28 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Supremo Tribunal Federal STF - INQUÉRITO: Inq 3674 RJ - RIO DE JANEIRO 9988534-90.2013.1.00.0000
Publicado por Supremo Tribunal Federal
Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Primeira Turma
Julgamento
7 de Março de 2017
Relator
Min. LUIZ FUX
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Ementa
PENAL. DENÚNCIA. CRIME DE INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES LEGAIS OU EM INOBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES PERTINENTES. ART. 89 DA LEI 8.666/93. CELEBRAÇÃO DE TERMO DE PARCERIA ENTRE MUNICIPALIDADE E OSCIP NO ÂMBITO DA SECRETARIA DE SAÚDE. PARECER JURÍDICO DA PROCURADORIA-GERAL DO MUNICÍPIO NO SENTIDO DA INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO. ERRO QUANTO A ELEMENTO CONSTITUTIVO DO TIPO. CRIME FORMAL: DISPENSA-SE O RESULTADO DANOSO, MAS NÃO A DESCRIÇÃO DE AÇÃO FINALISTICAMENTE VOLTADA À LESÃO DO PATRIMÔNIO PÚBLICO. DISTINÇÃO ENTRE ILÍCITO ADMINISTRATIVO E PENAL. CONCURSO DE AGENTES. DISTINÇÃO ENTRE COAUTORIA E AUTORIA COLATERAL: NECESSIDADE DO ACORDO SUBJETIVO ENTRE COAUTORES E PARTÍCIPES, VOLTADO À CONSECUÇÃO COMUM DA PRÁTICA CRIMINOSA. JUSTA CAUSA NÃO CONFIGURADA. DENÚNCIA REJEITADA.
1. O Direito Penal constitui a ultima ratio legis quanto às condutas humanas, por isso que deve incidir somente quando indispensável para a manutenção da ordem jurídica, posto inexistir norma jurídica para controlar e sancionar ações que violem expectativas normativas de maior intensidade.
2. Os princípios que regem a Administração Pública, insculpidos na lei maior, recebem distintos graus de proteção do ordenamento, razão pela qual a violação dos mesmos nem sempre constitui ilícito jurídico penal.
3. O agir administrativamente ilícito distingue-se do agir criminoso previsto no tipo penal do art. 89 da Lei 8.666/93 à luz de três critérios cunhados a partir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a saber: (i) a inexigibilidade da licitação fundada em parecer jurídico lavrado idoneamente pelo órgão competente descaracteriza o crime (Precedentes: Inq. 2482, Tribunal Pleno, Rel. p/ acórdão Min. Luiz Fux; Inq. 3731, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes; AP 560, Segunda Turma, Rel. Min. Dias Toffoli); (ii) o especial fim de lesar o erário ou promover enriquecimento ilícito dos acusados é de rigor para configurar a infração penal (Precedentes: Inq. 3.965, Segunda Turma, Rel. Min. Teori Zavascki; AP 700, Segunda Turma, Rel. Min. Dias Toffoli; Inq. 3.731, Segunda Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes; dentre outros); (iii) o vínculo subjetivo entre os agentes no concursus delinquentium deve ser minuciosamente descrito para fins de imputabilidade (AP 595, Primeira Turma, Rel. Min. Luiz Fux).
4. (i) O parecer jurídico do órgão técnico especializado, favorável à inexigibilidade, impede a tipificação criminosa da conduta, precisamente por afastar, a priori, a ciência da ilicitude da inexigibilidade e determina o erro do agente quanto a elemento do tipo, qual seja, a circunstância fora das hipóteses legais (art. 20 do Código Penal). (ii) A distinção do ilícito administrativo (ato de improbidade) do ilícito penal (ato criminoso) reclama que a exordial acusatória narre a ação finalística do agente, voltada à obtenção de vantagem indevida por meio da dispensa da licitação, violando, com isto, o bem jurídico penal protegido pelo tipo incriminador; (iii) A imputação do crime definido no art. 89 da Lei 8.666/93 a uma pluralidade de agentes demanda a descrição indiciária, na exordial acusatória, do vínculo subjetivo entre os participantes, para a obtenção do resultado criminoso; (iv) O concurso de agentes caracteriza-se pelo liame subjetivo entre coautores ou partícipes na prática criminosa comum, configurado pelo mútuo acordo evidenciado seja por prova oral, seja pelo iter criminis ou por outros elementos reunidos no curso da investigação; (v) Distingue-se, dogmaticamente, a coautoria da denominada Autoria Colateral, que se define pela ausência de vínculo subjetivo entre vários agentes, que, simultaneamente, produzem um resultado típico em regra culposo, como, v. g., em delitos de trânsito; (vi) a ausência de elementos indiciários do conluio entre os agentes obsta a caracterização da justa causa para o recebimento da denúncia que impute prática criminosa em coautoria ou participação.
5. In casu, (i) o Acusado, então Prefeito de Três Rios, firmou Termo de Parceria com Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, mediante procedimento de inexigibilidade de licitação, à luz do parecer jurídico da Procuradoria-Geral do Município, razão pela qual o órgão do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em atuação perante o Tribunal de Justiça daquela unidade da Federação manifestou-se pela inexistência de justa causa para imputação do crime definido no art. 89 da Lei 8.666/93, que restou incluído na denúncia oferecida pelo órgão de primeiro grau, sendo certo que esta questão não foi apreciada, porquanto o feito sofreu o deslocamento da competência por força do fim do mandato do Prefeito; (ii) a denúncia não descreveu eventual finalidade do Acusado de obter proveito ilícito, em detrimento do erário, por meio da parceria firmada com a OSCIP e a investigação não coligiu elementos quanto à forma de emprego dos recursos públicos destinados à execução da parceria, inexistindo menção a qualquer indício de superfaturamento ou de desvios, sendo certo que os serviços foram efetivamente prestados, não se tratando dos denominados servidores fantasmas; (iii) deveras, a investigação não reuniu elementos indicativos do mútuo acordo entre os agentes para a execução da empreitada criminosa em comum, omitindo-se na descrição da existência de liame subjetivo entre os acusados na comissão do crime, que se imputou, em concurso de agentes, ao ex-Prefeito, ao ex-Secretário de Saúde e ao então Presidente da PROMUR; (iv) Consectariamente, não mencionou a existência sequer de um indício de atuação conjunta, de vínculo pessoal ou de ajuste entre os acusados, para afastarem a licitação e obterem o proveito da empreitada criminosa; (v) a denúncia indica que o Termo de Parceria teria se destinado à contratação direta de mão-de-obra voltada à área fim, e que deveria ser contratada mediante concurso público, além da afirmação de que parte dos prestadores de serviços contratados no âmbito da parceria não tinha qualquer relação com a área de saúde; (vi) a supervisão da execução da parceria não cabia ao Prefeito, mas ao Secretário de Saúde, Sr. Walter Luiz Ribeiro Lavinas, que firmou o Termo de Parceria indicado pelo Município como Supervisor (fls. 90 do Apenso 2); (vii) a denúncia não esclareceu, minimamente, se os prestadores de serviços de áreas distintas da saúde foram contratados no âmbito do Termo de Parceria indigitado na exordial ou no âmbito de outras parcerias, sendo certo que na lista constam psicólogos, médicos, auxiliares de laboratório, técnicos em radiologia, médicos em radiologia e protéticos contratados ao longo dos serviços prestados, profissionais definitivamente vinculados à área específica (fls. 140/141 do Apenso 2). (viii) Consequentemente, impõe-se a conclusão de que a inicial acusatória falhou em demonstrar, minimamente, que o Prefeito, ao firmar o Termo de Parceria com a PROMUR, no âmbito da Secretaria de Saúde, e seus respectivos Termos Aditivos, teria também autorizado a contratação de prestadores de serviços de outras áreas, para o exercício de atividades fins exclusivas de servidores públicos.
6. À míngua de elementos que confiram suporte probatório à instauração de ação penal, pela prática do crime definido no art. 89 da Lei 8.666/93, deve-se rejeitar a denúncia.
Decisão
Após os votos dos Senhores Ministros Luiz Fux, Relator, e Luís Roberto Barroso, que não recebiam a denúncia ante a falta de justa causa, pediu vista do processo a Senhora Ministra Rosa Weber. Falaram: a Dra. Ela Wiecko Volkmer de Castilho, Subprocuradora-Geral da República, pelo Ministério Público Federal, e o Dr. Thiago Machado, pelo Investigado. Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Primeira Turma, 21.2.2017. Decisão: Por maioria de votos, a Turma não recebeu a denúncia, nos termos do voto do Relator, vencido o Senhor Ministro Marco Aurélio, Presidente. Primeira Turma, 7.3.2017.
Referências Legislativas
- LEG-FED CF ANO-1988 CF-1988 CONSTITUIÇÃO FEDERAL
- LEG-FED EMC-000001 ANO-1969 EMENDA CONSTITUCIONAL
- LEG-FED LEI-008492 ANO-1992 LEI ORDINÁRIA
- LEG-FED LEI-008666 ANO-1993 ART-00024 ART-00025 ART-00026 ART-00089 PAR- ÚNICO LLC-1993 LEI DE LICITAÇÕES
- LEG-FED LEI-009637 ANO-1998 LEI ORDINÁRIA
- LEG-FED LEI-009790 ANO-1999 LEI ORDINÁRIA
- LEG-FED DEL-002848 ANO-1940 ART-00020 CP-1940 CÓDIGO PENAL
- LEG-FED DEL-003689 ANO-1941 ART-00395 INC-00003 ART-00397 INC-00001 INC-00002 INC-00003 INC-00004 CPP-1941 CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
- LEG-FED DEL-000201 ANO-1967 ART-00001 INC-00013 DECRETO-LEI
- LEG-FED DEC-003100 ANO-1999 DECRETO
Observações
- Acórdão (s) citado (s): (INEXIGIBILIDADE, LICITAÇÃO, PARECER JURÍDICO) Inq 2482 (TP), AP 560 (2ªT), Inq 3731 (2ªT). (DOLO ESPECÍFICO, LESÃO AO ERÁRIO) Inq 2616 (TP), Inq 2688 (2ªT), AP 559 (1ªT), Inq 3077 (TP), AP 595 (1ªT), AP 700 (2ªT), Inq 3731 (2ªT), Inq 3965 (2ªT), Inq 4101 (2ªT), Inq 4104 (2ªT), Inq 4106 (2ªT), AP 527 (TP). (DEFINIÇÃO JURÍDICA, DISPENSA DE LICITAÇÃO) Inq 2578 (TP), AP 580 (1ªT), AP 683 (2ªT). - Veja AP 912 do STF. Número de páginas: 64. Análise: 23/11/2017, JSF. Revisão: 07/12/2017, AMA.