30 de Junho de 2022
- 2º Grau
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Detalhes da Jurisprudência
Partes
Publicação
Julgamento
Relator
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Inteiro Teor
RECLAMAÇÃO 50.377 PARANÁ
RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES
RECLTE.(S) : ELISANGELA ESTELA FERREIRA PRADO
ADV.(A/S) : WILIAN GOMES DOS ANJOS E OUTRO (A/S)
RECLDO.(A/S) : TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ
ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS
BENEF.(A/S) : NÃO INDICADO
DECISÃO
Trata-se de Reclamação proposta contra ato do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, alegando ofensa ao que foi decidido na ADI 5.874/DF, do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
Na inicial, o reclamante alega, em síntese, que ʺtrata-se de recurso de agravo em execução que objetivava a concessão do indulto natalino para Reclamante com base no Decreto Presidencial n. 9.246, de 21/11/2017, declarado constitucional por esta Suprema Corte na AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Nº 5.874, proposta pela Procuradora-Geral da República.ʺ.
Afirma que, ʺque por unanimidade de voto, os d. julgadores, deixando de observar o previsto no Decreto Presidencial n. 9.246/2017 mencionado pela defesa, manteve a decisão do juiz a quo, negando a concessão do indulto fundado exclusivamente no disposto no artigo 44, da Lei n. 11.343/06, cujo veda o pretendido benefício ao delito de associação ao tráfico. Ocorre que, jamais o colendo Tribunal de Origem poderia ter mantido a decisão do juiz de primeiro grau, ratificando o preceituado no artigo 44 da Lei de Drogas. Vislumbra-se que no artigo 3º, inciso II, do decreto declarado constitucional no julgado exarado na aludida ADI, de modo algum menciona que o delito do artigo 35 da lei 11.343/06 gera impedimento para concessão da benesse.ʺ.
Aduz, também, que, ʺpor óbvio, não poderia o subjetivismo das instâncias inferiores terem afastado a concessão do indulto pautado no artigo 44, da Lei n. 11.343/06 que se contradiz com o estipulado no artigo 3º, inciso II, do decreto presidencial n. 9.246/17, cujo está vinculado aos ditames constitucionais.ʺ.
Por fim, afirma que ʺpartindo desse pressuposto, por oportuno, em um
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estado que se diz democrático de direito, não é nenhum pouco razoável e proporcional conceder indulto ao condenado no crime de tráfico privilegiado e negar no crime de associação para o tráfico, sendo que ambos são considerados crimes comuns. ILÓGICO e DESPROPORCIONAL.ʺ.
Portanto, requer seja ʺconcedida a medida liminar, para devida suspensão dos efeitos da decisão atacada, nos termos do art. 158, do RISTF e art. 14, inciso II, da lei 8038/90; [...] Ao final, que seja julgada procedente a presente reclamação a fim de cassar o ato reclamado, e determinar a medida adequada à preservação de sua competência, nos termos do inciso III, do artigo 161 do RISTF, medida que com toda certeza fará valer a autoridade dos julgados deste Colendo Supremo Tribunal.ʺ.
É o relatório. Decido.
A respeito do cabimento da Reclamação para o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, dispõem o art. 102, I, l, e o art. 103-A, caput e § 3º, ambos da Constituição Federal:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I - processar e julgar, originariamente:
l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;
Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
[...]
§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando
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a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
Veja-se também o art. 988, I, II, III e IV, do Código de Processo Civil:
Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:
I – preservar a competência do tribunal;
II – garantir a autoridade das decisões do tribunal;
III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência.
O parâmetro invocado é a decisão proferida na ADI 5.874/DF (Redator para o acórdão, Min. ALEXANDRE DE MORAES, Plenário, DJe de 05/11/2020), que analisou suposta inconstitucionalidade de dispositivos do Decreto Federal n. 9.246/17, fundamentada na alegação de que o indulto natalino usurparia função legislativa e esvaziaria a função judicial, o que configuraria violação à separação dos poderes:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO PENAL E PROCESSO PENAL. INDULTO. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA ( CF, ART. 84, XII) PARA DEFINIR SUA CONCESSÃO A PARTIR DE REQUISITOS E CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE. PODER JUDICIÁRIO APTO PARA ANALISAR A CONSTITUCIONALIDADE DA CONCESSÃO, SEM ADENTRAR NO MÉRITO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE.
1. A Constituição Federal, visando, principalmente, a
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evitar o arbítrio e o desrespeito aos direitos fundamentais do homem, previu a existência dos Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, repartindo entre eles as funções estatais.
2. Compete ao Presidente da República definir a concessão ou não do indulto, bem como seus requisitos e a extensão desse verdadeiro ato de clemência constitucional, a partir de critérios de conveniência e oportunidade.
3. A concessão de indulto não está vinculada à política criminal estabelecida pelo legislativo, tampouco adstrita à jurisprudência formada pela aplicação da legislação penal, muito menos ao prévio parecer consultivo do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, sob pena de total esvaziamento do instituto, que configura tradicional mecanismo de freios e contrapesos na tripartição de poderes.
4. Possibilidade de o Poder Judiciário analisar somente a constitucionalidade da concessão da clementia principis, e não o mérito, que deve ser entendido como juízo de conveniência e oportunidade do Presidente da República, que poderá, entre as hipóteses legais e moralmente admissíveis, escolher aquela que entender como a melhor para o interesse público no âmbito da Justiça Criminal.
5. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.
No caso concreto, o Juízo de primeiro grau ao indeferir o pedido, assim fundamentou:
Mister salientar que a análise do indulto deve ser realizada com base na situação da sentenciada à época de publicação do Decreto em apreço.
Nota-se que o delito perpetrado pela sentenciada é de Associação ao Tráfico de Drogas, disciplinado no art. 35, da Lei 11.343/2006.
Todavia, dispõe o art. 44 da Lei nº 11.343/06: “Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são
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inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”.
Como se depreende desse dispositivo é insuscetível de indulto os crimes dos arts. 33, caput, e 34 a 37 da Lei nº 11.343/06. Insere-se nessa vedação, portanto, o crime do art. 35, ou seja, o de associação para o tráfico de drogas.
Com efeito, pouco importa considerar-se o crime do art. 35, Lei 11.343/06 como hediondo ou não. A vedação legal à concessão do indulto não decorre da natureza de delito e sim de disposição expressa nesse sentido para o crime de associação ao tráfico, prevista no art. 44, caput, da Lei 11.343/06.
Sendo assim, INDEFIRO o pedido de indulto, nos termos da previsão especial do art. 44, da Lei 11.343/2006.
Já o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná manteve a decisão, nos seguintes termos:
É o relatório.
2. Analisando-se os pressupostos de admissibilidade, verifica-se que o recurso merece conhecimento.
Consta dos autos que a agravante foi condenada pelo delito tipificado no artigo 35 da Lei n. 11.343/06, à pena de 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão, em regime aberto, tendo cumprido 01 (um) ano e 14 (quatorze) dias da pena, remanescente de 03 (três) anos e 16 (dezesseis) dias.
Contudo, no presente momento, requer a agravante a concessão de indulto, com base no Decreto Presidencial n. 9.246, de 21/11/2017, alegando preencher todos os requisitos exigidos.
O pleito recursal não merece acolhimento.
O Juízo de primeiro grau ao indeferir o pedido, assim fundamentou:
[...]
Estabelece o artigo 3º, inciso II, do aludido Decreto:
Art. 3º O indulto natalino ou a comutação de pena
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não será concedido às pessoas condenadas por crime;
(...)
II - tipificado nos art. 33, caput e § 1º, art. 34, art. 36 e art. 37 da Lei nº 11.343, de 2006, exceto na hipótese prevista no art. 1º, caput, inciso IV, deste Decreto;”
Por outro lado, o artigo 44, da Lei n. 11.343/06, veda o pretendido benefício, também ao delito de associação ao tráfico. Vejamos:
“Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.
Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico”.
Portanto, tal benesse é vedada quanto ao crime de tráfico de drogas, bem como ao de associação para o tráfico. Sobre o tema já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça:
[...]
Destarte, a decisão recorrida encontra-se escorreita, devendo ser mantida.
Deste modo, conheço do recurso e nego-lhe provimento.
É de se ver, que o Juízo da Execução da Pena indeferiu o pedido de indulto com base no art. 44, da Lei n. 11.343/06. Tal artigo não foi objeto do julgamento da ADI 5.874/DF. Nessa linha de consideração:
Agravo regimental no recurso ordinário em habeas corpus. 2. Indulto natalino. Associação para o tráfico. 3. O Decreto 9.246/2017, cuja inconstitucionalidade não foi proclamada no julgamento da ADI 5.874, não inclui em seu âmbito de incidência o crime de associação para o tráfico. A interpretação sistemática com o art. 44 da Lei 11.343/2006, cuja constitucionalidade é presumida, impede a concessão do benefício ao recorrente. Precedente. 4. Agravo regimental
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desprovido (RHC 206581 AgR, Relator (a): GILMAR MENDES, Segunda Turma, DJe de 4/11/2021).
AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO PELO CRIME DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS. ART. 35 DA LEI 11.343/2006. PEDIDO DE INDULTO COM BASE NO DECRETO PRESIDENCIAL 9.246/2017. IMPOSSIBILIDADE. VEDAÇÃO QUE DECORRE DO ART. 44 DA LEI DE DROGAS, À QUAL ESTÁ SUBMETIDO O CHEFE DO PODER EXECUTIVO NACIONAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.
I – O Decreto Presidencial 9.246/2017 não veda expressamente a concessão de indulto às pessoas condenadas pelo crime de associação para o tráfico ilícito de drogas, previsto no art. 35 da Lei 11.343/2006. Tal impedimento decorre da vedação prevista no art. 44 da própria Lei de Drogas, antes mencionada, cuja constitucionalidade se presume e à qual o Chefe do Poder Executivo Nacional está submetido.
II – A decisão ora questionada amolda-se à orientação desta Suprema Corte sobre a matéria, sendo certo que não se pode dar ao Decreto Presidencial sob exame interpretação que permita a concessão de indulto a crime para o qual o próprio legislador infraconstitucional vedou expressamente.
III – Agravo regimental a que se nega provimento ( HC 191462 AgR, Relator (a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe de 9/11/2020).
Além disso, esta CORTE não tem competência para analisar o cumprimento dos requisitos necessários para quaisquer benesses em relação à execução penal, não podendo, especialmente na via estreita da Reclamação, substituir o juízo competente da Vara de Execuções na análise desse feito.
Nota-se, ainda, que o reclamante deixou de apresentar um paradigma de confronto com efeitos vinculantes ou um ato caracterizador de usurpação da competência desta SUPREMA CORTE, requisitos
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essenciais para a admissibilidade deste instrumento.
Dessa forma, a postulação não passa de simples pedido de revisão do entendimento aplicado na origem, o que confirma a inviabilidade desta ação. Esta CORTE já teve a oportunidade de afirmar que a Reclamação tem escopo bastante específico, não se prestando ao papel de simples substituto de recursos de natureza ordinária ou extraordinária ( Rcl 6.880-AgR/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Plenário, DJe de 22/2/2013).
Assim, por serem estranhos às hipóteses de cabimento da Reclamação, os pedidos formulados pelo reclamante não poderão ser conhecidos na via reclamatória, consoante entendimento reiterado desta SUPREMA CORTE ( Rcl 30.343/SP, Min. GILMAR MENDES, DJe de 14/06/2018; Rcl 28.178 AgR/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 12/06/2018 e Rcl 29.956/PE, Rel. Min. ROSA WEBER, DJe de 30/05/2018).
Logo, ausente a estrita aderência entre o ato impugnado e os paradigmas invocados , consoante entendimento reiterado desta CORTE ( Rcl 29.590/SP, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, DJe de 19/06/2018; Rcl 27.890/SP, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe de 21/09/2017; Rcl 18.946/SP, Rel. Min. LUIZ FUX, DJe de 05/11/2014 e Rcl 17.108 AgR/SP, Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, DJe de 01/07/2014), inviável a análise desta Reclamação.
Ora, o instituto da Reclamação, cuja finalidade tem previsão constitucional taxativa, não "pode ser utilizado como um (inadmissível) atalho processual destinado a permitir, por razões de caráter meramente pragmático, a submissão imediata do litígio ao exame direto do Supremo Tribunal Federal" ( Rcl 4.381 AgR/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, DJe de 5/8/2011).
Não há, portanto, qualquer ilegalidade a ser amparada por meio da via reclamatória.
Diante do exposto, com base no art. 21, § 1º, do Regimento Interno do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, NEGO SEGUIMENTO À RECLAMAÇÃO.
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Publique-se. Intime-se.
Brasília, 22 de novembro de 2021.
Ministro ALEXANDRE DE MORAES
Relator
Documento assinado digitalmente
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