28 de Junho de 2022
- 2º Grau
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Detalhes da Jurisprudência
Órgão Julgador
Julgamento
Relator
Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro
Inteiro Teor
Supremo Tribunal Federal
EmentaeAcórdão
Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 42 689
27/03/2018 SEGUNDA TURMA
INQUÉRITO 4.347 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
AUTOR (A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : ROMERO JUCÁ
ADV.(A/S) : LILIANE DE CARVALHO GABRIEL
INVEST.(A/S) : JORGE GERDAU JOHANNPETER
ADV.(A/S) : NILO BATISTA E OUTRO (A/S)
EMENTA: INQUÉRITO. DENÚNCIA. CORRUPÇÃO PASSIVA
MAJORADA, CORRUPÇÃO ATIVA E LAVAGEM DE DINHEIRO (ART.
317, § 1º, ART. 333, § 1º, AMBOS DO CÓDIGO PENAL E ART. 1º, V, DA
LEI 9.613/1998). INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA.
DESCRIÇÃO SATISFATÓRIA DE ATOS SUPOSTAMENTE ILÍCITOS.
REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
OBSERVADOS. FRAGILIDADE DOS INDÍCIOS APRESENTADOS À
DEFLAGRAÇÃO DA PERSECUTIO CRIMINIS IN JUDICTIO.
AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA CONFIGURADA. DENÚNCIA
REJEITADA.
1. Não contém vício a impedir o exame da deflagração de ação penal
denúncia que descreve, de forma lógica e coerente, a imputação no
contexto em que se insere, permitindo aos acusados compreendê-la e
exercer o direito de defesa ( AP 560, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Segunda
Turma, DJe de 11.6.2015; INQ 3.204, Rel. Min. GILMAR MENDES,
Segunda Turma, DJe de 3.8.2015).
2. Na espécie, mesmo formalmente apta, a proposta acusatória
sucumbe diante da fragilidade dos elementos de informação
apresentados para lhe dar suporte, circunstância que evidencia a
impossibilidade da deflagração de ação penal desprovida de justa causa,
nos termos do art. 6º, caput, da Lei n. 8.038/1990, c/c art. 395, III, do
3. A narrativa que pretende estabelecer a correlação entre a doação
eleitoral supostamente negociada em favor de Romero Jucá Filho e os
Supremo Tribunal Federal
EmentaeAcórdão
Inteiro Teor do Acórdão - Página 2 de 42 690
INQ 4347 / DF
depósitos realizados pela Gerdau Comercial de Aços S/A nas contas de
campanha do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) não
encontra suporte indiciário seguro para o prosseguimento da persecutio
criminis in judictio, seja pela flagrante diferença de valores repassados por
intermédio do Comitê Financeiro Estadual em determinadas doações, seja
pela dificuldade em se identificar, à míngua de dados indiciários
concretos, a origem do dinheiro, devido à intensa movimentação de
depósitos verificados em favor do comitê, permitida, à época, doação
eleitoral de pessoas jurídicas.
4. Denúncia rejeitada.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do
Senhor Ministro Edson Fachin, na conformidade da ata de julgamento e
das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em rejeitar a
denúncia, nos termos do voto do Relator.
Brasília, 27 de março de 2018.
Ministro EDSON FACHIN
Relator
2
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 3 de 42 691
27/03/2018 SEGUNDA TURMA
INQUÉRITO 4.347 DISTRITO FEDERAL
RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
AUTOR (A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : ROMERO JUCÁ
ADV.(A/S) : LILIANE DE CARVALHO GABRIEL
INVEST.(A/S) : JORGE GERDAU JOHANNPETER
ADV.(A/S) : NILO BATISTA E OUTRO (A/S)
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): 1. A Procuradoria
Geral da República, em data de 18.8.2017 (fls. 317-354), ofereceu denúncia
em desfavor do Senador da República Romero Jucá Filho e Jorge Gerdau
Johannpeter, imputando, ao primeiro, a prática do crime de corrupção
passiva majorada (art. 317, § 1º, do Código Penal) e, ao segundo, o delito
de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal), tendo-lhes atribuído, ainda,
a responsabilidade pela prática do crime de lavagem de dinheiro (art. 1º,
V, e § 4º da Lei 9.613/1998 c/c art. 71 do Código Penal), na forma do art. 69
do Código Penal (concurso material).
Sintetizando as imputações, assinala o órgão acusatório (fl. 795):
“(...)
Nos anos de 2010 e 2014, ROMERO JUCÁ FILHO, com
vontade livre e consciente, recebeu, em razão de sua função de
Senador, vantagem indevida, no montante de R$ 1.333.333,00,
paga mediante diversas doações oficiais.
Por sua vez, em 2010 e 2014, JORGE GERDAU
JOHANNPETER, na condição de representante do grupo
GERDAU, prometeu o pagamento da vantagem indevida,
operacionalizada por meio de doações oficiais aos diretórios do
PMDB Nacional e do Estado de Roraima, com o fim de
determinar ROMERO JUCÁ FILHO a praticar atos de ofício,
consistentes em favorecer legislativamente a pessoa jurídica.
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 4 de 42 692
INQ 4347 / DF
Com o propósito de ocultar e dissimular a natureza,
origem, localização, disposição, movimentação e propriedade
de valores provenientes, direta ou indiretamente, da prática de
crime contra a administração pública, JORGE GERDAU
JOHANNPETER, com vontade livre e consciente, comunhão de
desígnios e divisão de tarefas, ajustou o pagamento da
vantagem indevida a ROMERO JUCÁ FILHO por meio de
doações efetivadas ao Diretório Nacional e ao Diretório
Estadual de Roraima do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB), no valor total de R$ 1.333.333,00.
Esses valores seguiram dos Diretórios, inclusive mediante
diversas operações fracionadas, de forma a ocultar e dissimular
a natureza, origem, localização, disposição, movimentação e
propriedade de valores provenientes, direta ou indiretamente,
de prática de crime contra a administração pública, para a sua
campanha ao Senado em 2010 e às campanhas do seu filho,
RODRIGO DE HOLANDA MENEZES JUCÁ, candidato ao
cargo de Vice-Governador de Roraima em 2014.
Em contrapartida, ROMERO JUCÁ, na condição de
Senador, atuou favoravelmente aos interesses do grupo
GERDAU ao menos na tramitação da Medida Provisória n.
627/2013, convertida na Lei n. 12.973/2014, da qual foi o relatorrevisor no âmbito do Senado Federal”.
Ao explicitar os fatos em relação aos denunciados Romero Jucá Filho
e Jorge Gerdau Johannpeter, no que importa à presente fase processual, a
Procuradoria-Geral da República narra que, nas eleições dos anos de 2010
e 2014, foram realizadas doações eleitorais advindas da empresa Gerdau
Comercial de Aços S/A para os Diretórios Nacional e Estadual de
Roraima do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), bem
como efetuados subsequentes repasses, por parte desses respectivos
diretórios, ao Comitê Financeiro da campanha eleitoral de Romero Jucá
Filho em 2010 e, em 2014, à campanha ao Governo de Roraima, na qual o
filho do parlamentar acusado concorrera ao cargo de Vice-Governador.
Ainda conforme a denúncia, as transferências realizadas no pleito do
2
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 5 de 42 693
INQ 4347 / DF
ano de 2010 ocorreram do seguinte modo: (i) em 27.8.2010, a Gerdau
Comercial de Aços S/A doou R$ 100.00,00 (cem mil reais) ao Diretório do
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) em Roraima; (ii)
três (3) dias após, em 30.8.2010, houve a transferência de R$ 110.000,00
(cento e dez mil reais) do referido diretório partidário para a campanha
eleitoral de Romero Jucá Filho; (iii) a empresa efetuou, ainda, doações ao
Diretório Nacional do Partido do Movimento Democrático Brasileiro
(PMDB), no valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) no dia 1º.9.2010;
R$ 400.00,00 (quatrocentos mil reais) no dia 13.9.2010; e de R$ 800.000,00
(oitocentos mil reais) em 23.9.2010; (iv) no dia 2.9.2010, o Comitê
Financeiro do Senador Romero Jucá recebeu R$ 250.000,00 (duzentos e
cinquenta mil reais), via transferência do aludido diretório nacional; (v)
em setembro daquele mesmo ano, o mesmo Diretório Nacional do
Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) realizou
transferências ao referido comitê financeiro, nos valores de R$
1.000.000,00 (um milhão de reais) em 22.9.2010 e de R$ 2.100.000,00 (dois
milhões e cem mil reais), em dois (2) repasses efetuados no dia 29.9.2010.
No que toca ao pleito eleitoral de 2014, retratou a acusação as
seguintes doações: (i) em 10.9.2014, foram repassados R$ 183.333,00 (cento
e oitenta e três mil, trezentos e trinta e três reais) para o Diretório
Nacional do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB); (ii)
em 24.9.2014, foram doados R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais)
para o Diretório Regional do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB) em Roraima; (iii) no dia 23.10.2014, foi realizada
doação ao citado diretório nacional no valor de R$ 100.000,00 (cem mil
reais); (iv) em 30.9.2014, o Diretório Estadual do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB) de Roraima transferiu o valor de R$
150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) ao Comitê Financeiro para
Governador de Roraima; (v) no citado dia 23.10.2014, o Diretório
Nacional da agremiação partidária doou R$ 893.000,00 (oitocentos e
noventa e três mil reais) ao comitê financeiro para Governador de
Roraima.
Em contrapartida às vantagens aportadas às contas eleitorais do
3
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 6 de 42 694
INQ 4347 / DF
denunciado Romero Jucá e de seu filho, o Senador acusado tratou
diretamente dos interesses tributários do Grupo Gerdau, representado
pelo também denunciado Jorge Gerdau Johannpeter, na condição de
relator revisor da tramitação da Medida Provisória 627/2013 no Senado
Federal.
A denúncia, com esteio no material extraído da Ação Cautelar 4.044
alusivo às nomeações de dirigentes da Petrobras S/A e, especificamente, à
tramitação da Medida Provisória 579, parte do pressuposto de que a
relatoria para a condução do processo legislativo referente à Medida
Provisória 627/2013 atribuída, na Câmara dos Deputados, ao exDeputado Federal Eduardo Cunha e, no Senado Federal, ao parlamentar
aqui acusado Romero Jucá Filho “não foi mera coincidência”, mas defluiu
da atuação concertada de ambos os congressistas no “interesse de muitos
grandes grupos empresariais” (fl. 334).
Discrimina às fls. 338-342, nesse contexto, mensagens eletrônicas
trocadas entre os denunciados onde tratam da redação final da MP
627/2013, de modo que, “após essas mensagens de Jorge Gerdau Johannpeter, a
complementação de voto apresentada pelo ex-Deputado Eduardo Cunha
contemplou o texto integral repassado pela Gerdau, destacando-se o § 2º, com a
redação sugerida em troca de mensagens com Romero Jucá, implementado por
meio do art. 97 daquele relatório” (fl. 342). A redação final da MP 627/2013
foi, então, aprovada pelo Senado Federal, com voto favorável de Romero
Jucá.
A partir dessa descrição fática, conclui a Procuradoria-Geral da
República estar confirmada “a dinâmica entre ROMERO JUCÁ e JORGE
GERDAU JOHANNPETER envolvendo a atuação ilícita do Senador no
contexto da tramitação da Medida Provisória n. 627/2013, o qual recebeu
minutas e sugestões de texto diretamente do departamento jurídico do grupo
GERDAU, já fora do prazo regimental, inclusive trecho que veio a se tornar o
texto idêntico do art. 99 da Lei n. 12.973/2014” (fl. 344).
Discorre, ao final, que ambos os denunciados Romero Jucá Filho e
Jorge Gerdau Johannpeter “ocultaram e dissimularam, em favor do primeiro, a
origem, a disposição e a movimentação desses recursos, mediante a interposição
4
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 7 de 42 695
INQ 4347 / DF
de pessoas físicas e órgãos diversos e pessoa jurídica (do Diretório nacional e dos
Comitês do PMDB por onde transitaram os recursos) e a mescla com valores
lícitos, em operações distintas”, constituindo, desse modo, “modalidade
independente de lavagem de valores denominada commingling (mescla)” (fl.
350).
2. Por meio de decisão proferida em 6.9.2017 (fls. 379-385), acolhi o
pedido de arquivamento dos autos formulado pelo Ministério Público
Federal, com relação a Jorge Wycks Corte Real e a Jacob Alfredo Stoffels
Kaefer.
3. Notificado em 12.9.2017 (fl. 393), o denunciado Romero Jucá Filho
apresenta a resposta à acusação, nos termos do art. 4º da Lei 8.038/1990,
em 27.9.2017 (fls. 401-499), afirmando, em sede de prefaciais, a inépcia da
denúncia ao imputar-lhe genericamente a prática dos crimes de
corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, sem identificar o ato de
ofício por si praticado e o nexo de causalidade dessa conduta com o
suposto recebimento das vantagens ilícitas, deixando de apontar, ainda, o
dolo do agente voltado à ocultação dos valores percebidos.
No mérito, sustenta que: (a) a denúncia carece de justa causa, pois
não apresenta base empírica hábil a comprovar o suposto recebimento de
vantagem indevida por parte do acusado em contrapartida à atuação
legislativa ilícita em benefício do Grupo Gerdau; (b) o interesse pelas
alterações legislativas versadas na Medida Provisória 627/2013 alcança
grande parte do setor empresarial, cuja liderança exercida pelo Grupo
Gerdau, precipuamente atribuída à “sua experiência e conhecimento prático
sobre o tema” (fl. 462), justificou as discussões técnicas e institucionais
havidas entre o coacusado e o líder do Governo, o Senador acusado
Romero Jucá; (c) as doações eleitorais realizadas pelo Grupo Gerdau
foram realizadas nos estreitos limites legais; (d) a acusação de lavagem de
dinheiro carece, igualmente, de elementos indiciários mínimos,
“especificamente da ação e intenção do agente de realizar a ocultação ou
dissimulação de valores, visando reinseri-lo na economia formal com aparência de
ilicitude” (fl. 477); (e) o reconhecimento da inexistência do crime
antecedente (corrupção passiva) implica a atipicidade do delito de
5
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 8 de 42 696
INQ 4347 / DF
lavagem de dinheiro; (f) está configurado o excesso acusatório pela dupla
incriminação decorrente das mesmas doações eleitorais; e (g) o suposto
recebimento de vantagem indevida representa o exaurimento do suposto
crime de corrupção.
Anexa, ao fim, os documentos de fls. 500-579, pedindo a rejeição da
denúncia.
4. Notificado para os fins do art. 4º da Lei 8.038/1990 em 25.9.2017 (fl.
396), o denunciado Jorge Gerdau Johannpeter, na resposta à acusação de
fls. 581-608, apresentada em 10.10.2017, argui, preliminarmente, a inépcia
da denúncia e a falta de justa causa para instauração da ação penal, à
míngua de indícios mínimos da promessa de vantagem indevida
concretizada na forma das doações eleitorais implementadas, por seu
turno, nos estreitos limites legais. Ainda articula a atipicidade do delito
de corrupção ativa, haja vista a “desarticulação temporal entre as doações
eleitorais de 2010 e a prática de ato de oficio em 2014” (fl. 588).
No mérito, aduz que: (a) a construção acusatória relativa ao crime de
corrupção ativa incorreu em relevantes equívocos, tendo em vista que o
valor das contribuições eleitorais “constitui a soma de algumas doações
oficiais que duas empresas do Grupo fizeram a diversos candidatos do PMDB - e
não somente a Romero Jucá e a seu filho - nos pleitos de 2010 e 2014” (fl. 582),
não possuindo o defendente qualquer vínculo com as transferências
partidárias internas que se sucederam; (b) a regular doação eleitoral
representou o exercício de “direito ligado à participação política” (fl. 592); (c)
não tem pertinência a prova por analogia que instrui a denúncia,
estabelecendo “regra da experiência, segundo a qual a corrupção constituiu a
regra na atividade política, especialmente no que diz respeito a certos atos
normativos, como a MP n. 627/13 e a certos parlamentares, como Romero Jucá”
(fl. 593); (d) a matéria vertida na mencionada MP 627/2013 referente à
bitributação de lucros auferidos por controladas ou coligadas estrangeiras
de empresas nacionais, por sua relevância e abrangência, foi capitaneada
por órgãos representativos de classe, a demonstrar que o interesse geral
na matéria extrapolava o restrito interesse do Grupo Gerdau; (e) o
pagamento descrito representa exaurimento do crime antecedente; (f) a
6
Supremo Tribunal Federal
Relatório
Inteiro Teor do Acórdão - Página 9 de 42 697
INQ 4347 / DF
conduta de mescla da origem e destinação dos recursos doados é de
iniciativa e responsabilidade do partido político receptor das doações
eleitorais.
Apresentando documentos às fls. 632-644 requer, com essas
considerações, a rejeição da denúncia.
5. Atendendo ao determinado à fl. 647, a Procuradora-Geral da
República manifesta-se, em 30.10.2017, sobre as respostas apresentadas
pelos denunciados, quando postula “a rejeição das preliminares suscitadas
pelo acusado e o integral recebimento da denúncia, com a citação do acusado e o
início da instrução processual penal, até final condenação“ (fls. 652-661 e 662-671).
6. Em data de 1º de março de 2018, determinei a publicação do
respectivo relatório, nos termos do art. 87 do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal.
É o relatório.
7
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 10 de 42 698
27/03/2018 SEGUNDA TURMA
INQUÉRITO 4.347 DISTRITO FEDERAL
V O T O
O SENHOR MINISTRO EDSON FACHIN (RELATOR): Principio a análise
da validade da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da
República pelo exame das questões preliminares suscitadas pelos
denunciados Romero Jucá Filho e Jorge Gerdau Johannpeter em suas
peças defensivas.
1. Preliminares afastadas.
Em respostas autônomas à acusação, os denunciados articulam a
inépcia da denúncia, ao fundamento de que a exordial acusatória lhes
imputara genericamente a prática do crime de corrupção (passiva e ativa),
sem a descrição individualizada das condutas e das circunstâncias
delitivas.
Razão não lhes assiste, porque, ao reverso das assertivas lançadas
pelas defesas técnicas, a peça acusatória apresenta descrição suficiente
das condutas, em tese, criminosas, demonstrando-se, portanto, apta
formalmente ao exercício do direito à ampla defesa garantido pelo art. 5º,
LV, da Constituição Federal.
Nessa direção, da narrativa exposta pela Procuradoria-Geral da
República colhe-se, em resumo, que, mediante atuações vinculadas,
perpetradas “nos anos de 2010 e 2014”, o Senador da República Romero
Jucá Filho, “recebeu, em razão de sua função de Senador, vantagem indevida, no
montante de R$ 1.333.333,00”, prometida pelo coacusado Jorge Gerdau
Johannpeter em função da prática, pelo parlamentar, de atos de ofício
“consistentes em favorecer legislativamente a pessoa jurídica” (fl. 318).
Mencionada vantagem financeira, segundo a denúncia, teria sido
operacionalizada mediante doações eleitorais repassadas às contas dos
Diretórios Nacional e Regional (Roraima) do Partido do Movimento
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 11 de 42 699
INQ 4347 / DF
Democrático Brasileiro (PMDB), agremiação partidária integrada pelo
Senador acusado.
Ainda explicita a peça acusatória as circunstâncias em que os valores
aportaram às contas partidárias e entre elas circularam, especificando as
datas, os responsáveis pelos repasses do dinheiro e a rota percorrida pela
verba advinda do Grupo Gerdau no intuito de atingir seu destinatário
final, o parlamentar acusado Romero Jucá Filho.
Repiso que foi assinalado que “os elementos carreados evidenciam que,
em 2010, o Senador ROMERO JUCÁ FILHO recebeu de JORGE GERDAU
JOHANNPETER, este como representante da GERDAU, por meio dos
Diretórios Nacional e Estadual de Roraima do PMDB, o montante de R$
900.000,00 de vantagem indevida em razão de sua função pública” (fl. 325).
As mesmas circunstâncias repetiram-se no pleito do ano de 2014,
beneficiando, dessa vez, a campanha eleitoral de Rodrigo de Holanda
Menezes Jucá, filho do parlamentar acusado, mediante doações aos
Diretórios Nacional e Regional de R$ 183.333,00 (cento e oitenta e três mil
e trezentos e trinta e três reais), R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais)
e R$ 100.000,00 (cem mil reais).
A exposição acusatória engloba, ademais, detalhes da contrapartida
encampada pelo Senador da República Romero Jucá Filho e o
recebimento das precitadas verbas injustificadas, consistente em agir em
prol dos interesses do Grupo Gerdau na alteração legislativa de normas
de natureza tributária. Precisamente, imputa-se aos denunciados a
interlocução direta na elaboração da redação final da MP 627/2013
viabilizada pela relatoria atribuída ao parlamentar Romero Jucá Filho na
tramitação da edição legislativa junto ao Senado Federal.
Descreve-se, também, episódios pertinentes à atribuição da relatoria
e aqueles contemporâneos à tramitação da multicitada medida
provisória, a exemplo de mensagens eletrônicas trocadas pelas partes
onde se delibera acerca da redação do ato normativo, finalizando-se com
a ilustração cronológica das apontadas “tratativas ilícitas que envolveram a
edição da MP n. 627/2013” e que culminaram, “no dia 15/4/2014”, com a
aprovação, por parte do Senado, da “redação final da Medida Provisória n.
2
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 12 de 42 700
INQ 4347 / DF
627/2013, com voto favorável de ROMERO JUCÁ, na condição de relator e
revisor” (fl. 343).
Defluíram das doações eleitorais, como assevera a acusação, os
crimes de lavagem de dinheiro, perpetrados por ambos os denunciados,
na medida em que, “com vontade livre e consciente, comunhão de desígnios e
divisão de tarefas, ocultaram e dissimularam, em favor do primeiro, a origem, a
disposição e a movimentação desses recursos, mediante a interposição de pessoas
físicas e órgãos diversos de pessoa jurídica (do Diretório Nacional e dos Comitês
do PMDB por onde transitaram os recursos) e a mescla com valores lícitos, em
operações distintas. Essa mistura de ativos ilícitos com outros constitui mais
uma modalidade independente de lavagem de valores denominada commingling
(mescla)” (fl. 350).
Por esses fatos, a Procuradoria-Geral da República atribui ao
Senador da República Romero Jucá Filho a prática do crime de corrupção
passiva (art. 317, § 1º, do Código Penal) e a Jorge Gerdau Johannpeter o
cometimento do delito de corrupção ativa (art. 333, parágrafo único, do
Código Penal), atribuindo-lhes, ainda, o ilícito de lavagem de dinheiro,
previsto no art. 1º, § 4º, da Lei 9.613/1998, em continuidade delitiva e na
forma do concurso material de crimes (art. 71 e art. 69 do Código Penal).
Pois bem, como se deflui dessa síntese, constato que o Ministério
Público Federal desincumbiu-se do ônus de expor as condutas que
entende por delituosas de forma detalhada, descrevendo as ações de cada
um dos denunciados que se amoldariam, a seu ver, ao tipo penal
capitulado, atendendo, portanto, aos requisitos mínimos exigidos pelo
art. 41 do Código de Processo Penal, pressuposto básico ao exercício da
ampla defesa.
Aliás, o que a lei impõe é a descrição lógica e coerente, a fim de
permitir aos denunciados a compreensão das imputações e o exercício
amplo do contraditório, conforme, insisto, ocorre no caso, ressaltando que
a ordem constitucional vigente determina ao dominus litis a indicação de
forma clara e precisa dos fatos penalmente relevantes que possam ser
atribuídos aos denunciados e suas respectivas circunstâncias, não
podendo ser considerada, então, “inepta a denúncia que, em respeito ao art.
3
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 13 de 42 701
INQ 4347 / DF
41 do Código de Processo Penal, descreve o fato imputado ao réu com todas as
circunstâncias que possibilitem a individualização da conduta e o exercício da
ampla defesa” ( AP 971, de minha relatoria, Primeira Turma, DJe
11.10.2016).
Com essas considerações, afasto as preliminares de inépcia formal
da denúncia suscitadas pelos aqui denunciados Romero Jucá Filho e Jorge
Gerdau Johannpeter.
2. Requisitos formais da denúncia: presença.
Com relação às demais assertivas, ligadas, inclusive, à questão de
fundo, que se volta à análise da justa causa para a deflagração da
persecutio criminis in judictio, inicio fazendo o registro de que o juízo de
deliberação acerca do recebimento da denúncia consiste em ato judicial
com pressupostos e requisitos previstos no art. 41 e art. 395 do Código de
Processo Penal e, pertinente à ação penal de competência originária do
Tribunal (Lei 8.038/1990, art. 1º a art. 12), também no art. 397 do mesmo
Diploma Legal ( HC 116.653, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma,
DJe de 11.4.2014).
Relevante consignar, ademais, que os denunciados defendem-se dos
fatos subjacentes à acusação, e não da mera classificação jurídica a eles
atribuída (INQ 3.113, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe de
6.2.2015), sobressaindo, nessa linha, o requisito da justa causa (Código de
Processo Penal, art. 395, III), o qual exige “suporte probatório mínimo a
indicar a legitimidade da imputação e se traduz na existência, no inquérito
policial ou nas peças de informação que instruem a denúncia, de elementos sérios
e idôneos que demonstrem a materialidade do crime e indícios razoáveis de
autoria” (INQ 3.719, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe de
30.10.2014).
Destarte, compete ao julgador, nesse momento processual, apenas a
análise da existência de material probatório suficiente a embasar a peça
acusatória e atestar, ou não, a presença dos requisitos mínimos
necessários ao seu recebimento.
4
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 14 de 42 702
INQ 4347 / DF
No caso, conforme consignado, a exordial acusatória atende aos
requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal porque narra, de forma
adequada, a suposta prática, pelos acusados Romero Jucá Filho e Jorge
Gerdau Johannpeter das condutas típicas da corrupção passiva e ativa
(art. 317, § 1º, e art. 333, parágrafo único, do Código Penal),
respectivamente, e, em relação a ambos, do delito de lavagem de dinheiro
(art. 1º, V, da Lei 9.613/1998), na forma do art. 69 do Código Penal
(concurso de crimes).
Nada obstante, apesar de formalmente apta, a proposta acusatória
sucumbe diante dos elementos de informação apresentados para lhe dar
suporte, circunstância que evidencia a impossibilidade de deflagração de
ação penal desprovida de justa causa.
3. Denúncia no caso concreto: ausência de justa causa.
Em análise pormenorizada do caderno processual, tem-se, de início,
que a presente investigação foi deflagrada com subsídio no conteúdo de
e-mails trocados entre parlamentares e representantes do Grupo Gerdau,
encaminhados à Suprema Corte pelo Juízo da 10ª Vara Federal da Seção
Judiciária do Distrito Federal/DF, responsável por autorizar a busca e
apreensão em que colhido o material.
Com o desenrolar das diligências policiais supervisionadas por este
Supremo Tribunal Federal, mostrou-se possível aferir a veracidade da
troca de mensagens eletrônicas entre o acusado Jorge Gerdau
Johannpeter, na condição de presidente do conselho consultivo do Grupo
Gerdau, e o Senador da República Romero Jucá Filho, cujo conteúdo
revelou, na versão da acusação, manifesta participação do empresário
denunciado na redação final da Medida Provisória 627/2013 com a
finalidade de obtenção da mais proveitosa dicção legal à luz dos
interesses tributários e financeiros de sua empresa.
Ouvidos perante a autoridade policial, os denunciados admitem a
interlocução em torno da multicitada edição legislativa, justificando-a,
por um lado, pela proeminência do parlamentar acusado na articulação
5
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 15 de 42 703
INQ 4347 / DF
de matérias com repercussão econômica e tributária e, por outro, pela
liderança do setor industrial exercida pelo denunciado Jorge Gerdau
Joahannpeter.
Eis, a propósito, as declarações do Senador denunciado, Romero
Jucá Filho:
“(...)
QUE é graduado em economia e pós-graduado em
Engenharia Econômica; QUE pela sua especialização vem
sempre atuando dentro do Congresso Nacional em matérias
referentes a questões econômicas e tributárias, bem como é
interlocutor do Congresso com a equipe econômica dos
governos, quando o assunto discutido se trata dessas questões;
QUE conhece JORGE GERDAU de alguns encontros da LIDE
(grupo formado por grandes empresários do país que discutem
a política econômica nacional); (…) QUE nunca defendeu
interesses individuais da GERDAU dentro do Congresso
Nacional; QUE tendo em vista a sua especialização e
experiência na área econômica e tributária o declarante teve
grande atuação na discussão da Medida Provisória 627/2013 a
qual trouxe diversas mudanças na área contábil e tributária;
QUE o declarante apresentou 12 emendas à MP 627/2013 sendo
que algumas foram acatadas parcialmente e outras foram
rejeitadas; QUE o relator da MP 627/2013 foi o então Deputado
EDUARDO CUNHA, e o declarante veio a ser o relator revisor
no Senado; (…) QUE o declarante pela sua experiência, sabe
que é importante conversar com a área econômica do governo
para ajustar a viabilidade de emendas, sob pena de serem
vetadas mais adiante; (…) QUE em dado momento JORGE
GERDAU pediu que o declarante ajudasse na discussão de
matéria que atenderia todas empresas nacionais, por se tratar
de um prazo que seria colocado para todas ela; QUE JORGE
GERDAU justificou a procura do declarante em razão de
problemas que estavam ocorrendo na interlocução entre o
relator EDUARDO CUNHA e o governo; QUE esse problema
era público e notório, inclusive amplamente divulgado na
6
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 16 de 42 704
INQ 4347 / DF
imprensa; QUE o declarante conversou com JORGE GERDAU
sobre essa questão por telefone e também pessoalmente,
quando ele esteve em Brasília/DF para acompanhar a audiência
pública de discussão da MP 627/2013 no dia 25/02/2014, às 14h,
na sala 6 da Ala Senador Nilo Coelho; QUE desse debate
participaram o Ministério da Fazenda, CONFAZ e CNI; QUE o
declarante havia pedido a JORGE GERDAU que lhe enviasse as
emendas de interesse do setor para que pudesse discutir com
sua equipe e com o Ministério da Fazenda; QUE ao receber o
material o declarante os encaminhou para o Ministério da
Fazenda para análise, e após alguns dias, recebeu um retorno
com uma sugestão de texto oriunda do próprio Ministério da
Fazenda que era diferente da proposição inicial enviada por
JORGE GERDAU; QUE ao receber esse novo texto do MF
determinou a sua secretária que o enviasse para apreciação de
JORGE GERDAU, que na verdade representava diversos
empresários; (…) QUE o declarante não interferiu na
formulação do texto encaminhado pelo MF, sendo apenas um
canal confiável de interlocução dos empresários com o governo
e vice-versa; (…) QUE perguntado sobre a alteração da
proposta pela assessoria jurídica da GERDAU, visto que a
primeira redação enviada pelo declarante não lhes atendia,
conforme troca de mensagens de fls. 04/06, o declarante
responde primeiramente que o texto foi formulado pelo MF e
enviado por ele e com relação a alteração da fl. 06 em que
consta o parágrafo 2º o declarante diz que não se recorda, mas
não se trata de uma construção sua e que pode ter sido um
texto construído pelo relator e o Ministério da Fazenda; (…)
QUE as questões tratadas nas mensagens eletrônicas e emendas
de fls. 03/14 dos autos não eram de interesse somente da
GERDAU como também interessavam a todas as empresas
brasileiras que gerassem lucros no exterior; (…) QUE
perguntado se essas alterações não trariam benefícios diretos ao
Estado de Roraima, qual seria a motivação em apresentar
emendas acima comentadas, o declarante respondeu que a sua
formação e seu cargo lhe impõem o dever de trabalhar pelo
7
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 17 de 42 705
INQ 4347 / DF
bem de toda a economia nacional e do país, visto que é um
Senador da República” (fls. 125-127 - sem grifos no original).
Em sentindo convergente, o também acusado Jorge Gerdau
Johannpeter, representante do Grupo Gerdau, esclarece os fatos nos
seguintes termos:
“(...)
QUE como o SENADOR ROMERO JUCÁ tem tido papel
importante de liderança em diversos governos, é um dos
políticos com quem a GERDAU costuma lidar certos temas,
relacionados a energia, tributos, etc.; QUE mantém uma relação
eminentemente profissional com o Senador ROMERO JUCÁ
(…); QUE teve reuniões pessoais com ROMERO JUCÁ para
tratar do tema relacionado à tributação no exterior, assim como
com outros políticos; QUE os e-mails registrados no inquérito,
trocados com ROMERO JUCÁ, revelam o final de uma longa
negociação travada entre o setor empresarial e o governo
brasileiro; QUE um normativo da Receita Federal, datado do
ano de 2000 ou 2001, estabeleceu um sistema tributário
anômalo, em que os pagamentos de impostos no exterior não
eram computados e descontados na base de cálculo para a
tributação Brasileira; QUE desta forma, em explicação
simplificada, as empresas com atividades no exterior sofriam
bitributação, pagando impostos no exterior e no Brasil, pelo
mesmo fato gerador; QUE o interesse das empresas seria que os
impostos pagos no exterior fossem descontados, sendo cobrado
no Brasil apenas a diferença; (…) QUE durante todo este
período o setor empresarial brasileiro travou negociações com
pessoas do governo, visando corrigir a tributação no exterior,
destacando-se, dentre eles, membros da Receita Federal, como o
secretário da Receita à época, o atual ministro Dyogo, então
Secretário-Executivo do Ministério da Fazenda; QUE ao fim, os
debates se deram com ROMERO JUCÁ, que foi o revisor da
medida provisória que tratava do tema; (…) QUE o texto
defendido pela GERDAU, que acabou sendo a redação final
8
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 18 de 42 706
INQ 4347 / DF
aprovada, originou-se da CNI, e era do interesse de diversos
empresários; QUE o objetivo era garantir segurança jurídica;
QUE o e-mail enviado pelo SENADOR ROMERO JUCÁ ao
declarante, em 27 de fevereiro de 2014, foi a fase final da
discussão, já no acabamento final da redação; QUE o declarante
acabou tendo empenho pessoal de acompanhar o assunto; (…)
QUE o texto final da MP 627/2013 atendeu os interesses de
todas as empresas brasileiras que possuem atividades no
exterior, e consequentemente da GERDAU; QUE o declarante
inclusive criou o MBC - Movimento Brasil Competitivo,
dedicando parte de suas atividades ao incentivo da
competitividade das companhias nacionais; QUE o declarante
também se dedicou a outros projetos de interesse nacional, o
que explica, em parte, seus contatos com setores da política
Brasileira; QUE reforça o já alegado, no sentido de que as mais
variadas empresas brasileiras defenderam a aprovação da MP
627/2013 e participaram do debate; QUE quando se percebeu
que o texto final ainda deixava margem a alguma insegurança
jurídica, a GERDAU trabalhou no seu aperfeiçoamento; QUE
questionado a respeito de por que a GERDAU foi a responsável
pelo ‘aperfeiçoamento’ do texto, responde que era uma das
empresas brasileiras mais experientes no debate do tema de
tributação no exterior, tendo um conhecimento prático sobre as
posições adotadas pelo fisco e entendo quais aspectos da
legislação poderiam causar futuras discussões; (…) QUE
ROMERO JUCÁ é um dos Senadores que estão na lista da AÇO
BRASIL, apoiadas pelo setor da Siderurgia; QUE a GERDAU
fazia doações de campanha para deputados e senadores que
integram esta lista, razão pela qual ROMERO JUCÁ foi o
beneficiário de uma contribuição, acredita que no valor entre
cem e duzentos mil reais, para a campanha de 2010” (fls. 195-196 - sem grifos no original).
Perceptível, com facilidade, que essa interlocução mantida entre os
denunciados em torno da edição da Lei 12.973/2014 configura realidade
fática indubitável e não contraditada pelas partes, sendo possível inferir,
9
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 19 de 42 707
INQ 4347 / DF
das mensagens reproduzidas às fls. 338-342 da peça acusatória, intenso
debate envolvendo as emendas legislativas apresentadas à MP 627/2013.
A par disso, sobressai dessa interação mantida entre os envolvidos
que a dinâmica inerente à produção legislativa, cotejados os elementos
indiciários carreados aos autos, não evidencia a ocorrência de
circunstância motivada por intenções escusas, sobretudo porque o mérito
em questão alcançou extensão subjetiva e objetiva efetivamente superior a
que lhe foi atribuída pela acusação.
Logo, para além da retratada comunicação eletrônica, os
denunciados Romero Jucá Filho e Jorge Gerdau Johannpeter foram
unívocos em mencionar reuniões ocorridas em Brasília para os debates
em torno da temática, a realização de audiências públicas e a
participação, ao longo das negociações, do setor empresarial, de pessoas
ligadas ao governo e de integrantes do Ministério da Fazenda.
Aliás, na condição de Secretário Executivo Interino do Ministério da
Fazenda, no período compreendido entre os anos de 2013 a 2014, o
depoente Dyogo Henrique de Oliveira admitiu que, dentre as suas
“atribuições, estava a de fazer a interlocução entre o governo e o setor privado
para ouvir sugestões, reclamações e algumas propostas do setor empresarial”,
tendo criado, para o trâmite da MP 627/2013, “grupo de trabalho formado
entre representantes do setor empresarial, Receita Federal e outras entidades do
Governo”, recordando-se, a propósito, de “reunião com JORGE GERDAU e
a assessoria do GRUPO na época mencionada no documento de fls. 13, tendo
como pauta principal a questão da bitributação dos lucros no exterior” (fl. 123).
No mais, desconhecendo qualquer movimentação espúria advinda de tais
negociações, afirma não ter recebido qualquer pedido específico do
Senador acusado Romero Jucá “para auxiliar nos assuntos do GRUPO
GERDAU” (fl. 123).
Em idêntico norte, os depoimentos do Diretor de Tributos e do
Consultor Jurídico do Grupo Gerdau, Raul Fernando Schneider (fls.198-199) e Marcos Biondo (fls. 200-202), confirmam que “foram realizados
diversos grupos de estudos, por intermédio do IEDI, CN, AÇO BRASIL,
ABRASCA - Associação Brasileira das Empresas de Capital Aberto, etc,com a
10
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 20 de 42 708
INQ 4347 / DF
participação da Receita Federal, representantes da Procuradoria da Fazenda, do
Ministério da Fazenda e das maiores empresas, incluindo a GERDAU”, sendo
que “DYOGO HENRIQUE DE OLIVEIRA era o coordenador do grupo de
trabalho criado dentro do ministério da fazenda, para tratar do tema” (fl. 200).
Esclarece, ainda, que a redação final da MP 627/2013 representa “um
avanço legislativo no Brasil, reduzindo o risco da bitributação e conferindo maior
segurança jurídica às empresas que atuam no exterior, tanto privadas quanto
públicas” (fl. 198)
Chama atenção, ainda, o fato de que, na apresentação extemporânea
de proposta de emenda à medida provisória, cujo teor foi acatado, nos
termos em que sugerido, quando da conversão da MP 627/2013 na Lei
12.973/2014 (§ 2º do art. 99), a inserção de alterações ao texto legal
apresentadas fora do prazo fazem parte das atribuições do relator
designado em cada casa legislativa (art. 5º, § 4º, da Resolução 1/2002 do
Congresso Nacional), conforme explicitado pela defesa do denunciado
Romero Jucá Filho, de modo que a medida adotada não destoa daquelas
viáveis em sede de processo legislativo.
A propósito, noticia a defesa que, após instaurada a comissão mista
para apreciação do teor da MP 627/2013, foram apresentadas 513
(quinhentos e treze) propostas de emenda em uma única semana.
Desse modo, no alcance desse juízo de prelibação, nada há de
concreto a evidenciar que as negociações em torno dessa medida
provisória resultaram em efetiva promessa e do recebimento de vantagem
indevida, afigurando-se situação diversa daquela ínsita ao processo
dialético ligado ao campo político.
A Procuradoria-Geral da República, ao incrementar negativamente o
cenário dos fatos, levanta suspeitas acerca da relatoria atribuída, nas
respectivas casas legislativas, ao então Deputado Federal Eduardo Cunha
e ao Senador da República Romero Jucá Filho na condução da MP
627/2013, suscitando episódios pretéritos de possível atuação
“concertadamente em diversos âmbitos”, no “interesse de muitos grandes grupos
empresariais”(fl. 334), à luz dos elementos extraídos da Ação Cautelar 4.044
(Apenso 3) que não se correlacionam à precitada medida provisória ora
11
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 21 de 42 709
INQ 4347 / DF
sob exame.
Para tal propósito, valeu-se a acusação do exame pericial realizado
no material arrecadado na residência do então Deputado Federal
Eduardo Cunha (telefone celular), dando conta de conversas
estabelecidas, ao que tudo indica, com o acusado Romero Jucá Filho, em
abril de 2011, envolvendo temas diversos, a exemplo (i) da indicação e da
nomeação em cargos de direção por eles cobiçados junto ao Banco
Nacional do Desenvolvimento - BNDES, à Caixa Econômica Federal e à
Companhia Nacional de Abastecimento – CONAB; (ii) de visita ao então
Ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, para tratar de indicações à
Diretoria Internacional da PETROBRAS e à sua subsidiária PETROBRAS
BIOCOMBUSTÍVEL; (iii) do possível encontro, em abril de 2011, entre o
acusado Romero Jucá Filho e Paulo Roberto Costa no edifício da
Petrobras em Brasília, com a presença do então Presidente da Câmara dos
Deputados, Henrique Eduardo Alves; e (iv) da influência dos referidos
parlamentares na tramitação de medidas provisórias, como a MP 579 (AC
4.044, Relatório n. 137/2016, Apenso 3).
Como se observa, o material supramencionado não encontra
correspondência com os fatos, em concreto e em específico, deduzidos na
peça exordial a partir dos quais se atribui a responsabilidade criminal ao
acusado Romero Jucá Filho pela prática de corrupção passiva.
Também de acordo com a denúncia, a referida contrapartida pelo
favorecimento dos interesses do Grupo Gerdau consistiu em repasse de
vantagem injustificada sob o modelo de doações eleitorais oficiais em
contas de campanha do Partido do Movimento Democrático Brasileiro
(PMDB), em pleitos consecutivos (2010 e 2014), sem, uma vez mais, reunir
elementos hábeis para tal conclusão.
De fato, os repasses efetivados em 2010 ocorreram em quatro (4)
oportunidades e se seguiram, na versão da acusação, para o Comitê
Financeiro do Senador em Roraima. Assim, no dia 27.8.2010 a Gerdau
Comercial de Aços S/A doou R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao Diretório
Estadual do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) em
Roraima; no mês de setembro de 2010, doou R$ 800.000,00 (oitocentos mil
12
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 22 de 42 710
INQ 4347 / DF
reais) ao Diretório Nacional do mesmo partido, em depósitos realizados
em 1º.9.2010, 13.9.2010 e 23.9.2010, no valor de, respectivamente, R$
300.000,00 (trezentos mil reais), R$ 400.000,00 (quatrocentos mil reais) e,
finalmente, R$ 100.000,00 (cem mil reais).
A partir dos Diretórios Nacional e Regional, esses valores teriam
sido direcionados ao Comitê Financeiro Estadual para Senador da
República do Estado de Alagoas, em transferências fracionadas.
Desse montante, sinaliza a acusação que, em 30.8.2010, o Diretório
de Roraima transferiu R$ 110.00,00 (cento e dez mil reais) para o Comitê
Financeiro do parlamentar acusado Romero Jucá Filho, quantia que, no
sentir do Ministério Público, é certamente advinda da primeira doação
destinado ao Diretório Estadual. Da mesma forma, em 2.9.2010, aportou
ao Comitê Financeiro do Senador acusado o depósito de R$ 300.000,00
(trezentos mil reais) advindos do Diretório Nacional do Partido do
Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), que lhe transferiu, ainda, em
22.9.2010 e em 29.9.2010 (por intermédio de dois depósitos), o montante
de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e de R$ 2.100.000,00 (dois milhões
e cem mil reais), soma essa que, nos exatos termos da denúncia,
“obviamente engloba o montante de R$ 800.000,00 doado pela GERDAU” (fl.
324).
Tendo esses elementos, a denúncia afirma que o “sistema eleitoral foi
utilizado para o pagamento disfarçado de vantagem indevida a partir de ajuste
entre Romero Jucá e o executivo do grupo Gerdau Jorge Gerdau Johannpeter” (fl.
325), sem apresentar elementos hábeis a pressupor que as sobreditas
doações eleitorais representaram a espúria percepção de vantagem.
Por seu turno, no panorama do ano eleitoral de 2014, a Gerdau
efetuou doação ao Diretório Nacional do Partido do Movimento
Democrático Brasileiro (PMDB) em 10.9.2014 e em 23.10.2014, nos valores
de R$ 183.333,00 (cento e oitenta e três mil e trezentos e trinta e três reais)
e de R$ 100.000,00 (cem mil reais), respectivamente; enquanto que, em
24.9.2014 doou R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) ao Diretório
Estadual da mesma agremiação em Roraima.
Segundo a denúncia, “comparando-se os valores repassados pela Gerdau
13
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 23 de 42 711
INQ 4347 / DF
o PMDB (Diretório Nacional e Estadual) e os transferidos pelo PMDB para o
Comitê Financeiro para Governador de Roraima, evidenciam-se os pagamentos
de vantagem indevida em benefício do Comitê Estadual para Governador quando
RODRIGO DE HOLANDA MENEZES JUCÁ, filho de Romero Jucá,
participada da chapa como candidato a Vice-Governador” (fl. 326).
Afirma, à luz desse quadro, que foram realizadas transferências do
Diretório Nacional do Partido do Movimento Democrático Brasileiro
(PMDB) ao Comitê Financeiro Estadual para Governador PSB/RR, “em
16.9.14, isto é, em apenas 6 dias, o montante total de R$ 183.888,00 doado pela
Gerdau chegou à campanha de Rodrigo de Holanda Menezes Jucá”; em relação
aos R$ 100.00,00 (cem mil reais), também foram identificadas
transferências posteriores, de modo que, no mesmo dia daquela doação,
foi realizada a doação de “R$ 893.000,00 (oitocentos e noventa e três mil
reais) ao Comitê Financeiro para Governador de Roraima, valor que obviamente
engloba o doado por aquela pessoa jurídica” (fl. 328). Finalmente, em
30.9.2014, o Diretório Estadual transferiu os exatos R$ 150.000,00 (cento e
cinquenta mil) ao referido Comitê Financeiro.
Avaliando o percurso de todas as doações eleitorais e das sucessivas
transferências, a acusação consigna, como dito, que este seria o ciclo da
vantagem indevida supostamente prometida pelo acusado Jorge Gerdau
Johannpeter e efetivamente percebida pelo codenunciado Romero Jucá
Filho em decorrências das facilidades de caráter tributário articuladas em
prol do Grupo Gerdau.
Para o que se pretende comprovar, o registro da ocorrência de
doações advindas do Grupo Gerdau aos Diretórios Nacionais e Estaduais
do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), por si só, não
se mostra suficiente à confirmação do alegado nexo de causalidade com
as negociações em torno da redação versada na MP 627/2013,
especialmente na ausência de qualquer outro indício da percepção dos
valores a título de promessa de vantagem.
Destaco, nesse tópico, que no período abarcado pela denúncia,
aportaram às contas do acusado Romero Jucá Filho inúmeros outros
depósitos bancários efetuados tanto pelo Diretório Nacional quanto pelo
14
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 24 de 42 712
INQ 4347 / DF
Estadual do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), como
se observa da Informação 7/2017 – GINQ/STF/DICOR/PF (fls. 178-193),
onde é possível verificar que, dia 30.8.2010, além do repasse de R$
110.000,00 (cento e dez mil reais), o Diretório Estadual transferira ao
Comitê Financeiro para Senador da República/PR outros R$ 500.000,00
(quinhentos mil reais).
Na perspectiva dos lançamentos do Diretório Nacional, a narrativa
acusatória pretende estabelecer correlação entre os valores doados pela
pessoa jurídica Gerdau ao Diretório Nacional, no importe de R$
800.000,00 (oitocentos mil reais), com os subsequentes repasses ao
referido Comitê Financeiro que, somados, perfazem o total de R$
3.400.000,00 (três milhões e quatrocentos mil reais), quantia
expressivamente superior à inicialmente doada pela empresa Gerdau. Tal
circunstância, como se deflui, denota a fragilidade do elemento indiciário
à sustentação da tese acusatória.
Não destoa dessa avaliação as doações implementadas nas eleições
do ano de 2014, sendo possível notar a disparidade entre os valores
percebidos pelo partido político diretamente pelo Grupo Gerdau e as
transferências internas que se seguiram, especialmente quando a
acusação vincula a doação empresarial de R$ 100.000,00 (cem mil reais) ao
Diretório Nacional aos R$ 893.000,00 (oitocentos e noventa e três mil
reais) recebidos pelo Comitê Financeiro para Governador de Roraima,
afirmando que tal quantia “obviamente engloba o doado por aquela pessoa
jurídica” (fl. 328).
Soma-se a isso a inexistência de outros registros indiciários que
revelem o vínculo entre as somas ancoradas nas contas de campanha e o
processo legislativo objeto da MP 627/2013.
Com esse quadro, a narrativa que pretende estabelecer a correlação
entre a doação eleitoral supostamente negociada em favor de Romero
Jucá Filho e os depósitos realizados pela Gerdau Comercial de Aços S/A
nas contas de campanha do Partido do Movimento Democrático
Brasileiro (PMDB) não encontra suporte indiciário seguro para o
prosseguimento da persecutio criminis in judictio, seja pela flagrante
15
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 25 de 42 713
INQ 4347 / DF
diferença de valores repassados por intermédio do Comitê Financeiro
Estadual em determinadas doações, seja pela dificuldade em se
identificar, à míngua de dados indiciários concretos, a origem do
dinheiro, devido à intensa movimentação de depósitos verificados em
favor do comitê, permitida, à época, doação eleitoral de pessoas jurídicas.
Convém mencionar, por oportuno, a existência de investigação
própria, com suporte em depoimentos prestados sob o regime de
colaboração premiada, alusiva à possível influência dos parlamentares
Romero Jucá e Renan Calheiros na edição dessa mesma MP 627/2013,
favorecendo os interesses do Grupo Odebrecht.
Relatou-se, em apertada síntese, a existência de negociações
capitaneadas por Marcelo Odebrecht junto ao então Ministro da Fazenda
Guido Mantega para o envio de emendas ao texto original daquela
medida provisória ao relator na Câmara dos Deputados, o exparlamentar Eduardo Cunha, sobrevindo a atuação, no âmbito do Senado
Federal, do colaborador Cláudio Melo Filho. Em razão desses fatos,
afirma a denúncia que “Romero Jucá solicitou vantagem indevida para si e
para Renan Calheiros no valor de R$ 5.000.000,00”, cujo montante lhe teria
sido “entregue pessoalmente” ou por via de “intermediários em endereços por
ele indicados” (fls. 345-346).
Nada obstante as pontuais coincidências extraídas dessa digressão
ministerial, os eventos revelados pelos colaboradores, além de pendentes
de apuração nos autos do INQ 4.426, sob minha relatoria, distinguem-se
dos limites fáticos subjacentes à presente peça acusatória, sendo
absolutamente impertinentes para corroborar as condutas criminosas
atribuídas aos acusados, não alterando, portanto, as conclusões expostas.
Registro, por pertinência, que o caso em análise difere
substancialmente na sistemática narrada para o recebimento da vantagem
indevida por parte dos agentes públicos quando comparado com outros
cuja incoativa foi recebida por este Órgão Colegiado.
À guisa de exemplo, cito o INQ 3.982, em que as vantagens
indevidas supostamente pagas a parlamentar, também em forma de
doações eleitorais, teriam sido solicitadas diretamente aos colaboradores
16
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 26 de 42 714
INQ 4347 / DF
(Paulo Roberto Costa, Alberto Youssef e Fernando Antônio Falcão
Soares), em transações que contaram com o auxílio de assessores do
aludido político, também denunciados, cujos elementos de corroboração
apresentados revelaram a verossimilhança da narrativa exposta na
incoativa.
Com o mesmo cenário de elementos indiciários suficientes para o
recebimento da denúncia, esta Segunda Turma do Supremo Tribunal
Federal deparou-se no INQ 3.990, oportunidade em que a proposta
acusatória foi parcialmente admitida, bem como no INQ 3.979, relatado
pelo saudoso Ministro Teori Zavascki, cuja incoativa foi recebida na
íntegra, tendo o respectivo acórdão recebido a seguinte ementa:
“INQUÉRITO. IMPUTAÇÃO DOS CRIMES PREVISTOS
NO ART. 317, § 1º, C/C ART. 327, § 2º, DO CÓDIGO PENAL E
ART. 1º, V, VII e § 4º, DA LEI 9.613/1998. AUSÊNCIA DE
VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA
AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.
LICITUDE DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS COLHIDOS NA
FASE INVESTIGATIVA. PRELIMINARES REJEITADAS.
INDÍCIOS DE AUTORIA E MATERIALIDADE
DEMONSTRADOS. SUBSTRATO PROBATÓRIO MÍNIMO
PRESENTE. ATENDIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 41
DO CPP. DENÚNCIA RECEBIDA. 1. (…) 7. Denúncia que
contém a adequada indicação das condutas delituosas
imputadas, a partir de elementos aptos a tornar plausível a
acusação, o que permite o pleno exercício do direito de defesa.
8. Presença de substrato probatório mínimo em relação à
materialidade e autoria. A existência de outros indícios reforça
as declarações prestadas por colaboradores, tais como registros
telefônicos, depoimentos, informações policiais e documentos
apreendidos, o que basta neste momento de cognição sumária,
em que não se exige juízo de certeza acerca de culpa. 9.
Denúncia recebida (g.n.)”
(INQ 3.979, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, DJe
16.12.2016).
17
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 27 de 42 715
INQ 4347 / DF
Diversamente, no caso em exame, a suposta vantagem indevida em
forma de doação eleitoral oficial não contou com a intermediação de
qualquer operação financeira.
Friso, por oportuno, que a conclusão ora exarada não implica juízo
de inviabilidade da consumação do delito de corrupção passiva tendo por
contraprestação indevida doações eleitorais oficiais, mas, apenas e tão
somente, a constatação da insuficiência dos elementos indiciários
colacionados pelo órgão acusatório para conferir justa causa a esta
denúncia.
Perfilhando semelhante raciocínio, há recente julgado desta Segunda
Turma do Supremo Tribunal Federal, nos autos do INQ 4.216, de minha
relatoria, Dje 20.2.2018, cuja ementa possui a seguinte redação:
“INQUÉRITO. DENÚNCIA. CORRUPÇÃO PASSIVA
MAJORADA, CORRUPÇÃO ATIVA E LAVAGEM DE
DINHEIRO (ART. 317, § 1º, ART. 333, § 1º, AMBOS DO
CÓDIGO PENAL E ART. 1º, V, DA LEI 9.613/1998).
DISPONIBILIZAÇÃO TARDIA DE ÁUDIOS E VÍDEOS DOS
DEPOIMENTOS DE COLABORADORES. CERCEAMENTO
DE DEFESA. NÃO OCORRÊNCIA. FASE INICIAL
EMINENTEMENTE POSTULATÓRIA. CONTEÚDO DOS
RELATOS, ADEMAIS, ACESSÍVEL NA FORMA ESCRITA.
AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA
ANTERIORMENTE AO ENCERRAMENTO DO INQUÉRITO
POLICIAL. PROCEDIMENTO PRESCINDÍVEL.
CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO CONFIGURADO.
INÉPCIA DA EXORDIAL ACUSATÓRIA. DESCRIÇÃO
SATISFATÓRIA DOS ATOS SUPOSTAMENTE ILÍCITOS.
REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO
PENAL OBSERVADOS. FRAGILIDADE DOS INDÍCIOS
APRESENTADOS À DEFLAGRAÇÃO DA PERSECUTIO
CRIMINIS IN JUDICTIO. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA
CONFIGURADA. DENÚNCIA REJEITADA. 1. Esta Suprema
Corte já decidiu, por sua composição plenária, que o momento
18
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 28 de 42 716
INQ 4347 / DF
do oferecimento da denúncia é providência que se situa no
âmbito da prerrogativa do Ministério Público, o qual, todavia,
arcará com o ônus da rejeição da peça acusatória, por falta de
justa causa, caso ofereça denúncia sem dispor de elementos
probatórios suficientes à configuração dos necessários indícios
de autoria e materialidade. 2. Oferecida a denúncia e notificado
o acusado para apresentar a resposta do art. 4º da Lei
8.038/1990, não há previsão legal e espaço para outras dilações
probatórias, tais como diligências, requerimentos e oitivas. O
momento processual é destinado ao debate sobre a existência
de substrato probatório mínimo de autoria e de materialidade
delitiva, a fim de se verificar o preenchimento dos requisitos do
art. 41 do Código de Processo Penal, bem como sobre as
hipóteses de rejeição previstas no art. 395 do mesmo livro, não
sendo possível o exame aprofundado de mérito, mas tão
somente análise prima facie da denúncia. 3. O indeferimento do
pedido de reabertura de prazo para a oferta de resposta à
acusação não configura cerceamento de defesa, pois, nada
obstante a juntada tardia de arquivos contendo o áudio e o
vídeo de depoimentos dos colaboradores, seus conteúdos já se
encontravam nos autos na forma escrita, circunstância que
evidencia a inexistência de prejuízo ao devido processo legal. 4.
Também não configura mácula ao direito da defesa o
oferecimento da peça acusatória antes de concluída a fase
inquisitorial, tendo em vista a sua prescindibilidade para a
formação da opinio delicti, porque, “se o titular da ação penal
entende que há indícios mínimos de autoria e materialidade
dos fatos tidos como criminosos, ele pode oferecer a denúncia
antes de concluídas as investigações. A escolha do momento de
oferecer a denúncia é prerrogativa sua. (INQ 2.245/MG, Rel.
Joaquim Barbosa, Pleno, j. 28.8.2007). 5. Não contém vício a
impedir a deflagração de ação penal denúncia que descreve, de
forma lógica e coerente, a imputação no contexto em que se
insere, permitindo aos acusados compreendê-la e exercer o
direito de defesa ( AP 560, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Segunda
Turma, DJe de 11.6.2015; INQ 3.204, Rel. Min. GILMAR
19
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.EDSONFACHIN
Inteiro Teor do Acórdão - Página 29 de 42 717
INQ 4347 / DF
MENDES, Segunda Turma, DJe de 3.8.2015). 6. Na espécie,
apesar de formalmente apta, a proposta acusatória sucumbe
diante da fragilidade dos elementos de informação
apresentados para lhe dar suporte, circunstância que evidencia
a impossibilidade da deflagração de uma ação penal
desprovida de justa causa, nos termos do art. 6º, caput, da Lei n.
8.038/1990, c/c art. 395, III, do Código de Processo Penal. 7.
Denúncia rejeitada”.
Por derradeiro, como resultado da ausência de substrato indiciário
mínimo da autoria e da materialidade dos crimes antecedentes de
corrupção, não se faz possível a conversão do inquérito em ação penal
pelo delito de lavagem de dinheiro, à míngua do objeto material inerente
à figura típica do art. 1º da Lei 9.613/1998.
Ante o exposto, rejeito a denúncia formulada em face de Romero
Jucá Filho e Jorge Gerdau Johannpeter , nos termos do art. 231, § 4º, e,
do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.
É como voto.
20
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.DIASTOFFOLI
Inteiro Teor do Acórdão - Página 30 de 42 718
27/03/2018 SEGUNDA TURMA
INQUÉRITO 4.347 DISTRITO FEDERAL
VOTO
O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:
Senhor Presidente, Sr. Ministro Celso , cumprimento também o
Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida, que
sempre, com sua posição jusfilosófica, leva-nos a grandes reflexões.
Cumprimento o grande e histórico advogado que nos honra com a
presença aqui nesta Suprema Corte, o Dr. Nilo Batista, em defesa
exatamente da democracia, do Estado de Direito, e de tantas pessoas que
foram levadas às catacumbas na história passada e triste desta nação.
Senhor Presidente, Vossa Excelência equacionou muito bem, no meu
modo de ver, a solução da causa. Como foi dito da tribuna, na verdade, o
que se queria aqui era criminalizar a política e a própria democracia.
O que faz, por exemplo, a Associação de Magistrados Brasileiros ao
defender interesses da magistratura nacional no Congresso? Leva
propostas, leva proposições, inclusive normativas. O que faz a Associação
Nacional dos Procuradores da República quando vai lá conversar com o
Presidente do Senado, com o Presidente da Câmara e com os
parlamentares? Ela as leva por escrito. Vejam a recente coleta das "10
Medidas de Combate a Corrupção". Não foram medidas escritas e
levadas ao Congresso Nacional? Isso é corrupção ou é o exercício da
democracia e da política em sua maior nobreza? Portanto, não há o que se
discutir no caso. É como Vossa Excelência destacou.
Esse caso difere de outros em que esta Turma - inclusive, em alguns
casos, com meu voto, acompanhando Vossa Excelência - aceitou o
recebimento da denúncia. Porque havia, como Vossa Excelência salientou,
interpostas pessoas a respeito das quais, em razão da delibação no
recebimento da denúncia, vai se verificar, ao fim e ao cabo, na ação penal,
se houve ou não algum tipo de vantagem direcionada em razão de uma
proposição legislativa. Mas, neste caso aqui, é chapada a inviabilidade e
há mesmo um abuso do exercício dessa denúncia.
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.DIASTOFFOLI
Inteiro Teor do Acórdão - Página 31 de 42 719
INQ 4347 / DF
Temos outros casos em pauta, Senhor Presidente. Vou trazer - e já
comunico de público - um HC relativo ao Deputado Picciani, porque há
uma urgência manifesta, e terminei agora há pouco o voto e vou trazê-lo
em mesa. Comunico ao Ministro Celso , ao Ministério Público, e o
advogado está aqui presente também, porque há um problema muito
grave de saúde, detectado com laudo, e o trarei, em mesa, para a
avaliação dos Colegas. Então, não me delongarei neste caso.
Acompanho Vossa Excelência, parabenizando pelo brilhante voto, o
qual nos oportuniza, mais uma vez, aprender.
2
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CELSODEMELLO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 32 de 42 720
27/03/2018 SEGUNDA TURMA
INQUÉRITO 4.347 DISTRITO FEDERAL
V O T O
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO: O Ministério Público
Federal formulou denúncia contra o Senador da República Romero Jucá Filho
e Jorge Gerdau Johannpeter, atribuindo ao congressista a suposta prática do
delito de corrupção passiva majorada ( CP , art. 317, § 1º) e ao empresário
o alegado cometimento do crime de corrupção ativa ( CP , art. 333),
imputando-lhes , ainda, em concurso material ( CP , art. 69), o delito de
lavagem de dinheiro ou de valores ( Lei nº 9.613/98, art. 1º, inciso V, e
respectivo § 4º).
O eminente Relator propõe a rejeição da denúncia, por entender
ausente substrato informativo mínimo concernente à autoria e à
materialidade dos delitos antecedentes de corrupção (ativa e passiva), o que
torna juridicamente impossível – segundo sustentado em seu douto voto –
a configuração típica do crime de lavagem de dinheiro.
Sendo esse o contexto, examino a questão ora submetida a julgamento
desta colenda Turma. E , ao fazê-lo, também rejeito as preliminares
suscitadas na presente causa, razão pela qual passo a analisar o tema
referente ao controle jurisdicional prévio da acusação penal.
Sabemos todos , Senhor Presidente, que cabe ao Supremo Tribunal
Federal, nesta fase preliminar do processo penal de conhecimento, analisar se
a acusação penal formulada pelo Ministério Público revela-se , ou não,
admissível para efeito de instauração da persecução penal em juízo.
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CELSODEMELLO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 33 de 42 721
INQ 4347 / DF
Esse controle prévio de admissibilidade – que reclama o exame da
adequação típica do comportamento atribuído aos acusados – também
exige a constatação, ainda que em sede de cognição incompleta, da existência,
ou não, de elementos de convicção mínimos que possam autorizar a
abertura do procedimento judicial de persecução penal.
Daí a advertência , Senhor Presidente, fundada no magistério
jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, que cumpre jamais
desconsiderar:
“A imputação penal não pode ser o resultado da vontade
pessoal e arbitrária do acusador. O Ministério Público, para
validamente formular a denúncia penal, deve ter por suporte uma
necessária base empírica, a fim de que o exercício desse grave
dever-poder não se transforme em um instrumento de injusta
persecução estatal. O ajuizamento da ação penal condenatória supõe a
existência de justa causa , que se tem por inocorrente quando o
comportamento atribuído ao réu ‘ nem mesmo em tese constitui
crime, ou quando , configurando uma infração penal, resulta de
pura criação mental da acusação’ ( RF 150/393, Rel. Min.
OROSIMBO NONATO).”
( RTJ 165/877-878 , Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Dentro desse contexto, e para efeito de recebimento da denúncia,
assume relevo indiscutível o encargo processual que, ao incidir sobre o
órgão de acusação penal, impõe-lhe o ônus não só de descrever com
precisão e de demonstrar, ainda que superficialmente, os fatos
constitutivos sobre os quais se assenta a pretensão punitiva do Estado,
como , também, o dever impostergável de produzir elementos mínimos de
informação que permitam reconhecer configurada a existência –
inocorrente no caso – de justa causa que legitime a abertura do processo
penal em juízo, sob pena de instauração de lides penais temerárias.
2
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CELSODEMELLO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 34 de 42 722
INQ 4347 / DF
Daí o voto do eminente Relator, no ponto em que, com inteiro acerto,
rejeita a denúncia:
“ Na espécie , mesmo formalmente apta , a proposta
acusatória sucumbe diante da fragilidade dos elementos de
informação apresentados para lhe dar suporte , circunstância que
evidencia a impossibilidade da deflagração de ação penal
desprovida de justa causa , nos termos do art. 6º, ‘caput’, da
Lei n. 8.038/1990, c/c art. 395, III, do Código de Processo Penal.”
( grifei )
Como muito bem ressaltado pelo eminente Ministro EDSON
FACHIN, os autos simplesmente não revelam a existência de dados
mínimos de convicção que poderiam sugerir a possível ocorrência dos fatos
narrados na peça acusatória, o que significa registrar-se , na espécie, a
ausência de um vínculo informativo minimamente necessário para sustentar ,
de modo consistente, a presente denúncia.
Com efeito , o eminente Relator deste Inquérito observou que os
elementos probatórios deduzidos neste procedimento investigatório não
se mostram suficientes para justificar o recebimento da denúncia, pois
claramente ausentes, nesta fase processual, elementos indiciários mínimos ,
que, em face de sua insuficiência, não autorizam a formulação , pelo Supremo
Tribunal Federal, de um juízo positivo de admissibilidade da acusação penal.
O exame a que procedeu Vossa Excelência, Senhor Presidente,
convence-me , bem por isso, da inviabilidade da denúncia ora em análise,
considerada , para tanto, a inexistência de elementos probatórios mínimos
subjacentes à peça acusatória.
3
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CELSODEMELLO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 35 de 42 723
INQ 4347 / DF
É essencial reconhecer , para efeito de controle prévio de admissibilidade
da denúncia, que a formulação de acusação penal, para efetivar-se
legitimamente, não deve nem pode apoiar-se em fundamentos retóricos,
devendo sustentar-se , ao contrário, em elementos que, instruindo a
denúncia, indiquem a realidade material do delito e apontem para a
existência de indícios , ainda que mínimos, de autoria.
É certo que a formulação da acusação penal em juízo não supõe a
prova completa e integral do delito e de seu autor (o que somente se
revelará exigível para efeito de eventual condenação penal), mas
impõe ao órgão da acusação penal a demonstração (inocorrente no caso) –
fundada em elementos probatórios mínimos e lícitos – da realidade material
do evento delituoso e da existência de indícios de sua possível autoria :
“ Inquérito. Queixa-crime . Alegações desapoiadas de
indícios ou suspeitas fundadas . Juízo de delibação . Condição
de procedibilidade (inexistência). Inviabilidade . Rejeição da
queixa-crime e arquivamento do inquérito.”
( Inq 112/SP , Rel. Min. RAFAEL MAYER – grifei )
“ Queixa-crime .
– Tratando-se de ação penal privada , sua análise, na fase
de recebimento ou não dela, se circunscreve ao crime que é apontado
na queixa como praticado pelo querelado.
– No caso, (...) há falta de justa causa para o oferecimento da
queixa-crime por estar inteiramente desacompanhada de
qualquer elemento, mínimo que seja , de prova sobre a
materialidade do crime, baseando-se o seu oferecimento tão-só na
versão do querelante (…).
Queixa-crime que se rejeita por falta de justa causa.”
( RTJ 182/462 , Rel. Min. MOREIRA ALVES – grifei )
“‘ HABEAS CORPUS ’ – MINISTÉRIO PÚBLICO –
OFERECIMENTO DE DENÚNCIA – DESNECESSIDADE DE
PRÉVIA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO POLICIAL –
4
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CELSODEMELLO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 36 de 42 724
INQ 4347 / DF
EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS DE
INFORMAÇÃO QUE POSSIBILITAM O IMEDIATO
AJUIZAMENTO DA AÇÃO PENAL – INOCORRÊNCIA DE
SITUAÇÃO DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO – PEDIDO
INDEFERIDO .
– O inquérito policial não constitui pressuposto legitimador da
válida instauração, pelo Ministério Público , da ‘persecutio
criminis in judicio’. Precedentes .
O Ministério Público , por isso mesmo, para oferecer
denúncia, não depende de prévias investigações penais promovidas
pela Polícia Judiciária, desde que disponha , para tanto, de
elementos mínimos de informação, fundados em base empírica
idônea, sob pena de o desempenho da gravíssima prerrogativa de
acusar transformar-se em exercício irresponsável de poder,
convertendo o processo penal em inaceitável instrumento de
arbítrio estatal. Precedentes .”
( HC 80.405/SP , Rel. Min. CELSO DE MELLO)
De qualquer maneira, o fato juridicamente relevante é que eventual
falha do Ministério Público na indicação ( e produção ), ainda que em bases
mínimas, de elementos probatórios idôneos, cuja ausência revele , ante a
insuficiência de dados informativos, a debilidade da peça acusatória,
ensejará , como direto efeito consequencial, a própria rejeição da denúncia,
por descumprimento de ônus que – imputável ao “Parquet” – somente a
ele incumbe atender.
Em suma : enfatize-se a advertência de que a ausência ou
a insuficiência de elementos probatórios mínimos pode conduzir à rejeição da
denúncia, por falta de justa causa. Essa afirmação – impende acentuar – tem
inteiro amparo na jurisprudência dos Tribunais em geral ( RT 664/336 –
RT 716/502 – RT 738/557 – RSTJ 65/157 – RSTJ 106/426, v.g.) e , também, no
magistério da doutrina (DAMÁSIO E. DE JESUS, “ Código de Processo
Penal Anotado ”, p. 07, 17ª ed., 2000, Saraiva; FERNANDO DA COSTA
TOURINHO FILHO, “ Código de Processo Penal Comentado ”, vol. I/111,
4ª ed., 1999, Saraiva; JULIO FABBRINI MIRABETE, “ Código de Processo
5
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CELSODEMELLO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 37 de 42 725
INQ 4347 / DF
Penal Interpretado ”, p. 111, item n. 12.1, 7ª ed., 2000, Atlas; EDUARDO
ESPÍNOLA FILHO, “ Código de Processo Penal Brasileiro Anotado ”,
vol. I/288, 2000, Bookseller, v.g.).
Finalmente , Senhores Ministros, mostra-se imperioso ter presente,
sempre, a antiga advertência , que ainda guarda permanente atualidade, de
JOÃO MENDES DE ALMEIDA JÚNIOR, ilustre Professor das Arcadas e
eminente Juiz deste Supremo Tribunal Federal (“ O Processo Criminal
Brasileiro ”, vol. I/8, 1911), no sentido de que a persecução penal, que se
rege por estritos padrões normativos, traduz atividade necessariamente
subordinada a limitações de ordem jurídica, tanto de natureza legal quanto
de ordem constitucional, que restringem o poder do Estado, a significar ,
desse modo, tal como enfatiza aquele Mestre da Faculdade de Direito do
Largo de São Francisco, que o processo penal só pode ser concebido –
e assim deve ser visto – como instrumento de salvaguarda da liberdade
jurídica do réu.
É por essa razão que o processo penal condenatório não constitui
nem pode converter-se em instrumento de arbítrio do Estado. Ao
contrário, ele representa poderoso meio de contenção e de delimitação dos
poderes de que dispõem os órgãos incumbidos da persecução penal. Não
exagero ao ressaltar a decisiva importância do processo penal no contexto
das liberdades públicas, pois – insista-se – o Estado, ao delinear um círculo
de proteção em torno da pessoa do réu, faz do processo penal um instrumento
destinado a inibir a opressão judicial e a neutralizar o abuso de poder
perpetrado por agentes e autoridades estatais.
Daí , Senhor Presidente, a corretíssima observação do eminente e
saudoso Professor ROGÉRIO LAURIA TUCCI (“ Direitos e Garantias
Individuais no Processo Penal Brasileiro ”, p. 33/35, item n. 1.4, 2ª ed.,
2004, RT), segundo a qual o processo penal há de ser analisado em sua
precípua condição de “instrumento de preservação da liberdade jurídica do
acusado em geral”, tal como entende , também em autorizado magistério, o
6
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CELSODEMELLO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 38 de 42 726
INQ 4347 / DF
saudoso Professor HÉLIO TORNAGHI (“ Instituições de Processo
Penal ”, vol. 1/75, 2ª ed., 1977, Saraiva), cuja lição bem destaca a função
tutelar do processo penal:
“ A lei processual protege os que são acusados da prática
de infrações penais , impondo normas que devem ser seguidas nos
processos contra eles instaurados e impedindo que eles sejam
entregues ao arbítrio das autoridades processantes.” ( grifei )
Essa mesma percepção a propósito da vocação protetiva do processo
penal, considerado o regime constitucional das liberdades fundamentais,
é também perfilhada por autorizadíssimo ( e contemporâneo) magistério
doutrinário, que ressalta a significativa importância do processo judicial
como “garantia dos acusados” (VICENTE GRECO FILHO, “ Manual de
Processo Penal ”, p. 61/63, item n. 8.3, 11ª ed., 2015, Saraiva; GUSTAVO
HENRIQUE BADARÓ, “ Processo Penal ”, p. 37/94, 4ª ed., 2016, RT;
JAQUES DE CAMARGO PENTEADO, “ Duplo Grau de Jurisdição no
Processo Penal – Garantismo e efetividade ”, p. 17/21, 2006, RT;
ROGERIO SCHIETTI MACHADO CRUZ, “ Garantias Processuais nos
Recursos Criminais ”, 2ª ed., 2013, Atlas; GERALDO PRADO, “ Sistema
Acusatório – A Conformidade Constitucional das Leis Processuais
Penais ”, p. 41/51 e 241/243, 3ª ed., 2005, Lumen Juris; ANDRÉ NICOLITT,
“ Manual de Processo Penal ”, p. 111/173, 6ª ed., 2016, RT; AURY LOPES
JR., “ Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional ”,
p. 171/255, 9ª ed., 2012, Saraiva, v.g.).
Essa é a razão básica , Senhores Ministros, que me permite insistir
na afirmação de que a persecução penal – cuja instauração é justificada
pela prática de ato supostamente criminoso – não se projeta nem se
exterioriza como manifestação de absolutismo estatal. De exercício
indeclinável , a “persecutio criminis” sofre os condicionamentos que lhe
impõe o ordenamento jurídico. A tutela da liberdade , nesse contexto,
representa insuperável limitação constitucional ao poder persecutório do
Estado, mesmo porque – ninguém o ignora – o processo penal qualifica-se
7
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CELSODEMELLO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 39 de 42 727
INQ 4347 / DF
como instrumento de salvaguarda dos direitos e garantias fundamentais daquele
que é submetido , por iniciativa do Estado, a atos de persecução penal cuja
prática somente se legitima dentro de um círculo intransponível e
predeterminado pelas restrições fixadas pela própria Constituição da
República, tal como tem entendido a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal:
“ O PROCESSO PENAL COMO INSTRUMENTO DE
SALVAGUARDA DAS LIBERDADES INDIVIDUAIS
– A submissão de uma pessoa à jurisdição penal do Estado
coloca em evidência a relação de polaridade conflitante que se
estabelece entre a pretensão punitiva do Poder Público e o resguardo à
intangibilidade do ‘ jus libertatis ’ titularizado pelo réu.
A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal
juridicamente vinculada , por padrões normativos que,
consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações
significativas ao poder do Estado. Por isso mesmo , o processo
penal só pode ser concebido – e assim deve ser visto – como
instrumento de salvaguarda da liberdade do réu .
O processo penal condenatório não é um instrumento de
arbítrio do Estado . Ele representa , antes , um poderoso meio de
contenção e de delimitação dos poderes de que dispõem os
órgãos incumbidos da persecução penal . Ao delinear um
círculo de proteção em torno da pessoa do réu – que jamais se
presume culpado , até que sobrevenha irrecorrível sentença
condenatória –, o processo penal revela-se instrumento que inibe
a opressão judicial e que , condicionado por parâmetros ético-jurídicos , impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova,
o mesmo tempo em que faculta ao acusado, que jamais
necessita demonstrar a sua inocência , o direito de defender-se e
de questionar , criticamente, sob a égide do contraditório, todos os
elementos probatórios produzidos pelo Ministério Público.
A própria exigência de processo judicial representa
poderoso fator de inibição do arbítrio estatal e de restrição ao
poder de coerção do Estado . A cláusula ‘ nulla poena sine
8
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CELSODEMELLO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 40 de 42 728
INQ 4347 / DF
judicio ’ exprime , no plano do processo penal condenatório, a
fórmula de salvaguarda da liberdade individual.”
( HC 73.338/RJ , Rel. Min. CELSO DE MELLO)
Nesse contexto , Senhor Presidente, é de registrar-se – e acentuar-se – o
decisivo papel que desempenha, no âmbito do processo penal
condenatório, a garantia constitucional do devido processo legal, cuja fiel
observância condiciona a legitimidade jurídica dos atos e resoluções
emanados do Estado e , em particular, das decisões de seu Poder
Judiciário.
Cabe insistir , bem por isso, que o tema da preservação e do
reconhecimento dos direitos fundamentais daqueles que sofrem persecução
penal por parte do Estado deve compor , por tratar-se de questão
impregnada do mais alto relevo, a agenda permanente desta Corte
Suprema, incumbida , por efeito de sua destinação institucional, de velar pela
supremacia da Constituição e de zelar pelo respeito aos direitos que
encontram fundamento legitimador no próprio estatuto constitucional e
nas leis da República.
Com efeito , a necessidade de outorgar-se, em nosso sistema jurídico,
proteção judicial efetiva à cláusula do “due process of law” qualifica-se , na
verdade, como fundamento imprescindível à plena legitimação material do
Estado Democrático de Direito, ainda mais se se tratar de aspectos
básicos como aquele que se refere à essencialidade da atividade probatória
do Estado (“nulla accusatio sine probatione”), que traduz ônus indeclinável
do Ministério Público no curso dos procedimentos estatais de persecução
criminal instaurados com o objetivo de apurar e de esclarecer a verdade
real em torno do fato delituoso, notadamente a propósito de sua autoria e
materialidade, sob pena de, em falhando o Poder Público na satisfação desse
encargo jurídico-processual, tornar imperiosa a formulação , pelo Poder
Judiciário, do “in dubio pro reo”.
9
Supremo Tribunal Federal
Voto-MIN.CELSODEMELLO
Inteiro Teor do Acórdão - Página 41 de 42 729
INQ 4347 / DF
Em suma : meras alegações do Ministério Público formalmente
veiculadas em denúncia, quando destituídas ( ou , até mesmo, quando
desacompanhadas ) de elementos informativos mínimos, descaracterizam a
existência de justa causa, inviabilizando , desse modo, a legítima instauração
de “persecutio criminis in judicio”.
Sendo assim , e com fundamento nas razões expostas, acompanho ,
integralmente, Senhor Presidente, o substancioso voto proferido por Vossa
Excelência, rejeitando , em consequência, a denúncia oferecida pelo
Ministério Público.
É o meu voto .
10
Supremo Tribunal Federal
ExtratodeAta-27/03/2018
Inteiro Teor do Acórdão - Página 42 de 42 730
SEGUNDA TURMA EXTRATO DE ATA
PROCED. : DISTRITO FEDERAL RELATOR : MIN. EDSON FACHIN
AUTOR (A/S)(ES) : MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
INVEST.(A/S) : ROMERO JUCÁ
ADV.(A/S) : LILIANE DE CARVALHO GABRIEL (31335/DF)
INVEST.(A/S) : JORGE GERDAU JOHANNPETER
ADV.(A/S) : NILO BATISTA (197B/RJ) E OUTRO (A/S)
Decisão : A Turma, por votação unânime, rejeitou a denúncia,
nos termos do voto do Relator. Falaram: pelo Ministério Público
Federal, o Dr. Edson Oliveira de Almeida, e pelo denunciado Jorge
Gerdau Johannpeter, o Dr. Nilo Batista. Ausentes,
justificadamente, Lewandowski. Presidência os Ministros do Ministro Gilmar Edson Mendes Fachin. e 2ª Ricardo Turma ,
27.3.2018.
Presidência do Senhor Ministro Edson Fachin. Presentes à
sessão os Senhores Ministros Celso de Mello e Dias Toffoli.
Ausentes, justificadamente, os Senhores Ministros Gilmar Mendes e
Ricardo Lewandowski.
Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de
Almeida.
Ravena Siqueira
Secretária