto extrafiscal dessa forma de agir da União.
O Ministro Luís Roberto Barroso, bem mais tarde - eu salto uma
sequência de decisões nesse sentido -, a meu ver, também em sua ementa,
no Recurso Extraordinário com Agravo 1.006.340/SP, estabelece o
seguinte:
"O elemento discriminador utilizado pelo legislador na Lei
nº 8.393/91, envolvendo diferentes áreas e Estados da
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.RICARDOLEWANDOWSKI
Inteiro Teor do Acórdão - Página 47 de 69 492
Federação, guarda correlação lógica com o propósito buscado,
qual seja, garantir o equilíbrio entre aqueles que se distinguem
no desenvolvimento socioeconômico".
Aí, continua Sua Excelência, na linha, inclusive, da jurisprudência da
Casa:
"O juízo de essencialidade relacionado ao produto cabe ao
legislador. Assume, desse modo, caráter discricionário" -importante isso - "que não pode ser alterado pela livre vontade
do julgador sem demonstração de desobediência à
Constituição, à legislação ou ao próprio princípio da
razoabilidade [...]".
Eu concordo plenamente com isso.
Cito também aqui um precedente mais recente do Ministro Dias
Toffoli, que faz uma resenha histórica, mostrando exatamente essa
evolução, sempre nesse sentido, de dizer que é uma decisão
discricionária.
E aí agradeço a referência feita da tribuna a um voto meu no Recurso
Extraordinário 634.457/RJ, em um Agravo Regimental, em que, na linha
do que foi dito pelo Ministro Barroso, assento, não obstante essa ampla
discricionariedade do legislador, é possível, sim, em certas hipóteses,
quando há uma ofensa ao princípio da razoabilidade ou a outros
postulados constitucionais, uma intervenção do Judiciário. E, nesse
Agravo no Recurso Extraordinário, tratava-se de uma fixação de uma
alíquota do ICMS sobre energia elétrica. Eu dizia, então, que:
"Não obstante a possibilidade de instituição de alíquotas
diferenciadas, tem-se que a capacidade tributária do
contribuinte impõe a observância do princípio da seletividade
como medida obrigatória, evitando-se, mediante a aferição feita
pelo método da comparação, a incidência de alíquotas
exorbitantes em serviços essenciais".
Mas aí faço um distinguishing com este caso que nós estamos
julgando e aquele sobre o qual eu me pronunciei. Então, eu dizia que, no
caso em exame - que se tratava de energia elétrica:
“[...] o órgão especial do Tribunal de origem declarou
inconstitucionalidade da legislação estadual que fixou em 25%
2
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.RICARDOLEWANDOWSKI
Inteiro Teor do Acórdão - Página 48 de 69 493
a alíquota sobre os serviços de energia elétrica e de
telecomunicações – serviços essenciais – porque o legislador
ordinário não teria observado os princípios da essencialidade e
da seletividade, haja vista que estipulou alíquotas menores para
produtos supérfluos estipulou alíquotas menores".
Naquela ocasião, naquele caso que examinei, havia um descompasso
evidente entre aquilo que foi estabelecido pelo legislador e os princípios
que deveriam ser compulsoriamente observados em face da Constituição
Federal. Mas, neste caso, acho que o voto do Relator, Ministro Marco
Aurélio, bem demonstrou que se está no plano da extrafiscalidade ou da
parafiscalidade, e o legislador se houve exatamente dentro dos
parâmetros constitucionais, sem exorbitar dos princípios que se
encontram ínsitos na Carta Magna.
Acompanho o Relator, desprovendo o recurso.
3
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CELSODEMELLO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 49 de 69 494
05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
V O T O
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Acompanho ,
integralmente, o voto do eminente Ministro Relator.
É o meu voto .
Supremo Tribunal Federal
AntecipaçãoaoVoto
Inteiro Teor do Acórdão - Página 50 de 69 495
05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
VOTO
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE) -Acompanho o Ministro-Relator no sentido de conhecer parcialmente e, na
parte conhecida, negar provimento ao recurso.
Há longa jurisprudência do Supremo sobre essa matéria, há
primorosos votos específicos. Cito, Ministro Celso de Mello, por exemplo,
em meu voto escrito, que tem extensa análise sobre a ratio subjacente a
este tratamento normativo dado no caso específico do artigo 2º da Lei nº
8.393. Filiei-me exatamente a esta corrente em algumas decisões sobre a
matéria. Por isso, também estou acompanhando, com as vênias da
compreensão em contrário.
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA
Inteiro Teor do Acórdão - Página 51 de 69 496
05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
V O T O
A Senhora Ministra Cármen Lúcia (Vogal):
1. Em 9.5.2008, este Supremo Tribunal reconheceu a repercussão
geral da questão constitucional tratada no Recurso extraordinário n.
567.948, no qual se discute a “majoração da alíquota do IPI para o açúcar".
Em 27.7.2001, o Ministro-relator determinou a substituição do
paradigma de repercussão geral pelo presente processo.
2. Na origem, foi impetrado mandado de segurança contra delegado
da Receita Federal do Brasil objetivando o não pagamento do Imposto
sobre Produtos Industrializados em relação às saídas de açúcar das safras
dos anos de 1996/1997 e 1997/1998, realizadas desde janeiro de 1997.
3. No acórdão recorrido, afirmou-se que "deve-se observar uma regra
geral, que não admite distinções entre as pessoas jurídicas de direito público
mencionadas, fazendo cumprir o princípio da isonomia; e de outro lado uma
regra específica, que admite tratamento diferenciado visando justamente
promover o equilíbrio entre regiões que possuem dados característicos peculiares".
Diante disso, concluiu que "o elemento discriminador utilizado pelo
legislador na Lei 8.393/91, envolvendo diferentes áreas e Estados da Federação,
guarda correlação lógica com o propósito buscado, qual seja, garantir o equilíbrio
entre aqueles que se distinguem no desenvolvimento sócio-econômico",
acrescentando que "o juízo de essencialidade relacionado ao produto cabe ao
legislador. Assume, desse modo, caráter discricionário que não pode ser alterado
pela livre vontade do julgador sem demonstração de desobediência à
Constituição, à legislação ou ao próprio princípio da razoabilidade, razão pela
qual, a fixação de alíquotas em função de política nacional de preços não pode ser
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA
Inteiro Teor do Acórdão - Página 52 de 69 497
obstada pelo Judiciário".
4. O Recorrente alega: 1) ofensa aos arts. 149 e 153, IV, uma vez que
"o sistema constitucional pátrio não admite a utilização do IPI com o único
propósito de substituir, para a mesma finalidade, uma contribuição de
intervenção no domínio econômico"; 2) ofensa aos arts. 153, § 3º, I, uma vez
que "o IPI tem de ser, necessariamente, seletivo em função da essencialidade do
produto (...), não pode ter suas alíquotas alteradas sem considerar tal critério (a
essencialidade)" e que "no caso concreto, o produto é açúcar, alimento
indispensável da população e que desde o Decreto-Lei nº 399/38, até hoje vigente,
integra a cesta básica" ; 3) que "a exigência de IPI a alíquotas diferenciadas para
as operações realizadas na Região Sul, Rio de Janeiro e Espírito Santo e áreas da
Sudene e Sudam, fere o princípio da uniformidade consagrado no artigo 151,
inciso I, da Constituição Federal"; 4) ofensa aos arts. 150, II e 145, § 1º, dado
que "o critério de discriminação foi fixado em função do local onde se encontra o
produtor, não havendo qualquer vínculo que obrigue que consumo do produto
beneficiado pela isenção ou alíquota reduzida ocorra na mesma região, razão pela
qual a exigência em questão viola o princípio da isonomia" ; 5) "a concessão de
crédito presumido no bojo da Lei nº 9.532/97 desatendeu à determinação
constante do § 6º do art. 150 da CF-88, no sentido de que tal somente possa darse por lei específica".
5. Em contrarrazões, a União alega que "trata-se de questão afeta à
política econômica e reservada ao poder discricionário do legislador, e portanto,
excluída do crivo do Judiciário".
Afirma, ainda, que "o princípio da seletividade em função da
essencialidade do produto não implica, em absoluto, isenção do IPI. Significa
apenas que terá alíquota menor que a fixada para produtos supérfluos,
prevalecendo aquela que o legislador, no seu juízo político, estabelecer".
6. A Procuradoria-Geral da República opinou pelo desprovimento
do recurso extraordinário, nos termos da seguinte ementa:
“Recurso extraordinário. Tributário. IPI. Açúcar. Alegação de
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA
Inteiro Teor do Acórdão - Página 53 de 69 498
inconstitucionalidade das Leis 8.393/91 e 9.532/97, e Decretos 420/92
e 2.092/96. Desvio de finalidade, lesão à seletividade e essencialidade e
ausência de lei específica. Inexistência. Parecer pelo desprovimento do
recurso”.
7. A contrariedade aos arts. 149 e 150, § 6º, da Constituição da
República não foi objeto de debate e decisão prévios no Tribunal de
origem, tampouco os embargos de declaração opostos o foram com a
finalidade de comprovar ter havido, no momento processual próprio, o
prequestionamento. Incidem na espécie as Súmulas ns. 282 e 356 do
Supremo Tribunal Federal.
8. O Decreto n. 97.410/1988 aprovou a primeira Tabela de Incidência
do Imposto sobre Produtos Industrializados (TIPI) editada sob a vigência
da Constituição de 1988, atribuindo alíquota zero ao açúcar de cana.
O art. 1º da Lei n. 8.393/1991 extinguiu a contribuição sobre as saídas
de açúcar de cana (Decreto-Lei n. 308/1967) e os subsídios de equalização
de custos de produção de açúcar de cana, objeto da Política de Preço
Nacional Equalizador Açúcar e Álcool.
O art. 2º desse diploma legal estabeleceu, em contrapartida, alíquota
máxima de 18% (dezoito por cento) para o IPI incidente sobre a saída de
açúcar de cana, assegurando isenção para as saídas ocorridas nas áreas de
atuação da SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste) e da SUDAM (Superintendência do Desenvolvimento da
Amazônia).
O parágrafo único desse mesmo dispositivo previu ainda, em
relação aos Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, a possibilidade
de o Poder Executivo reduzir em até 50% (cinquenta por cento) a alíquota
do IPI incidente sobre o açúcar nas saídas para o mercado interno.
Transcrevo a redação do dispositivo legal em comento:
“Art. 2º Enquanto persistir a política de preço nacional
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA
Inteiro Teor do Acórdão - Página 54 de 69 499
unificado de açúcar de cana, a alíquota máxima do Imposto sobre
Produtos Industrializados - IPI incidente sobre a saída desse produto
será de dezoito por cento, assegurada isenção para as saídas ocorridas
na área de atuação da Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste - SUDENE e da Superintendência do Desenvolvimento da
Amazônia - SUDAM.
Parágrafo único. Para os Estados do Espírito Santo e do Rio de
Janeiro, é o Poder Executivo autorizado a reduzir em até cinqüenta
por cento a alíquota do IPI incidente sobre o açúcar nas saídas para o
mercado interno”.
O Decreto n. 420/1992 elevou para 18% (dezoito por cento) as
alíquotas do IPI incidente sobre o açúcar de cana. Também inseriu, na
Tabela de incidência de IPI, Nota Complementar redutora de 50%
(cinquenta por cento) das alíquotas do tributo incidente sobre esses
mesmos produtos, quando produzidos “por estabelecimentos industriais
localizados nos Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro”.
O Decreto n. 2.092/1996, pelo qual aprovada nova Tabela de
Incidência do IPI, manteve a tributação do açúcar à alíquota de 18%
(dezoito por cento).
A Lei n. 9.532/1997 revogou o art. 2º da Lei n. 8.393/1991, retirando
do ordenamento jurídico a previsão de alíquota máxima de 18% para o
IPI incidente sobre as saídas de açúcar de cana. Estabeleceu crédito
presumido aos produtores de açúcar de cana localizados nos estados do
Rio de Janeiro, Espírito Santo e da região Norte e Nordeste, benefício
posteriormente revogado pela Lei n. 9.779/1999:
“Art. 42. Os estabelecimentos produtores de açúcar de cana,
localizados nos estados do Rio de Janeiro e Espírito Santo e em estados
das regiões Norte e Nordeste, terão direito a crédito presumido,
calculado com base em percentual, fixado pelo Poder Executivo em
virtude do diferencial de custo da cana-de-açúcar entre as regiões
produtoras do País, a ser aplicado sobre o valor do produto saído do
estabelecimento e compensado com o IPI devido nas saídas de açúcar.
4
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA
Inteiro Teor do Acórdão - Página 55 de 69 500
Parágrafo único. A utilização de crédito presumido, calculado
em desacordo com a legislação, configura redução indevida do IPI,
sujeitando o infrator às penalidades previstas na legislação aplicável”.
9. No julgamento do Recurso Extraordinário n. 344.331 (Relatora
Ministra Ellen Gracie, DJ de 14.3.2003), no qual se postulava a extensão de
benefícios fiscais concedidos aos produtores de açúcar das regiões Norte
e Nordeste, a Primeira Turma deste Supremo Tribunal decidiu serem
constitucionais as alíquotas fixadas pela Lei n. 8.393/1991 e pelo Decreto
n. 2.501/1998. O voto condutor desse acórdão fundou-se nos seguintes
argumentos:
a) os incentivos fiscais combatidos foram concedidos de forma
abstrata, genérica, impessoal e com fundamento na Lei n. 8.393/1991 e no
Decreto n. 2.591/1998, preenchendo os requisitos formais para sua
implementação;
b) a Constituição da Republica admite, em seu art. 151, inc. I, a
concessão de incentivos fiscais destinados à promoção do equilíbrio do
desenvolvimento sócio-econômico entre as diversas regiões do país;
c) a concessão de isenção é ato discricionário do Poder Executivo,
por meio do qual, “fundado em juízo de conveniência e oportunidade,
implementa suas políticas fiscais, sociais e econômicas, utilizando o caráter
extrafiscal que pode ser atribuído aos tributos”;
d) não é possível ao Poder Judiciário, com base no princípio da
isonomia, estender isenção a contribuintes não contemplados pela lei.
10. A constitucionalidade da exação, nos termos do art. 2º da Lei n.
8.393/1991 e pelo Decreto n. 420/1992 também deve ser afirmada neste
caso.
Não procede o argumento de ofensa ao art. 151, inc. I, da
Constituição, norma consubstanciadora do princípio da uniformidade
5
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA
Inteiro Teor do Acórdão - Página 56 de 69 501
geográfica. A disposição constitucional admite expressamente “a
concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do
desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País”.
Na apreciação dos Embargos de Declaração no Agravo Regimental
no Agravo de Instrumento n. 515.168 (Relator Ministro Cezar Peluso, DJ
21.10.2005), o Ministro Cezar Peluso justificou o tratamento diferenciado
conferido em benefício dos produtores localizados nos Estado do Espírito
Santo e do Rio de Janeiro ao comparar a produção de açúcar nesses
estados com aquela dos Estados de São Paulo e Minas Gerais:
“3.1. Não encontro inconstitucionalidade na distinção criada
entre os Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro em relação aos
demais Estados da Região Sudeste.
Na exceção posta no art. 151, I, in fine, da Constituição da
República, que admite “a concessão de incentivos fiscais destinados a
promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as
diferentes regiões do País”, o termo “regiões” não pode interpretar-se
em acepção tão estrita que denote apenas o Sul, Sudeste, Centro Oeste,
Nordeste e Norte, porque dentro destas mesmas regiões existem outras
áreas geográficas que se distinguem entre si em termos econômicos e
sociais.
Embora gozem do mesmo status político-representativo na
estrutura da federação, não há como nem por onde equiparar os
Estados de São Paulo e de Minas Gerais ao Rio de Janeiro e Espírito
Santo, em termos de produção de açúcar.
A localização em si, enquanto critério de discriminação
tributária, guarda correlação com a necessidade de tratamento
legislativo distinto, tendente a estimular produção de açúcar de cana
nas regiões beneficiadas, razão por que não se lhe descobre ofensa à
isonomia (art. 150, II, da CF/88), nem à uniformidade da tributação
(art. 151, I)”.
No Agravo Regimental no Agravo de Instrumento n. 360.461
(Relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 27.3.2008), o
Ministro Celso de Mello também destacou a finalidade extrafiscal da
6
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA
Inteiro Teor do Acórdão - Página 57 de 69 502
isenção concedida pelo art. 2º da Lei n. 8.393/1991, a qual visava à
concretização objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil
veiculados no art. 3º, incs. II e III, da Constituição. Colho, do voto do
Ministro-relator:
“Tenho por inacolhível a pretensão recursal deduzida pela parte
agravante, eis que o critério de ordem espacial adotado pelo legislador
para justificar a outorga da isenção tributária em exame apoiou-se,
para efeito de sua concessão, em pressupostos lógicos e objetivos
legitimadores do tratamento normativo diferenciado estabelecido pelo
A “ratio” subjacente ao tratamento normativo estipulado pela
Lei nº 8.393/91 (art. 2º), a partir dos próprios reflexos que projeta na
área econômico-fiscal, evidencia que a delimitação de ordem espacial
condicionante do acesso do contribuinte ao benefício legal da isenção
tributária, em matéria de IPI sobre o açúcar de cana, foi estabelecida
com o fim precípuo de viabilizar a plena realização de objetivo estatal
nitidamente qualificado pela nota da extrafiscalidade.
É que a mencionada isenção, tal como prevista no art. 2º da Lei
nº 8.393/91, objetiva conferir efetividade ao art. 3º, incisos II e III, da
Constituição da Republica, eis que, nesse sentido, a função extrafiscal
do tributo atua como instrumento de promoção do desenvolvimento
nacional e de superação das desigualdades sociais e regionais.
Na realidade, a desequiparação operada pela norma legal em
causa encontra o seu fundamento racional na necessidade de o Estado
implementar políticas governamentais, cuja execução lhe incumbe
efetivar nos estritos limites de sua competência constitucional.
Impõe-se registrar, neste ponto, que esse entendimento – que
reconhece a legitimidade da utilização, pelo Estado, da extrafiscalidade
como instrumento legítimo à efetivação de seus objetivos sociais –
encontra apoio no magistério doutrinário de eminentes autores, tais
como PAULO DE BARROS CARVALHO (“Curso de Direito
Tributário”, p. 148/149, item n. 3, 4ª ed., 1991, Saraiva), KIYOSHI
HARADA (“Direito Financeiro e Tributário”, p. 386, item n. 12.5.1,
6ª ed., 2000, Atlas), JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES (“Teoria Geral
da Isenção Tributária”, p. 70/71, item n. VIII, 3ª ed., 2001,
Malheiros), DANIELA RIBEIRO DE GUSMÃO (“Incentivos
7
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA
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Fiscais, Princípios da Igualdade e da Legalidade e Efeitos no Âmbito
do ICMS”, p. 29/36, item n. 23, 2005, Lumen Juris), HELENILSON
CUNHA PONTES (“O Princípio da Capacidade Contributiva e
Extrafiscalidade: Uma Conciliação Possível e Necessária”, “in”
Ordem Econômica e Social, p. 144/159, 152) e FLÁVIO DE
AZAMBUJA BERTI (“Impostos: Extrafiscalidade e Não-Confisco”,
p. 34/37, item n. 1.4, 2003, Juruá).
Vê-se, pois, que a isenção tributária em exame, precisamente
porque se acha despojada de qualquer coeficiente de arbitrariedade, não
se qualifica, presentes as razões de política governamental que lhe são
subjacentes, como instrumento de ilegítima outorga de privilégios
estatais em favor de determinados estratos de contribuintes.
A ausência de elementos arbitrários no conteúdo intrínseco da
norma legal em causa evidencia que se respeitou, no processo de sua
formal positivação jurídica, a exigência constitucional que impõe, ao
Poder Público, a observância do princípio da igualdade na lei”.
Conquanto esse julgamento tenha sido anulado para se aguardar o
deslinde do presente caso ( AI 360.461-AgR-ED, Relator Ministro Celso de
Mello, Segunda Turma, DJe 10.6.2011), observo que esse mesmo
entendimento foi adotado pela Segunda Turma em precedentes que
transitaram em julgado:
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE
INSTRUMENTO. DECRETO N. 420/92. LEI N. 8.393/91. IPI.
ALÍQUOTA REGIONALIZADA INCIDENTE SOBRE O
ACÚCAR. ALEGADA OFENSA AO DISPOSTO NOS ARTS. 150,
I, II e § 3º, e 151, I, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
CONSTITUCIONALIDADE.
1. O decreto n. 420/92 estabeleceu alíquotas diferenciadas ---
incentivo fiscal --- visando dar concreção ao preceito veiculado pelo
artigo 3º da Constituição, ao objetivo da redução das desigualdades
regionais e de desenvolvimento nacional. Autoriza o o art. 151, I da
2. A alíquota de 18% para o açúcar de cana não afronta o
princípio da essencialidade. Precedente.
3. A concessão do benefício da isenção fiscal é ato discricionário,
8
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA
Inteiro Teor do Acórdão - Página 59 de 69 504
fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder Público,
cujo controle é vedado ao Judiciário. Precedentes.
Agravo regimental a que se nega provimento”. (AI 630.997-AgR, Relator Ministro Eros Grau, Segunda Turma, DJe 18.5.2007)
“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. DECRETO N. 420/92. LEI N. 8.393/91. IPI.
ALÍQUOTA REGIONALIZADA INCIDENTE SOBRE O
ACÚCAR. ALEGADA OFENSA AO DISPOSTO NOS ARTS. 150,
I, II e § 3º, e 151, I, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
CONSTITUCIONALIDADE.
1. O decreto n. 420/92 estabeleceu alíquotas diferenciadas ---
incentivo fiscal --- visando dar concreção ao preceito veiculado pelo
artigo 3º da Constituição, norma-objetivo que define a redução das
desigualdades regionais e o desenvolvimento nacional. Autoriza o o
art. 151, I, da Constituição.
2. A fixação da alíquota de 18% para o açúcar de cana não
afronta o princípio da essencialidade. Precedentes.
3. A concessão do benefício da isenção fiscal é ato discricionário,
fundado em juízo de conveniência e oportunidade do Poder Executivo,
cujo controle é vedado ao Judiciário. Precedentes.
Agravo regimental a que se nega provimento”. (RE 480.107-AgR, Relator Ministro Eros Grau, Segunda Turma, DJe 27.3.2009)
11. Não se desconhece a doutrina no sentido da inviabilidade de se
utilizarem as alíquotas do IPI para equalizar custos de produção de
regiões distintas.
Ao contrário do que sustentam, no entanto, não há norma
constitucional obstativa da utilização de alíquotas diferenciadas de IPI
como forma de mitigar as desigualdades regionais existentes no país,
mormente se a alíquota máxima fixada para o produto se encontra em
consonância com o princípio da seletividade.
Ricardo Lobo Torres defende que a Constituição conferiu certo
espaço de atuação ao legislador na gradação das alíquotas do IPI em
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA
Inteiro Teor do Acórdão - Página 60 de 69 505
razão da essencialidade do produto, ante a inexistência de critérios
objetivos para nortear essa atividade:
“15. A TIPI, ao estruturar a escala de valoração da
essencialidade dos bens, resulta sempre do trabalho discricionário do
legislador. Não há indicações, no direito positivo, de critérios
específicos para graduar a necessidade social dos produtos
industrializados. Sendo o sub-princípio da seletividade em função da
essencialidade vinculado ao princípio maior da capacidade
contributiva, que, por seu turno, se subordina à ideia de justiça
distributiva, segue-se que a sua concretização na norma jurídica se faz
mediante os critérios jurídicos e éticos do legislador, que lhe abrem a
possibilidade de valorar os dados políticos e econômicos da conjuntura
social. Em suma, não existe nenhuma ‘regra de ouro’, clara e unívoca,
aplicável à justiça tributária em matéria de impostos sobre o
consumo” (TORRES, Ricardo Lobo. O IPI e o Princípio da
Seletividade. In: Revista Dialética de Direito Tributário, n. 18, p. 94-102, mar. 1997, p. 98)
12. Na espécie, a Lei n. 8.393/1991 estabeleceu, como alíquota
máxima do IPI sobre o açúcar de cana, o montante de 18% (dezoito por
cento). Esse percentual mostra-se razoável se levadas em consideração as
alíquotas atribuídas, pelo Decreto n. 2.092/1996, a produtos considerados
supérfluos, de luxo ou de uso danoso à saúde (ex.: pérolas naturais,
tributadas à alíquota de 30%; revólveres e pistolas, tributados à alíquota
de 45%; automóveis de corrida de cilindrada superior a 3.000 cm³,
tributados à alíquota de 50%; iates, tributados à alíquota de 50%;
isqueiros de bolso, a gás, recarregáveis, de metais preciosos, tributados à
alíquota de 60%; cachaça e caninha, tributados à alíquota de 130%;
cigarros não contendo tabaco, tributados à alíquota de 365,63%).
Ao julgar os Embargos de Declaração no Agravo Regimental no
Agravo de Instrumento n. 515.168 (Relator Ministro Cezar Peluso, DJ
21.10.2005), o Ministro-relator consignou que o art. 2º da Lei n. 8.393/1991
não ofendia o princípio da seletividade, pois a alíquota por ele fixada era
razoável, considerada a essencialidade do produto tributado. Destaco, do
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA
Inteiro Teor do Acórdão - Página 61 de 69 506
voto do Ministro Cezar Peluso:
“3.2. Quanto à ofensa à essencialidade (art. 153, § 3º, I, da
Constituição da República), tampouco assiste razão às recorrentes.
O que pleiteiam é o reconhecimento de imunidade do açúcar de
cana, coisa que não encontra amparo no texto constitucional. A
seletividade do IPI, inscrita no art. 153, § 3º, I, da Constituição
Federal, não se confunde com imunidade, de modo que os produtos
podem ser tributados, desde que a tributação seja graduada em
“função da essencialidade”. E fixação da alíquota máxima do IPI
incidente sobre o açúcar de cana em 18% (dezoito por cento) não
vulnera tal essencialidade.
Perante o caso do “cigarro contendo fumo (tabaco)”,
classificado na Tabela do IPI sob o nº 2402.20.00 e que é tributado à
alíquota de 330% (trezentos trinta por cento), segundo o Decreto nº
4.542/2002, vê-se logo que é razoável a alíquota máxima de 18%
(dezoito por cento) para o açúcar de cana.
A essencialidade é termo fluido, impreciso, de textura aberta,
cuja reconstituição semântica depende da cultura de cada intérprete, o
que abre certa margem de discricionariedade ao Legislativo para lhe
determinar o conteúdo e alcance, sem prejuízo do núcleo significante
mínimo, fora do qual a cláusula constitucional seria insultada, como
sucederia, por exemplo, se fixada a alíquota em 50% (cinqüenta por
cento), o que não é o caso. Ademais, a alíquota de 18% (dezoito por
cento) é máxima, donde pode o Executivo reduzi-la in concreto.
Não vislumbro, pois, ofensa ao art. 153, § 3º, I, da
Constituição Federal”.
A previsão da alíquota máxima de 18% (dezoito por cento) ao IPI
incidente sobre o açúcar de cana não ofendeu o princípio da seletividade.
13. Pelo exposto, conheço parcialmente do recurso extraordinário e,
na parte conhecida, a ele nego provimento , fixando a seguinte tese, com
repercussão geral: “é constitucional a alíquota de 18% do IPI incidente sobre a
saída de açúcar da cana, bem como o tratamento tributário mais benéfico
concedido, pelo art. 2º, caput e parágrafo único, da Lei 8.393/1991, aos
produtores localizados nos Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro e nas
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Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA
Inteiro Teor do Acórdão - Página 62 de 69 507
áreas de atuação da SUDENE e da SUDAM”.
É o meu voto.
Supremo Tribunal Federal
Proposta
Inteiro Teor do Acórdão - Página 63 de 69 508
05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – A tese
que proponho é a seguinte:
Surge constitucional, sob o ângulo do caráter seletivo, em
função da essencialidade do produto e do tratamento
isonômico, o artigo 2º da Lei nº 8.393/1991, a revelar alíquota
máxima de Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI de
18%, assegurada a isenção quanto aos contribuintes situados na
área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento do
Nordeste – SUDENE e da Superintendência de
Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM e a autorização para
redução de até 50% da alíquota, presentes contribuintes
situados nos Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro.
Foi a matéria julgada.
Supremo Tribunal Federal
Votos/Proposta
Inteiro Teor do Acórdão - Página 64 de 69 509
05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
VOTO S/ PROPOSTA
O SENHOR MINISTRO ROBERTO BARROSO - A ementa do
Ministro Marco Aurélio, que corresponde aos temas tratados por ele no
voto, nem todas essas questões foram enfrentadas, ou pelo menos eu não
enfrentei. De modo que eu ficaria com uma tese mais minimalista de
afirmação da constitucionalidade da lei neste tratamento diferenciado.
Pedindo vênia ao Ministro Marco Aurélio, acho que a tese reflete a análise
que Sua Excelência fez da matéria, mas, em verdade, não reflete a análise
que eu fiz.
Supremo Tribunal Federal
Votos/Proposta
Inteiro Teor do Acórdão - Página 65 de 69 510
05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
VOTO S/ PROPOSTA
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN - Se o Ministro Barroso
me permite, eu gostaria de registrar que examinei todos esses aspectos na
declaração de voto e, com as vênias do Ministro Barroso, acompanho
integralmente a tese. Também fui convocado para o Eleitoral, peço licença
a Vossa Excelência e aos pares e deixo a manifestação integralmente
favorável à tese.
Supremo Tribunal Federal
Votos/Proposta
Inteiro Teor do Acórdão - Página 66 de 69 511
05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
VOTO S/ PROPOSTA
O SENHOR MINISTRO ALEXANDRE DE MORAES - Eu
acompanho o Ministro Barroso na tese minimalista.
Supremo Tribunal Federal
Votos/Proposta
Inteiro Teor do Acórdão - Página 67 de 69 512
05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
VOTO S/ PROPOSTA
O SENHOR MINISTRO RICARDO LEWANDOWSKI - Também
eu, Senhora Presidente, em meu voto, tangenciei essas teses abordadas,
agora, na temática que o Ministro-Relator oferece à consideração do
Plenário. Portanto, acompanho integralmente a proposta de Sua
Excelência, pedindo vênia à divergência.
Supremo Tribunal Federal
Votos/Proposta
Inteiro Teor do Acórdão - Página 68 de 69 513
05/04/2017 PLENÁRIO
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145 SÃO PAULO
VOTO S/ PROPOSTA
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: Quanto à tese ora
proposta, peço vênia para acompanhar o dissenso iniciado pelo eminente
Ministro ROBERTO BARROSO.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) – Na tese,
simplesmente digo que a lei atende ao princípio da essencialidade e ao
princípio isonômico, matérias julgadas pelo Colegiado.
Supremo Tribunal Federal
ExtratodeAta-05/04/2017
Inteiro Teor do Acórdão - Página 69 de 69 514
PLENÁRIO EXTRATO DE ATA
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 592.145
PROCED. : SÃO PAULO RELATOR : MIN. MARCO AURÉLIO
RECTE.(S) : USINA COLORADO - AÇÚCAR E ÁLCOOL OSWALDO RIBEIRO DE
MENDOÇA LTDA
ADV.(A/S) : LUIS HENRIQUE DA COSTA PIRES (154280/SP)
ADV.(A/S) : HAMILTON DIAS DE SOUZA (020309/SP)
RECDO.(A/S) : UNIÃO
ADV.(A/S) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
Decisão : O Tribunal, por unanimidade e nos termos do voto do
Relator, apreciando o tema 080 da repercussão geral, conheceu
parcialmente do recurso e, na parte conhecida, negou-lhe
provimento. Em seguida, por maioria, o Tribunal fixou a seguinte
tese de repercussão geral: “Surge constitucional, sob o ângulo do
caráter seletivo, em função da essencialidade do produto e do
tratamento isonômico, o artigo 2º da Lei nº 8.393/1991, a revelar
alíquota máxima de Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI
de 18%, assegurada isenção, quanto aos contribuintes situados na
área de atuação da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste
– SUDENE e da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia –
SUDAM, e autorização para redução de até 50% da alíquota,
presentes contribuintes situados nos Estados do Espírito Santo e
do Rio de Janeiro”, vencidos, na redação da tese, os Ministros
Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Celso de Mello. Ausente,
neste julgamento, o Ministro Gilmar Mendes. Falaram: pela
recorrente, Usina Colorado - Açúcar e Álcool Oswaldo Ribeiro de
Mendonça Ltda, o Dr. Hamilton Dias de Souza; e, pela recorrida,
União, a Drª. Luciana Miranda Moreira, Procuradora da Fazenda
Nacional. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário,
5.4.2017.
Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. Presentes à
sessão os Senhores Ministros Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar
Mendes, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli, Luiz Fux, Rosa Weber,
Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.
Vice-Procurador-Geral da República, Dr. José Bonifácio Borges
de Andrada.
p/ Doralúcia das Neves Santos
Assessora-Chefe do Plenário