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17 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Supremo Tribunal Federal STF - HABEAS CORPUS: HC XXXXX MG - Inteiro Teor

Supremo Tribunal Federal
há 13 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Primeira Turma

Partes

Publicação

Julgamento

Relator

Min. CÁRMEN LÚCIA

Documentos anexos

Inteiro TeorHC_106068_MG_1319333642768.pdf
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Inteiro Teor

Supremo Tribunal Federal

EmentaeAcórdão DJe 05/08/2011

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 24

14/06/2011 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 106.068 MINAS GERAIS

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA

PACTE.(S) : LEANDRO LÚCIO DA SILVEIRA

IMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL

COATOR (A/S)(ES) : RELATOR DO HC Nº 184866 DO SUPERIOR TRIBUNAL

DE JUSTIÇA

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. TENTATIVA DE FURTO SIMPLES. EXCEPCIONALIDADE DA SÚMULA N. 691 STF. INEXISTÊNCIA DE LESÃO A BEM JURIDICAMENTE PROTEGIDO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: INCIDÊNCIA. PRECEDENTES. ORDEM CONCEDIDA.

1. O Supremo Tribunal Federal tem admitido, em sua jurisprudência, a impetração da ação de habeas corpus, quando, excepcionalmente, se comprovar flagrante ilegalidade, devidamente demonstrada nos autos, a recomendar o temperamento na aplicação da súmula. Precedentes.

2. A tentativa de furto de tubos de pasta dental e barras de chocolate, avaliados em trinta e três reais, não resultou em dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou colocar em perigo bem jurídico na intensidade reclamada pelo princípio da ofensividade.

3. Este Supremo Tribunal tem decidido pela aplicação do princípio da insignificância, quando o bem lesado não interesse ao direito penal, havendo de ser considerados apenas aspectos objetivos do fato, que deve ser tratado noutros campos do direito ou, mesmo, das respostas sociais não jurídico-penais, o que não se repete em outros casos, quando se comprova que o bem jurídico a ser resguardado impõe a aplicação da lei penal, notadamente considerando-se os padrões sócio-econômicos do Brasil. Precedentes.

4. Ordem concedida.

A C Ó R D Ã O

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do

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EmentaeAcórdão

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HC 106.068 / MG

Supremo Tribunal Federal, em Primeira Turma, sob a Presidência da Ministra Cármen Lúcia, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, à unanimidade, em conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora.

Brasília, 14 de junho de 2011.

Ministra CÁRMEN LÚCIA - Relatora

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Supremo Tribunal Federal

Relatório

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14/06/2011 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 106.068 MINAS GERAIS

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA

PACTE.(S) : LEANDRO LÚCIO DA SILVEIRA

IMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL

COATOR (A/S)(ES) : RELATOR DO HC Nº 184866 DO SUPERIOR TRIBUNAL

DE JUSTIÇA

R E L A T Ó R I O

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – (Relatora):

1. Habeas corpus, com pedido de liminar, impetrado pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO em favor de LEANDRO LÚCIO DA SILVEIRA, contra decisão do Ministro Haroldo Rodrigues, do Superior Tribunal de Justiça, que, em 8.10.2010, indeferiu medida liminar nos autos do Habeas Corpus n. 184.866.

2. Informa a Impetrante que o ora Paciente “foi preso em flagrante sob a acusação de haver tentado furtar 02 (dois) tubos de pasta dental e 02 (duas) barras de chocolate, avaliados em apenas R$ 33,00 (trinta e três reais), de um supermercado localizado na cidade de Juiz de Fora-MG”.

3. Em 28 de setembro de 2009, o Paciente foi denunciado como “incurso nas sanções penais dos artigos 155, caput, c/c art. 14, II, ambos do Código Penal” (tentativa de furto).

4. Em 27 de novembro de 2009, o Juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Juiz de Fora-MG absolveu o Paciente, ao argumento de que se tratava de crime impossível.

5. Em apelação interposta pelo Ministério Público mineiro, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (Apelação Criminal n.

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Relatório

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HC 106.068 / MG

1.0145.09.557087-8/001), por maioria, condenou o Paciente à pena de oito meses de reclusão, nos termos seguintes:

“APELAÇÃO CRIMINAL - FURTO - ABSOLVIÇÃO PELO ACOLHIMENTO DA TESE DE CRIME IMPOSSÍVEL -IMPOSSIBILIDADE - CONDENAÇÃO - MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS - CONFISSÃO DO RÉU CORROBORADA PELAS DEMAIS PROVAS. A teor do artigo 17 do Código Penal, considera-se crime impossível aquele que por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto jamais poderia ser consumado, o que não ocorre "in casu", podendo se falar, no máximo, em uma impropriedade relativa do meio ante à vigilância dos funcionários do estabelecimento comercial. Restando comprovadas a materialidade e a autoria do delito de furto imperativa a condenação do apelado”

Este o teor dos votos proferidos pelos Desembargadores Eduardo Machado e Alexandre Victor de Carvalho, Relator e Revisor, respectivamente, da Apelação Criminal n. 1.0145.09.557087-8/001, verbis:

“(...) O SR. DES. EDUARDO MACHADO:

VOTO

Trata-se de apelação criminal interposta contra a sentença de fls. 75/78, que julgando improcedente a denúncia, absolveu o apelado da imputação prevista nos artigos 155 'caput' c/c 14, inciso II, ambos do Código Penal, pelo acolhimento da tese de crime impossível.

Nas razões recursais de fls. 82/86, pleiteia-se a condenação do apelado nos exatos termos da denúncia, alegando-se, em apertada síntese, 'que a existência de fiscalização não é suficiente, por si só, para afastar a possibilidade da ocorrência do crime'.

Contrarrazões recursais, às fls. 97/99.

Manifesta-se a douta Procuradoria de Justiça, às fls. 107/112, pelo provimento do recurso.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do

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HC 106.068 / MG

recurso.

Narra a denúncia que no dia 12 de setembro de 2009, por volta das 19 horas e 48 minutos, o denunciado Leandro Lúcio da Silveira subtraiu duas pastas dentais e duas barras de chocolate do supermercado 'Bahamas'. Consta ainda da exordial que 'Ante a ação do denunciado, desconfiado, o funcionário da loja, Ricardo Paulo Quincas de Azevedo, observou sua conduta, indo atrás do mesmo, quando, já na rua, deparou-se com o denunciado sendo abordado por policiais. Estes abordaram o denunciado ao perceberem que o mesmo saiu apressadamente do supermercado e, mudou de direção quando avistou a polícia'.

De fato, conforme alegado pelo Órgão Ministerial, mostra-se inviável o acolhimento da tese de crime impossível.

A teor do artigo 17 do Código Penal, considera-se crime impossível aquele que por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto jamais poderia ser consumado, o que não ocorre 'in casu', podendo se falar, no máximo, em uma impropriedade relativa do meio ante à vigilância dos funcionários do estabelecimento comercial.

No caso em tela, ocorreram os atos de execução do delito, que inegavelmente colocaram em perigo o patrimônio do supermercado. Não obstante a vigilância constante dos seus empregados, o apelado furtou os produtos e os colocou dentro de seu short, vindo a ser detido por policiais militares já fora do estabelecimento comercial. Caso isso não acontecesse, ele, com certeza, levaria os objetos subtraídos consigo.

Nesse sentido a jurisprudência:

CRIMINAL - FURTO QUALIFICADO - VIGILÂNCIA DENTRO DO SUPERMERCADO - CRIME IMPOSSÍVEL -DESCABIMENTO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA -INADMISSIBILIDADE - COEXISTÊNCIA COM A CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA DO PRIVILÉGIO -IMPOSSIBILIDADE. Se o agente percorreu todos os atos configuradores do delito, chegando a sair do supermercado a mercadoria que pretendia subtrair, sendo abordado pelos vigilantes do estabelecimento comercial do lado de fora, correto o reconhecimento do crime de furto, em sua forma tentada, não havendo falar-se em crime

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impossível. O princípio da insignificância não encontra respaldo no ordenamento jurídico pátrio como excludente de criminalidade, não havendo como acolher o pleito absolutório. Não há como admitir a coexistência do furto qualificado com a regra do § 2.º do art. 155 do CP (furto privilegiado), porquanto a conduta que é legalmente tipificada como mais grave, não pode ser, paradoxalmente, também considerada menos grave. Desprovimento do recurso que se impõe. (TJMG, 3ª C.Crim., Ap n.º 1.0024.08.105943-8/001 (1), Rel. Des. Antônio Carlos Cruvinel, j. 24/03/2009; in DOMG de 27/05/2009).

PENAL - TENTATIVA DE FURTO - SENTENÇA ABSOLUTÓRIA - SISTEMA DE VIGILÂNCIA EM SUPERMERCADO - CRIME IMPOSSÍVEL - INOCORRÊNCIA -MEIO RELATIVAMENTE INEFICAZ - CONFIGURAÇÃO DA TENTATIVA - CONDENAÇÃO - RECURSO PROVIDO. O crime impossível somente se configura quando o agente, de forma alguma, conseguir chegar à consumação do delito, seja pela ineficácia absoluta do meio ou em virtude da absoluta impropriedade do objeto. O sistema de vigilância interna, empregado por supermercados e lojas em geral, é uma necessidade para evitar a ocorrência de ações delituosas, não podendo ser utilizado como forma de assegurar a impunidade. O simples fato de existir um sistema de segurança não pode afastar a ocorrência de tentativa de furto. (TJMG. 2.ª Câmara Criminal. Apelação XXXXX-8/001. Rel.ª Des.ª Beatriz Pinheiro Caires. j. 21.06.2007, publ. 05.07.2007).

Além do mais, a vigilância constante dos empregados do supermercado não tornaria impossível a tentativa de práticas ilícitas no local.

A materialidade do crime está comprovada pelo boletim de ocorrência de fls. 10/11, pelo auto de apreensão de fl. 17 e pelo laudo de avaliação de fls. 24/25.

Igualmente, a autoria do delito resta fartamente demonstrada nos autos, especialmente, pela confissão, judicial e extrajudicial do apelado, respectivamente, às fls. 8 e 61, confirmada pelos relatos dos policiais Lenadro César Bettim e Mara de Oliveira Fonseca, que prenderam em flagrante delito o réu no momento em que saía do supermercado com os produtos subtraídos, às fls. 6, 58 e 59, e pelos

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depoimentos prestados pelo vigilante do estabelecimento comercial Ricardo Paulo Quincas de Azevedo, que viu o acusado guardar os objetos furtados dentro de seu short, às fls. 7 e 60.

Portanto, impõe-se a condenação do apelado pela prática do delito previsto nos artigos 155 'caput' c/c 14, inciso II, ambos do Código Penal.

Ressalte-se, ainda que possa ser considerada como de pequeno valor a 'res furtiva', o réu é reincidente, fato esse que impede o reconhecimento da figura privilegiada.

Feitas tais considerações, promove-se a dosimetria da pena.

A culpabilidade do apelante é ínsita e própria do tipo penal; os antecedentes não serão aqui considerados, sob pena da ocorrência de 'bis in idem'; não há dados para se aferir a sua conduta social bem como sua personalidade, os motivos são comuns aos delitos dessa natureza; as circunstâncias, normais do tipo penal; as conseqüências não foram graves, pois a 'res furtiva' foi restituída; a vítima em nada contribuiu para a prática do crime.

Fixa-se a pena-base no mínimo legal de 1 (um) ano de reclusão e 10 (dez) dias-multa.

Compensam-se o atenuante da confissão espontânea e o agravante da reincidência, mantendo-se nesta fase inalterada a reprimenda.

Em face da causa de diminuição da tentativa, levando-se em consideração que o réu esteve bastante próximo da consumação do delito, vindo a ser preso por policiais militares na posse da 'res furtiva' já fora do estabelecimento comercial, a redução deve operar-se no patamar mínimo de 1/3 (um terço), ficando a pena concretizada em 8 (oito) meses de reclusão e 6 (seis) dias-multa.

Impõe-se o regime prisional semiaberto pela reincidência do apelado e, pela mesmo motivo, nega-se a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos e a concessão do sursis.

Fixado o dia-multa na fração de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à data do fato.

Diante do exposto, DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO MINISTERIAL para condenar o apelado pela prática do delito previsto nos artigos 155 'caput' c/c 14, inciso II, ambos do Código

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Penal, às penas de 8 (oito) meses de reclusão, a ser cumprido em regime semiaberto, e pagamento de 6 (seis) dias-multa.

Custas na forma da lei.

O SR. DES. ALEXANDRE VICTOR DE CARVALHO:

VOTO

Peço vênia ao desembargador Relator para discordar de seu judicioso voto em alguns pontos.

Inicialmente, ressalvo que, em diversos julgados, manifestei meu entendimento no sentido de ser perfeitamente possível a configuração do crime impossível, desde que reunidos determinados elementos que possibilitem a aferição de sua ocorrência.

Embora não haja, ainda, decisão definitiva das Cortes Superiores sobre a matéria, os Tribunais pátrios têm decidido pela absolvição, conforme os julgados a seguir transcritos:

'Inocorre tentativa de furto na hipótese em que o agente desperta a desconfiança dos seguranças do estabelecimento-vítima, permanecendo vigiado, de forma contínua e ininterrupta, pois em nenhum momento o patrimônio esteve desprotegido, não sendo possível ao acusado se apossar dos objetos, eis que o meio empregado foi absolutamente ineficaz, fazendo com que o agente se torne penalmente impunível, nos termos do art. 17 do CP' (TACRIM- SP -Ap. Rela. Angélica de Almeida - RJTACRIM 41/166)

'A tutela jurídica visa proteger os bens do patrimônio da vítima. Se a res esteve sob a vigilância de segurança, que percebeu a ação do suspeito, e a qualquer tempo poderia evitar a prática delituosa, o bem juridicamente tutelado não esteve sob o risco de expropriação, tratando-se de crime impossível.' (TARS - Rel. Aramis Nassif - RT 750/721)

Tenho convicção de que o crime impossível é hipótese de atipicidade da conduta por ausência de perigo ao bem jurídico tutelado presente quando há impropriedade do objeto ou ineficácia do meio, sempre absoluta, porquanto, se houver uma única chance para a consumação do crime, haverá tentativa.

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O critério para se distinguir entre a ineficácia absoluta ou relativa do objeto está, não em inconsistentes exercícios de futurologia, mas, sim, objetivamente, se houve risco de lesão para o bem jurídico tutelado ou não.

Tanto o meio quanto o objeto serão considerados absolutamente ineficazes ou impróprios quando não servirem, ao menos, para traduzir um risco de dano ao valor tutelado pela norma penal.

Aqui está a razão da existência do delito impossível ou tentativa inidônea: a sua relação com o princípio da lesividade.

Se não há sequer risco de ofensa ao bem jurídico protegido, não há tipicidade material e, portanto, descaracterizado está o injusto penal.

Entretanto, in casu, não entendo ser possível o seu reconhecimento, porquanto, apesar de o acusado ter sido monitorado por um dos seguranças do estabelecimento, não me restou clara a ostensividade de tal ação preventiva ao ponto de impossibilitar a lesão

o bem jurídico tutelado.

o contrário, segundo afirmado pela testemunha Ricardo Paulo Quincas de Azevedo (f. 60), segurança do estabelecimento onde as res foram furtadas, o apelante já havia saído do supermercado, sendo interpelado, então, por policiais militares, ficando, claro, portanto, que não foi sua vigilância ininterrupta que impediu a ocorrência do crime.

A necessidade de um acompanhamento mais rígido do suspeito, como por exemplo, com a presença de mais profissionais responsáveis pela segurança do estabelecimento, assim como a existência de circuitos internos de câmeras de vigilância, é imprescindível, a meu ver, para a demonstração de uma atuação preventiva tal que realmente possa impossibilitar a ação delitiva.

Como dito alhures, havendo o risco de lesão, inaplicável a referida figura legal.

Assim, apesar de entender perfeitamente possível o reconhecimento da hipótese de crime impossível, pelos motivos supra expostos, deixo de aplicá-lo no caso em comento.

De outro norte, entendo que, in casu, seja possível a reforma da sentença em benefício do acusado (reformatio in mellius), ainda que se trate de recurso exclusivo da acusação, com vistas à sua absolvição,

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mas, agora, com fulcro no princípio da insignificância.

Acerca do tema, confiram-se os pertinentes comentários da Professora Cláudia Carvalho Queiroz em seu artigo 'Admissibilidade da 'reformatio in melius' publicado na Revista 'InConslulex' Editora Consulex, nº 153, em abril de 2004.

'Permissa vênia, em que pese a posição sufragada pela Corte Máxima de que a reformatio in melius ofende aos princípios do tantum devolutum quantum appelatum e da coisa julgada para a defesa, entendemos perfeitamente admissível, em recurso exclusivo da acusação, a reforma da decisão em favor do réu, haja vista que a impugnação interposta pelo Ministério Público, a teor do que se subentende do art. 617 do CPP, tem efeito devolutivo amplo, devolvendo ao Tribunal a análise de toda a matéria meritória e probatória. A bem da verdade, isso se verifica porque o Parquet não é um órgão acusador por excelência, mas sim um legítimo representante e defensor da ordem jurídica e da sociedade (art. 127 da CF/88), tendo por interesse maior a busca de uma solução justa para a lide penal e não a impreterível condenação do réu'. (Grifo nosso).

O mesmo entendimento vem sendo externado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, senão vejamos:

'1. O art. 617 do Código de Processo Penal veda, tão-somente, a reformatio in pejus. Em sendo assim, infere-se do sistema processual penal que a reformatio in mellius deve ser admitida, pois em recurso exclusivo do Ministério Público toda a matéria resta devolvida, podendo, desta forma, ser analisada a existência de ilegalidades na condenação pelo Tribunal de Origem. Precedentes'. (RESP XXXXX/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, p. no DJ de 02/5/05, p. 401). -Grifo nosso.

'Em sede de recurso exclusivo da acusação, o Tribunal não está impedido de, ao constatar patente erro na condenação, corrigir a sentença, amenizando a situação do réu, dada a relevância que a Justiça deve conferir à liberdade humana. - O que é vedado no sistema processual penal é a reformatio in pejus, como inscrito no art. 617, do CPP, sendo admissível a reformatio in melius, o que ocorre na hipótese em que o Tribunal, ao julgar recurso da acusação, diminui a pena prevista do réu'. (RESP XXXXX/SP, Rel. Min. Vicente Leal, p.

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no DJ de 28/4/03, p. 269). - Grifo nosso.

Dessarte, atento ao princípio da reformatio in mellius, procedo à reforma da r. decisão singular para absolver o apelado com fulcro no princípio da insignificância.

A res furtiva foi avaliada em R$ 33,00 (trinta e três reais), conforme Laudo de f. 24/25.

Entendo, in casu, que merece ser absolvido o acusado, uma vez que, efetivamente, sua conduta foi atípica, pois que comporta a aplicação do princípio da insignificância.

O desvalor do resultado consubstanciado no ínfimo valor da quantia furtada - trinta e três reais, ou seja, inferior a 10% (dez porcento) do valor do salário mínimo à época dos fatos, que era de R$ 465,00 (quatrocentos e sessenta e cinco reais) - não gerou lesão ao bem jurídico a ponto de implicar num decreto condenatório desse porte.

Segundo o entendimento doutrinário de César Roberto Bittencourt no livro 'Manual de Direito Penal' - Parte Geral - Ed. Revistas dos Tribunais - 4a ed., p. 45: 'A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico'.

Está-se aí diante do velho adágio latino 'minima non curat praetor', que fundamenta o princípio da bagatela, cunhado por Claus Roxin, na década de 60.

O citado mestre Francisco de Assis Toledo em sua conceituada op. cit. 'Princípios Básicos de Direito Penal' - Ed. Saraiva - 4a ed. -1991 - p. 132 assim resume: 'Welzel considera que o princípio da adequação social bastaria para excluir certas lesões insignificantes. É discutível que assim seja. Por isso, Claus Roxin propôs a introdução, no sistema penal, de outro princípio geral para a determinação do injusto, o qual atuaria igualmente como regra auxiliar de interpretação. Trata-se do denominado princípio da insignificância, que permite, na maioria dos tipos, excluir os danos de pouca importância. Não vemos incompatibilidade na aceitação de ambos os princípios que, evidentemente, se completam e se ajustam à concepção material do tipo que estamos defendendo. Segundo o princípio da insignificância, que se revela por inteiro pela sua própria

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denominação, o direito penal, por sua natureza fragmentária só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não deve ocuparse de bagatelas...'

Pelo expendido, tenho que o princípio da insignificância é uma interpretação corretiva da larga abrangência formal dos tipos penais e, para sua aplicação, prescinde de menção na lei, pois decorre do Estado Democrático de Direito, constante da Constituição Federal de 1988.

Com estas considerações, dou provimento ao recurso ministerial, nos termos do voto condutor, ressalvando apenas meu posicionamento acerca da tese de crime impossível, e, em reformatio in mellius, absolvo o apelante e o faço com base no princípio da insignificância.

Determino o cumprimento do art. 201, §§ 2º e , do CPP, remetendo-se, ao ofendido, cópias integrais da sentença de primeiro grau e deste acórdão.

Custas, ex lege.

É como voto (...)”.

6. O presente habeas foi impetrado contra decisão do Ministro Haroldo Rodrigues, do Superior Tribunal de Justiça, que, em 8.10.2010, indeferiu o pedido de medida liminar no Habeas Corpus n. 184.866, nos termos seguintes:

“(...) Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de Leandro Lúcio da Silveira, condenado por tentativa de furto, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no qual se busca o trancamento da ação penal por atipicidade da conduta ou a redução da pena.

Pretende-se, em sede liminar, que seja assegurado ao paciente o direito de aguardar o julgamento do writ em liberdade.

A liminar, na via eleita, não tem previsão legal, sendo criação da jurisprudência para casos em que a urgência, necessidade e relevância da medida se mostrem evidenciadas de forma indiscutível na própria impetração e nos elementos de prova que a acompanham.

No caso, o constrangimento não se mostra com a nitidez imprimida na inicial, estando a exigir um exame mais detalhado dos elementos de convicção carreados aos autos, o que ocorrerá por ocasião

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HC 106.068 / MG

do julgamento definitivo.

Ante o exposto, indefiro a liminar.

Dispensadas as informações, abra-se vista ao Ministério Público Federal (...)”.

7. Na presente ação, sustenta a Impetrante estar configurada a situação de atipicidade material da conduta do Paciente, incidindo, no caso, o princípio da insignificância.

Defende ela a “superação” da Súmula n. 691 deste Supremo Tribunal Federal, ressaltando estar “caracterizada situação de excepcionalidade, em face de flagrante ilegalidade consistente na condenação do paciente sob acusação de que ele teria tentado furtar 02 (dois) tubos de pasta dental e 02 (duas) barras de chocolate, avaliados em tão-somente R$ 33,00 (trinta e três reais)”.

8. Este o teor dos pedidos:

“(...) 1. a concessão de medida liminar para determinar a suspensão dos efeitos do acórdão condenatório proferido pelo TJ/RS em desfavor do paciente, no bojo da ação penal autuada sob o número XXXXX-8, obstando-se a sua execução até o julgamento final do presente habeas corpus;

2. sejam observadas as prerrogativas desta Instituição Defensória de receber intimação pessoal e de contagem em dobro de todos os seus prazos, em conformidade com o artigo 44, incisos I e VI, da Lei Complementar 80/1994;

3. seja, ao fim da instrução do presente pedido de habeas corpus, proferida decisão para conceder definitivamente a ordem e determinar o trancamento da sobredita ação penal movida em desfavor do paciente, reconhecendo-se a configuração do princípio da insignificância penal (...)”.

9. Em 14.12.2010, sem prejuízo de um melhor exame, deferi o pedido de medida liminar apenas para suspender os efeitos “do acórdão condenatório proferido pela TJ/MG em desfavor do paciente, no bojo da ação

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Relatório

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penal autuada sob o número XXXXX-8” até o julgamento do mérito da presente ação e determinei vista dos autos ao Procurador-Geral da República.

10. A Procuradoria-Geral da República opinou pelo deferimento da ordem.

É o relatório.

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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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HABEAS CORPUS 106.068 MINAS GERAIS

V OTO

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – (RELATORA):

1. Primeiramente tenho que, tal como no exame do pedido de medida liminar, é o caso de superação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal, por estar evidenciada na espécie vertente dos autos manifesta ilegalidade a permitir essa excepcionalidade.

É nesse sentido a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, aqui traduzida na ementa do acórdão proferido no julgamento do Habeas Corpus n. 86.864, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ 16.12.2005, nos termos seguintes:

“EMENTA: CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. (...) LIMINAR INDEFERIDA PELO RELATOR, NO STJ. SÚMULA 691-STF. (...) Liminar indeferida pelo Relator, no STJ. A Súmula 691-STF, que não admite habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em HC requerido a Tribunal Superior, indefere liminar, admite, entretanto, abrandamento: diante de flagrante violação à liberdade de locomoção, não pode a Corte Suprema, guardiã-maior da Constituição, guardiãmaior, portanto, dos direitos e garantias constitucionais, quedar-se inerte”.

Confiram-se, ainda, entre outros: HC 93.739, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 19.9.2008; HC 94.002, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 1º.8.2008; HC 87.032, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 28.3.2008; HC 86.634, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 23.2.2007; HC 94.702, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 24.10.2008; HC 93.629, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 1º.8.2008; HC 90.387, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 28.9.2007; HC 89.970, de minha relatoria, DJ 22.6.2007; HC 88.129, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 17.8.2007; HC 90.077,

Supremo Tribunal Federal

Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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HC 106.068 / MG

de minha relatoria, DJ 13.4.2007; HC 87.468, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 15.9.2006; HC 87.470, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 8.9.2006; HC 85.185, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 1º.9.2006; e HC 84.014, Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 25.6.2004.

2. As alegações e os dados constantes nos autos conduzem à concessão da ordem “em decorrência da atipicidade da conduta ante a aplicabilidade do princípio da insignificância”.

3. É consabido que a tipicidade penal não pode ser percebida como o trivial exercício de adequação do fato concreto à norma abstrata. Além da correspondência formal, para a configuração da tipicidade, é necessária uma análise materialmente valorativa das circunstâncias do caso concreto, no sentido de se verificar a ocorrência de alguma lesão grave, contundente e penalmente relevante do bem jurídico tutelado.

O princípio da insignificância reduz o âmbito de proibição aparente da tipicidade legal e, por consequência, torna atípico o fato na seara penal, apesar de haver lesão a bem juridicamente tutelado pela norma penal.

4. No caso, o Paciente foi condenado por tentativa de furto de “02 (dois) tubos de pasta dental e 02 (duas) barras de chocolate, avaliados em apenas R$ 33,00 (trinta e três reais)” à pena de “8 (oito) meses de reclusão, a ser cumprido em regime semiaberto, e pagamento de 6 (seis) dias-multa”.

5. Em pesquisa no acervo jurisprudencial deste Supremo Tribunal Federal, verifica-se o reconhecimento da incidência do princípio da insignificância em casos de furto de “cadeiras de palha avaliados em R$ 91,00” ( HC 96.688, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 29.5.2009); de “aparelho celular” avaliado em “R$ 150,00” ( HC 96.496, Rel. Min. Eros Grau, DJ 22.5.2009); de “mochila” avaliada em “R$ 154,57” (HC 89.624, de minha

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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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HC 106.068 / MG

relatoria, DJ 7.12.2006); de “roda sobressaltante com pneu de automóvel estimados em R$ 160,00” ( HC 93.393, Rel. Min. Cezar Peluso, DJ 15.5.2009); e de “roupas” avaliadas em “R$ 270,00” (HC 95.957, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 31.10.2008); o que autoriza, considerando o valor dos bens subtraídos, a aplicação do referido princípio no caso de tentativa de furto de “tubos de pasta dental e barras de chocolate, avaliados em R$ 33,00 (trinta e três reais)”.

6. Por outro lado, o Supremo Tribunal tem decidido, em casos como o presente, em duas vertentes, que aparentemente poderiam parecer nem sempre coerentes. Mas tanto se trata apenas de aparente distinção dos julgados, pois em todos eles o que é determinante é o relevo do bem jurídico tutelado em face da específica situação cuidada. Assim, em alguns casos tem concluído este Supremo Tribunal pela aplicação do princípio da insignificância, quando o bem lesado não interesse ao direito penal, havendo de ser considerados apenas aspectos objetivos do fato, que deve ser tratado noutros campos do direito ou, mesmo, das respostas sociais não jurídico-penais (Nesse sentido, o AI 559.904-QO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 26.8.2005; RE 512.183-QO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 2.3.2007; e RE 514.530-QO, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 2.3.2007), o que não se repete em outros casos, quando se comprova que o bem jurídico a ser resguardado impõe a aplicação da lei penal, notadamente “considerando-se os padrões sócio-econômicos do Brasil”.

7. A Impetrante pretende, neste caso, ver aplicado o princípio da insignificância, sobre o qual me manifestei, em advertência, no Habeas Corpus n. 87.478, Relator Ministro Eros Grau, j. 29.8.2006:

“O único dado grave nos casos de aplicação desse princípio, é que a pena, desde séculos, tem também - e não perdeu isso com novas teorias penais - um aspecto de exemplificação não no sentido de ‘dar o exemplo de’, mas de não propiciar que as pessoas acreditem ser uma insignificância praticar atos ilícitos. A aplicação desse princípio, muitas vezes, em algumas sociedades, acaba levando a isso. Por tal

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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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HC 106.068 / MG

razão ele já foi, inclusive, aplicado com maior rigor, ou com muito mais freqüência, mas alguns sistemas estão reconsiderando essa aplicação” (DJ 23.12.2007).

8. Conforme realçado, decisões há contemplando situações em que este Supremo Tribunal Federal reconheceu a incidência do princípio da insignificância. Para tanto, estabeleceu-se um norte, cuja referência vem bem definida pelo Ministro Celso de Mello, Relator do HC n. 84.412, Segunda Turma, j. 19.10.2004:

“E M E N T A: PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA -IDENTIFICAÇÃO DOS VETORES CUJA PRESENÇA LEGITIMA O RECONHECIMENTO DESSE POSTULADO DE POLÍTICA CRIMINAL - CONSEQÜENTE DESCARACTERIZAÇÃO DA TIPICIDADE PENAL EM SEU ASPECTO MATERIAL - DELITO DE FURTO - CONDENAÇÃO IMPOSTA A JOVEM DESEMPREGADO, COM APENAS 19 ANOS DE IDADE - "RES FURTIVA" NO VALOR DE R$ 25,00 (EQUIVALENTE A 9,61% DO SALÁRIO MÍNIMO ATUALMENTE EM VIGOR) -DOUTRINA - CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF - PEDIDO DEFERIDO.

O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA QUALIFICA-SE COMO FATOR DE DESCARACTERIZAÇÃO MATERIAL DA TIPICIDADE PENAL.

- O princípio da insignificância - que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal - tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material. Doutrina.

Tal postulado - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal

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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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HC 106.068 / MG

reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público.

O POSTULADO DA INSIGNIFICÂNCIA E A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL: ‘DE MINIMIS, NON CURAT PRAETOR’.

- O sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificam quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.

O direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado, cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social” (DJ 19.11.2204).

Nesse sentido, o julgamento do Habeas Corpus n. 93.393, relatado pelo Ministro Cezar Peluso, DJ 15.5.2009, que concedeu a ordem para determinar a invalidação de sentença penal condenatória restabelecida pelo Superior Tribunal de Justiça, por ausência de tipicidade material, considerado o princípio da insignificância, verbis:

“EMENTA: AÇÃO PENAL. Justa causa. Inexistência. Delito de furto. Subtração de roda sobressalente com pneu de automóvel estimados em R$ 160,00 (cento e sessenta reais). Res furtiva de valor insignificante. Crime de bagatela. Aplicação do princípio da insignificância. Irrelevância de considerações de ordem subjetiva. Atipicidade reconhecida. Absolvição. HC concedido para esse fim. Precedentes. Verificada a objetiva insignificância jurídica do ato tido por delituoso, é de ser afastada a condenação do agente, por atipicidade do comportamento.”

9. No mesmo sentido, o parecer ministerial:

“(...) 5. Penso que a excepcionalidade do caso permite superar o

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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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HC 106.068 / MG

óbice da Súmula 691.

6. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, tem sido reconhecido que o furto de mercadorias de valor inexpressivo não justifica a persecução penal, obstada pelo princípio da insignificância. Nesse sentido: 'A aplicação do princípio da insignificância há de ser criteriosa e casuística, tendo-se em conta critérios objetivos. 3. A tentativa de subtração de mercadorias cujos valores são inexpressivos não justifica a persecução penal. O Direito Penal, considerada a intervenção mínima do Estado, não deve ser acionado para reprimir condutas que não causem lesões significativas

os bens juridicamente tutelados. 4. Aplicação do princípio da insignificância justificada no caso. Ordem deferida a fim de declarar a atipicidade da conduta imputada às pacientes, por aplicação do princípio da insignificância.'( HC nº 97129/RS, rel. Min. Eros Grau, DJ 04.06.2010).

7. Isso posto, opino pelo deferimento da ordem.(...)”.

10. Nessa linha de entendimento, sobretudo levando em consideração as circunstâncias do caso, notadamente o valor de trinta e três reais da res furtiva, é manifesta, a meu ver, a insignificância dos efeitos antijurídicos do ato tido por delituoso. Com efeito, os bens subtraídos pelo Paciente – tubos de pasta dental e barras de chocolate – não resultaram em dano ou perigo concreto relevante, de modo a lesionar ou colocar em perigo bem jurídico na intensidade reclamada pelo princípio da ofensividade.

11. Pelo exposto, em razão da incidência do princípio da insignificância, encaminho a votação no sentido de se conceder a ordem para cassar o decreto condenatório proferido contra o Paciente nos autos da Apelação Criminal n. 1.0145.09.557087-8/001, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

É como voto.

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Voto-MIN.DIASTOFFOLI

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14/06/2011 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 106.068 MINAS GERAIS

VOTO

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:

Acompanho Vossa Excelência com fundamento no crime impossível.

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Voto-MIN.MARCOAURÉLIO

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14/06/2011 PRIMEIRA TURMA

HABEAS CORPUS 106.068 MINAS GERAIS

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Presidente, custo a admitir que possa haver um furto, tentado ou consumado, e se dizer que se trata de crime impossível pela vigilância daquele que detém o bem. Mas, Vossa Excelência ressaltou que o valor da res é insignificante: dois tubos de pasta de dente e um tablete de chocolate.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE E RELATORA) - Tudo junto daria trinta e três reais.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – A pasta para preservar a dentição!

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE E RELATORA) - Come o chocolate e depois, ainda, faz o asseio dental.

O SENHOR MINISTRO LUIZ FUX - Ministro Marco Aurélio, nós chegamos a comentar o seguinte: furtou o chocolate e, por legítima defesa, a pasta de dente para, depois, não ficar com cárie.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Acompanho o pela insignificância.

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE E RELATORA) - Eu também respeito o ponto de vista e sei já o norte do Ministro Dias Toffoli quanto ao crime impossível. Mas, conforme Vossa Excelência, por isso eu acentuei, eu também não acolho a impossibilidade de crime tentado pela...

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – A condenação foi por

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Voto-MIN.MARCOAURÉLIO

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HC 106.068 / MG

tentativa?

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA (PRESIDENTE E RELATORA) - Tentativa. Ele foi denunciado por tentativa.

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Está de bom tamanho.

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DecisãodeJulgamento

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PRIMEIRA TURMA EXTRATO DE ATA

HABEAS CORPUS 106.068

PROCED. : MINAS GERAIS RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA

PACTE.(S) : LEANDRO LÚCIO DA SILVEIRA

IMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

PROC.(A/S)(ES) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL

COATOR (A/S)(ES) : RELATOR DO HC Nº 184866 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE

JUSTIÇA

Decisão : A Turma concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do voto da Relatora. Unânime. Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. 1ª Turma, 14.6.2011.

Presidência da Senhora Ministra Cármen Lúcia. Presentes à Sessão os Senhores Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, Dias Toffoli e Luiz Fux.

Subprocuradora-Geral da República, Dra. Cláudia Sampaio Marques.

Carmen Lilian

Coordenadora

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