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19 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Supremo Tribunal Federal
há 3 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Tribunal Pleno

Partes

Publicação

Julgamento

Relator

CÁRMEN LÚCIA

Documentos anexos

Inteiro TeorSTF_ADC_66_260d0.pdf
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Inteiro Teor

Supremo Tribunal Federal

EmentaeAcórdão

Inteiro Teor do Acórdão - Página 1 de 40

21/12/2020 PLENÁRIO

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 66 DISTRITO

FEDERAL

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA

REQTE.(S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA COMUNICAÇÃO

SOCIAL - CNCOM

ADV.(A/S) : GUSTAVO BINENBOJM E OUTRO (A/S)

INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE -

HOSPITAIS, ESTABELECIMENTOS E SERVIÇOS -CNS

ADV.(A/S) : MARCOS VINICIUS BARROS OTTONI

EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE. REGIME JURÍDICO FISCAL E PREVIDENCIÁRIO APLICÁVEL A PESSOAS JURÍDICAS PRESTADORAS DE SERVIÇOS INTELECTUAIS, INCLUINDO OS DE NATUREZA CIENTÍFICA, ARTÍSTICA E CULTURAL. COMPATIBILIDADE CONSTITUCIONAL. LIVRE INICIATIVA E VALORIZAÇÃO DO TRABALHO. LIBERDADE ECONÔMICA NA DEFINIÇÃO DA ORGANIZAÇÃO EMPRESARIAL. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE.

1. A comprovação da existência de controvérsia judicial prevista no art. 14 da Lei n. 9.868/1999 demanda o cotejo de decisões judiciais antagônicas sobre a validade constitucional na norma legal. Precedentes.

2. É constitucional a norma inscrita no art. 129 da Lei n. 11.196/2005.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual do Plenário, na conformidade da ata de julgamento, por maioria, em julgar procedente o pedido formulado na ação para declarar a constitucionalidade do art.

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EmentaeAcórdão

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ADC 66 / DF

129 da Lei n 11.196/2005 , nos termos do voto da Relatora, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Rosa Weber. Não votou o Ministro Nunes Marques por suceder o Ministro Celso de Mello, que já havia proferido voto em assentada anterior. Afirmou suspeição o Ministro Roberto Barroso. Sessão Virtual de 11.12.2020 a 18.12.2020.

Brasília, 21 de dezembro de 2020.

Ministra CÁRMEN LÚCIA

Relatora

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Relatório

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29/06/2020 PLENÁRIO

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 66 DISTRITO

FEDERAL

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA

REQTE.(S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA COMUNICAÇÃO

SOCIAL - CNCOM

ADV.(A/S) : GUSTAVO BINENBOJM E OUTRO (A/S)

INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE -

HOSPITAIS, ESTABELECIMENTOS E SERVIÇOS -CNS

ADV.(A/S) : MARCOS VINICIUS BARROS OTTONI

R E L A T Ó R I O

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - (Relatora):

1. Ação declaratória de constitucionalidade, com requerimento de medida cautelar, ajuizada em 14.10.2019 pela Confederação Nacional da Comunicação Social – CNCOM, com o objetivo de obter a declaração de validade constitucional do art. 129 da Lei n. 11.196/2005:

“Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil”.

2. A autora aponta controvérsia sobre a aplicação da norma pela

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Relatório

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ADC 66 / DF

Justiça do Trabalho, Justiça Federal e Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF.

Assinala que “juízes e auditores da Receita Federal têm deixado de aplicar a norma em discussão para determinar a incidência, a pessoas jurídicas prestadoras de serviços intelectuais enquadradas nos pressupostos do art. 129 da Lei nº 11.196/2005, do estatuto fiscal e previdenciário das pessoas físicas” (fl. 3).

Averba que, pelos “artigos 1º, IV; 3º, I; 5º, caput, II e XIII; além do art. 170, caput, IV e parágrafo único, a Constituição criou um significativo status de liberdade para que cada indivíduo, sozinho ou associadamente, organize seus negócios como melhor lhe aprouver. Salvo vedação legal (como ressalvam os arts. 5º, II c/c 170, parágrafo único), o desenvolvimento de atividade econômica não deve possuir amarras. Mormente no que se refere à organização econômica. No Brasil da Constituição de 1988, o empreendedorismo é livre; a instituição de pessoa jurídica é igualmente livre, o que implica a incidência dos seus consectários lógicos, dentre os quais os regimes fiscal e previdenciário a ela aplicáveis” (fl. 3).

Sustenta que no art. 129 da Lei n. 11.196/2005 se “explicita uma dimensão fundamental das liberdades econômica e fiscal e contribui para um ambiente de maior segurança jurídica, ao prever expressamente o direito dos prestadores de serviços intelectuais de definirem seus modelos de atuação – o que, por evidente, não pode ser ignorado pelas autoridades constituídas, inclusive por força da legalidade” (fl. 3).

Assevera que “a liberdade de empreender fica completamente esvaziada se as escolhas do particular sobre a forma de organização de sua atividade (ou mesmo as estratégias de produção) puderem ser superadas pela vontade do juiz ou do administrador, inconformado (injustificadamente) com a opção do particular” (fl. 14).

Enfatiza que “o art. 129 da Lei nº 11.196/2005 constitui importante cláusula densificadora da liberdade, que corrobora essa margem de escolha do

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agente privado para optar por um modelo de produção mais eficiente a seus negócios, inclusive sob a ótica de um legítimo planejamento tributário” (fl. 16), e que “a legalidade tributária não autoriza que os órgãos judiciais e administrativos fiscalizadores criem critérios adicionais para deslegitimar a escolha do contribuinte quanto à forma de exercício de sua atividade econômica e seu correlato regime fiscal e previdenciário” (fl. 21).

Pontua que o “afastamento [da norma] jamais poderá ocorrer (...) sob a presunção de que a escolha pelo modelo societário (embora autorizada pelo art. 129 da Lei nº 11.196/2005) seria, de antemão, ilegítima. A desconsideração da personalidade jurídica depende da prévia comprovação, pelo magistrado competente (jamais pelo Fisco), da utilização de meios ilícitos, associados, e.g., a fraudes ou simulações” (fl. 26).

3. Requer “que os órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública, por intermédio de seus agentes fiscais, se abstenham de desqualificar as relações jurídicas estabelecidas com base no regime autorizado pelo art. 129 da Lei nº 11.196/2005” (fl. 34). No mérito, pede seja declarada a constitucionalidade do art. 129 da Lei n. 11.196/2005.

4. Em 17.12.2019, adotei o rito do art. 12 da Lei n. 9.868/1999.

5. Em suas informações, a Presidente da República argumentou não ter a requerente comprovado haver controvérsia judicial ou administrativa na aplicação do art. 129 da Lei n. 11.196/2005, cuja eficácia estaria sujeita ao exame de inexistência de fraude na constituição da pessoa jurídica com o propósito de frustar o recolhimento de contribuições previdenciárias e imposto de renda.

Apontou que “o CARF tem entendido que o art. 129 da Lei nº 11.196/2005 é aplicável quando não caracterizada a relação de emprego entre as partes. Nesse sentido, segundo o posicionamento do Conselho, o art. 129 não impede que o Auditor Fiscal apure a existência de vínculo trabalhista, assim

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como não afasta a ocorrência do fato gerador decorrente da caracterização da relação de emprego” (fl. 7, doc. 40).

Enfatizou que, diferente do sustentado pelo requerente, “não há qualquer desconsideração de uma situação jurídica, mas sim apuração da relação jurídica real” (doc. 40, fl. 8) e que “o Tribunal Administrativo não desconsidera o teor da norma e não deixa de aplicá-la, bem como não desqualifica qualquer relação jurídica. Em verdade, o CARF, ante seu mister de julgar lançamentos tributários a partir da legislação aplicável, (...) promove a compatibilização do disposto no art. 129 com as regras que preveem a ocorrência dos fatos geradores envolvidos nas situações fáticas, e, assim, julga se é o caso ou não de aplicação do seu conteúdo” (fl. 11, doc. 40).

Concluiu que “a verdadeira pretensão do Autor parece ser a de que, uma vez estabelecida uma relação entre pessoas jurídicas, o art. 129 seja entendido como uma norma proibitiva ao Estado de apurar a real relação jurídica estabelecida entre as partes” (fl. 12, doc. 40).

6. Em suas informações, o Presidente do Congresso Nacional destacou a ausência de comprovação do requisito de controvérsia jurídica sobre a constitucionalidade da norma, o que somente se caracterizaria “quando resulta de divergência entre os pronunciamentos no âmbito da própria jurisdição ordinária, associado ao princípio da presunção de constitucionalidade, gerando uma situação de incerteza e provocando grave insegurança jurídica que se instaura entre os órgãos judiciais, de modo a determinar a apreciação do caso, em sede de controle abstrato de constitucionalidade” (fl. 7, doc. 46).

Assinalou que a norma em foco não revela “garantia absoluta dada ao prestador de serviços, pois o próprio texto legal não restringe a aplicação do disposto no art. 50 do Código Civil, o qual enuncia que em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir (..) que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica” (fl. 11, doc. 4).

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Pontuou que a norma em questão “não veio a lume para permitir ou legitimar qualquer tipo de ação contra a legislação fiscal ou trabalhista. Trata-se de norma interpretativa dirigida eminentemente aos agentes fiscais, e sua única função foi a de esclarecer e orientar os agentes da fiscalização para que (...) não desconsiderem a personalidade jurídica de sociedades legalmente constituídas para prestação de serviços intelectuais, com o fito de tributar os integrantes da sociedade (e os seus contratantes) como se fossem pessoas físicas” (fl.12, doc. 46).

Defendeu a constitucionalidade da norma, argumentando não consubstanciar “convite à fraude, muito pelo contrário – se existente qualquer ilícito, este deve ser coibido, pelos meios próprios para tanto (Poder Judiciário e Ministério Público do Trabalho)” (fl. 13, doc. 46).

Ponderou que “a administração tributária está obrigada a demonstrar a presença de ilícitos na prestação de serviços, com o emprego de provas sólidas e robustas, sendo incabível uma interpretação negativa ao dispositivo por entender, a seu critério, que se trata de possível situação de ilícito, mesmo porque, tais prestadores de serviço fazem parte do núcleo do direito fundamental de liberdade e de livre exercício de atividade econômica, protegidos por qualquer glosa por parte da autoridade fiscal” (fl. 14, doc. 46).

Pediu a “decretação da inadmissibilidade desta ação ou, subsidiariamente, [a] declaração da plena constitucionalidade do dispositivo impugnado” (fl. 18, doc. 46).

7. A Advocacia-Geral da União manifestou-se pela extinção da ação ao fundamento de que a controvérsia seria infraconstitucional, “deve[ndo] ser solucionada mediante interpretação acerca da legislação em vigor, especialmente o artigo 129 da Lei nº 11.196/2005, os artigos e da Consolidação das Leis do Trabalho e os artigos 116, parágrafo único; e 149, inciso VII, do Código Tributário Nacional “ (fl. 7, doc. 46).

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Relatório

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ADC 66 / DF

Anotou que os precedentes jurisprudenciais e administrativos indicados na inicial não comprovariam a existência de controvérsia jurídica para fins de cabimento da presente ação declaratória, pois, embora tenham concluído pela não subsunção da norma ao caso posta a exame, a validade constitucional do art. 129 da Lei n. 11.196/2005 não foi infirmada.

8. Em 3.3.2020, o processo foi encaminhado à Procuradoria-Geral. Os autos ali ainda estão. Em atendimento ao princípio da duração razoável do processo, tem-se que a extrapolação do prazo regimental para emissão do parecer impõe seja dado prosseguimento ao feito (art. 172 do Regimento Interno deste Supremo Tribunal).

9 . Em 3.6.2020, a Confederação Nacional de Saúde – CNS foi admitida como amicus curiae.

É o relatório, cuja cópia deverá ser encaminhada aos Ministros do Supremo Tribunal Federal (art. 20 da Lei n. 9.868/1999 c/c inc. I do art. 87 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal).

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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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29/06/2020 PLENÁRIO

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 66 DISTRITO

FEDERAL

V O T O

A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA - (Relatora):

1. Ação declaratória de constitucionalidade, com requerimento de medida cautelar, ajuizada pela Confederação Nacional da Comunicação Social – CNCOM, com o objetivo de obter a declaração de compatibilidade constitucional do art. 129 da Lei n. 11.196/2005.

2. A requerente sustenta haver controvérsia jurídica sobre a validade constitucional do art. 129 da Lei n. 11.196/2005, o que seria demonstrado por decisões judiciais e administrativas nas quais aplicado a pessoas jurídicas prestadoras de serviços intelectuais regime fiscal e previdenciário diverso do estabelecido na lei, a representar grave insegurança jurídica e mitigação da liberdade de organização e desenvolvimento da atividade econômica.

Argumenta que a norma em foco constitui “cláusula densificadora da liberdade”, ao permitir que o prestador de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, opte por modelo de organização e produção mais eficientes e alinhados a seus negócios, submetendo-se ao respectivo regime fiscal e previdenciário.

3. O Presidente da República, a Advocacia-Geral da União e o Presidente do Congresso Nacional apontam ausência de comprovação de controvérsia judicial, seja porque os precedentes administrativos emanados do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais não atenderiam ao disposto no art. 14 da Lei n. 9.868/1999, que exige situação de insegurança jurídica instalada entre órgãos jurisdicionais, seja porque os precedentes indicados não infirmaram a constitucionalidade do art.

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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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ADC 66 / DF

129 da Lei n. 11.196/2005, apenas assentando a não subsunção da norma ao caso concreto, em razão da constatação de desvirtuamento na constituição da pessoa jurídica por simulação ou fraude, com finalidade de esquivar de normas trabalhistas ou frustar o recolhimento de contribuições previdenciárias e imposto de renda.

Defendem a constitucionalidade do art. 129 da Lei n. 11.196/2005, assinalando, contudo, que a norma não consubstancia garantia absoluta capaz de legitimar a constituição de pessoas jurídicas para prestação de serviços intelectuais em desatendimento à legislação trabalhista e fiscal. Afirmam que a “norma interpretativa (seria) dirigida eminentemente aos agentes fiscais” buscando esclarecer que apenas as sociedades legitimamente constituídas para prestação daqueles serviços não devem ter sua personalidade jurídica desconsiderada para submetê-las a regime previdenciário e fiscal das pessoas naturais.

Relevante controvérsia judicial sobre a aplicação do art. 129 da Lei n.

11.196/2005

4. Ao apreciar questão de ordem suscitada na ação declaratória de constitucionalidade n. 1 (Relator o Ministro Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJ 16.6.1995), este Supremo Tribunal firmou, incidentalmente, a constitucionalidade da Emenda Constitucional n. 3/1993, pela qual criada essa ação de controle abstrato. Assentou-se, entretanto, ser necessária para seu aproveitamento que se comprove o interesse objetivo de agir pela demonstração de preexistente controvérsia judicial em controle difuso de constitucionalidade que ponha em risco a presunção de validade jurídico-constitucional do ato normativo.

Com a Lei n. 9.868/1999, pela qual regidos o processo e o julgamento da ação declaratória de constitucionalidade neste Supremo Tribunal, esse requisito passou a constar expressamente do ordenamento jurídico:

“Art. 14. A petição inicial indicará: (…)

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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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III - a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação da disposição objeto da ação declaratória”.

Em voto-vista proferido na ação declaratória de constitucionalidade n. 16 (Relator o Ministro Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJe 9.9.2011), sustentei:

“(...) 8. Mesmo análogos, embora em sentidos inversos, os efeitos da decisão proferida na ação direta de inconstitucionalidade e na ação declaratória de constitucionalidade, a hipótese de cabimento para uma não é a mesma para a outra.

Basta a existência de uma norma inconstitucional para que se possa arguir ter sido ofendida a Constituição, enquanto apenas se uma norma constitucional tiver sua presunção de constitucionalidade gravemente abalada é que se abrirá espaço para o aproveitamento da ação declaratória de que ora se cuida.

Sobre o tema, afirmou o Ministro Sepúlveda Pertence, no voto que proferiu no julgamento da questão de ordem na Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 1, verbis:

‘… tanto se ofende à Constituição aplicando lei inconstitucional quanto negando aplicação, a pretexto de inconstitucionalidade, à lei que não o seja. Em ambos os casos, fere-se a supremacia da Constituição.

Dá-se, porém, que, ao contrário do que sucede na ADIn, à vista da presunção de constitucionalidade, só a resistência concreta à aplicação de determinada norma legal substantiva o interesse de agir para a declaração de sua constitucionalidade. Mostrou o eminente Relator [Ministro Moreira Alves], portanto, que o interesse de agir só se atualiza, só se manifesta de modo a autorizar a propositura da ação declaratória de constitucionalidade, quando haja controvérsia judicial, objetivamente demonstrada e em proporções relevantes, sobre a validez de determinada norma legal’ (Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 16.6.1995).

Firmou-se, naquele julgamento, o entendimento segundo o qual a comprovação da existência de dissídio judicial relevante é imprescindível para o conhecimento desta ação de controle

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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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concentrado de constitucionalidade, pois, conforme asseverou o insigne Ministro Moreira Alves naquele precedente, ‘a delimitação do objeto da ação declaratória de constitucionalidade não se adstringe aos limites do objeto fixado pelo autor, mas estes estão sujeitos aos lindes da controvérsia judicial que o autor tem que demonstrar (…)’.

Sem essa demonstração, portanto, a petição inicial seria inepta, por carecer de elemento essencial para a compreensão da controvérsia, a qual deve ser relevante a ponto de instaurar, nas palavras do nosso decano, o Ministro Celso de Mello, ‘verdadeiro estado de insegurança jurídica, capaz de gerar um cenário de perplexidade social e de provocar grave incerteza quanto à validade constitucional de determinada lei ou ato normativo federal’ (Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 8, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, DJ 4.4.2003)”.

5. Na espécie, a Confederação Nacional da Comunicação Social – CNCOM ajuizou a presente ação objetivando a declaração de constitucionalidade do art. 129 da Lei n. 11.196/2005, de seguinte teor:

“Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil”.

6. Para comprovar pendência de controvérsia judicial sobre a aplicabilidade do dispositivo objeto da presente demanda, o autor juntou aos autos decisões emanadas dos Tribunais Regionais do Trabalho nos processos ns. XXXXX-96.2014.5.01.0059 (TRT-1); XXXXX-86.2016.5.02.0034 (TRT-2); XXXXX-23.2011.5.15.0029 (TRT-15); XXXXX-90.2013.5.15.0029 (TRT-15); XXXXX-84.2013.5.15.0029 (TRT-15); XXXXX-80.2013.5.15.0029 (TRT-15); XXXXX-06.2016.5.01.0049 (TRT-1); 0101975-4

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26.2016.5.01.0075 (TRT-1) XXXXX-29.2015.5.17.0001 (TRT-17); e XXXXX-67.2016.5.02.0383 (TRT-2), e ainda decisões proferidas pelos Tribunais Regionais Federais nos processos ns. XXXXX-19.2014.4.02.5101 (TRF-2); XXXXX-12.2008.4.02.5101 (TRF-2); XXXXX-66.2006.4.03.6117 (TRF-3); 0010123- 42.1998.4.03.6100 (TRF-3) e XXXXX-48.2014.4.03.0000 (TRF-3).

Apresentou, ainda, julgados pelos quais o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF teria afastado a incidência do art. 129 da Lei n. 11.196/2005 ao argumento de que estariam presentes elementos caracterizadores do vínculo empregatício entre o prestador do serviço e o contratante.

7. Há de se afastar a invocação de decisões administrativas emanadas do CARF por não serem essas decisões aptas a demonstrar a existência de dissídio jurisprudencial relevante em sede de controle difuso de constitucionalidade, requisito indispensável ao cabimento da ação declaratória de constitucionalidade.

Como bem realçado nas informações prestadas pelo Presidente do Congresso Nacional, somente a “divergência entre os pronunciamentos no âmbito da própria jurisdição ordinária, associado ao princípio da presunção de constitucionalidade, gerando uma situação de incerteza e provocando grave insegurança jurídica que se instaura entre os órgãos judiciais” é capaz de autorizar a instauração da ação declaratória de constitucionalidade.

8. Quanto aos precedentes jurisprudenciais oriundos dos órgãos da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal, deve-se anotar que em nenhuma das decisões indicadas constatou-se expressa declaração de inconstitucionalidade do dispositivo legal objeto desta ação. Entretanto, a incidência do art. 129 da Lei n. 11.196/2005 foi afastada nos casos concretos analisados, algumas vezes se invocando fundamento constitucional.

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Confira-se, por exemplo, decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região no julgamento do Recurso Ordinário XXXXX-23.2011.5.15.0029 :

“A questão debatida nos presentes resume-se à validade de constituição de pessoa jurídica por ex-empregados, como condição para a prestação de serviços voltados à atividade fim de seu exempregador. (…) O que deve ser apurado é se a relação jurídica formal estabelecida por um contrato de prestação de serviços celebrado nesses moldes estaria a ocultar uma vera relação de emprego; dito de outro modo, se o contrato de prestação de serviços entre duas pessoas jurídicas encerra uma relação de emprego subjacente.

Constatada essa hipótese, como ocorreu nos presentes, estar-se-á diante do fenômeno da "pejotização", ardil utilizado de forma crescente visando a fraudar a legislação trabalhista.

As recentes mudanças nas relações de trabalho, decorrentes da flexibilização das normas trabalhistas fez surgir o que os doutrinadores e operadores do direito denominam de "fenômeno da pejotização" como uma nova modalidade de contratação pela qual o empregador exige a constituição de pessoa jurídica pelo empregado a fim de descaracterizar a relação de emprego e, por conseguinte, afastar a aplicação da legislação trabalhista. O fenômeno ora tratado se intensifica em relação aos trabalhadores intelectuais, em face do disposto no artigo 129 da Lei 11.196/2005 e em algumas categorias, como bancários e tecnologia da informação, mas não se restringe a estes profissionais (…) A 'pejotização', traz em seu bojo uma condição apenas para que o prestador possa prestar seus serviços para determinada empresa. Ela faz surgir uma camuflagem do vínculo empregatício capaz de duas graves consequências: a primeira delas atinge diretamente o trabalhador, vez que boa parte de sua renda não aparece como verba salarial; já a segunda, reflete justamente em burla

o fisco, à medida que a empresa passa a adotar meios supostamente legais para reduzir suas cargas sociais e tributárias (…)

No caso em tela, além do fato dos trabalhadores serem obrigados a formalizarem uma pessoa jurídica como condição para a continuidade da prestação de serviços, resta claro, pelas próprias

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alegações recursais, que as atividades desenvolvidas pelos trabalhadores estão direcionadas à atividade-fim da requerida. (…)

Diante de todos os fatos expostos, resta inegável que a conduta da empresa ré narrada na presente ação, além de afrontar direitos trabalhistas dos trabalhadores contratados e de personalidade de cada um deles, vilipendiou também fundamento previsto no artigo 37 (...) da Constituição Federal. No mesmo sentido, agiu em contrariedade ao Princípio da Moralidade Administrativa” (doc. 9).

Ao editar a Súmula Vinculante n. 10, este Supremo Tribunal consolidou jurisprudência no sentido de equiparar à declaração de inconstitucionalidade decisão judicial que, embora sem pronunciar expressamente a invalidade constitucional de determinada norma, deixa de aplicá-la com base em fundamentos de natureza constitucional.

Na dicção do Ministro Sepúlveda Pertence, “reputa-se declaratório de inconstitucionalidade o acórdão que – embora sem o explicitar – afasta a incidência da norma ordinária pertinentes à lide para decidi-la sob critérios diversos alegadamente extraídos da Constituição”.

Nessa linha de entendimento, ao confrontar-me com questão semelhante, referente ao conhecimento da Ação Declaratória de Constitucionalidade n. 16 (Relator o Ministro Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJe 9.9.2011), sustentei, em voto-vista:

“(…) a despeito da instrução deficiente da petição inicial, tenho que o processamento de inúmeras Reclamações neste Supremo Tribunal, fundadas na premissa de que o julgamento do Incidente de Uniformização de Jurisprudência originário da redação atual da Súmula n. 331 do Tribunal Superior do Trabalho importou em declaração de inconstitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei n. 8.666/93, evidencia a configuração de controvérsia que põe em risco a presunção de constitucionalidade dessa norma.

Daí concluir pela legitimidade da atuação deste Supremo Tribunal no controle de constitucionalidade com o julgamento desta

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ação declaratória de constitucionalidade, para que se pronuncie sobre a constitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei n. 8.666/93.

19. Pedindo vênias ao Relator, o Ministro Cezar Peluso, acompanho a dissidência inaugurada pelo Ministro Marco Aurélio, votando pelo conhecimento desta Ação Declaratória de Constitucionalidade.

É como voto, quanto ao conhecimento da presente ação”.

Tem-se por devidamente demonstrada, portanto, pendência de controvérsia judicial sobre a aplicabilidade da norma objeto desta ação declaratória de constitucionalidade.

Cumprido está, assim, o requisito prévio a autorizar o regular processamento da presente ação declaratória de constitucionalidade.

Constitucionalidade da norma em exame

9. O cerne da discussão trazida ao cuidado deste Supremo Tribunal consiste em saber se harmônica com a Constituição da Republica preceito legal pelo qual pessoas jurídicas prestadoras de serviços intelectuais, incluídos aqueles de natureza científica, artística ou cultural, sujeitam-se apenas ao regime fiscal e previdenciário próprio das pessoas jurídicas.

A controvérsia que permeia a presente ação é determinada pela incerteza gerada por prestadores de serviços intelectuais e para os tomadores desses serviços sobre eventual desconsideração de sua relação jurídica pela Administração Pública ou pelo Poder Judiciário que, a pretexto de coibir fraudes e simulação em favor da primazia da realidade, possa a eles impor regramento previdenciário e fiscal mais gravoso que aquele destinado às pessoas jurídicas ou, ainda, reconhecer a formação de vínculo empregatício entre a pessoa física do prestador e a tomadora dos serviços. O receio sobre a eficácia das escolhas empresariais e a dúvida sobre os limites dos compromissos assumidos comprometeria a segurança jurídica, mais ainda, o equilíbrio das relações firmadas, sem o

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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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ADC 66 / DF

que não se tem como garantido o livre exercício da atividade empresarial e o pleno desenvolvimento econômico.

10. A norma do art. 129 da Lei n. 11.196/2005 harmoniza-se com as diretrizes constitucionais, especialmente com o inc. IV do art. da Constituição da Republica, pelo qual estabeleceu a liberdade de iniciativa situando-a como fundamento da República Federativa do Brasil. Dessa liberdade econômica emanam a garantia de livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão e o livre exercício de qualquer atividade econômica, consagrados respectivamente no inc. XIII do art. e no parágrafo único do art. 170 da Constituição da Republica.

11. A valorização do trabalho humano e a livre iniciativa conjugamse para fundamentar a ordem econômica e dirigem-se a atingir os objetivos fundamentais descritos no art. da Constituição da Republica, pelo que são elementos indissociáveis para a compreensão e o desate da presente controvérsia jurídica.

Embora o art. 129 da Lei n. 11.196/2005 apenas se refira expressamente implicações fiscais e previdenciárias decorrentes da prestação de serviços intelectuais, incluídas os de natureza científica, artística ou cultural, por pessoa jurídica, não podem ser negada validade no direito de eventuais repercussões secundárias, a determinar os termos e os efeitos de relação jurídica estabelecida entre a tomadora do serviço e a pessoa que desenvolve as atividades em seu benefício.

A complementariedade entre os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa é tema recorrente nos julgamentos deste Supremo Tribunal, que, atento ao sistema constitucional e às transformações das relações de trabalho, não tem se esquivado do exame aprofundado do tema. A ênfase dada a esses vetores constitucionais pode ser exemplificada no julgamento do Recurso Extraordinário n. 958.252 (Tema 725 da repercussão geral) e da Arguição de Descumprimento de Preceito

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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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ADC 66 / DF

Fundamental n. 324.

12. Em 30.8.2018, este Supremo Tribunal julgou procedente a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 324/DF para, nos termos do voto do Ministro Roberto Barroso, Relator, afirmar a licitude da terceirização da atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. Tem-se no julgado:

“Ementa: Direito do Trabalho. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Terceirização de atividade-fim e de atividademeio. Constitucionalidade. 1. A Constituição não impõe a adoção de um modelo de produção específico, não impede o desenvolvimento de estratégias empresariais flexíveis, tampouco veda a terceirização. Todavia, a jurisprudência trabalhista sobre o tema tem sido oscilante e não estabelece critérios e condições claras e objetivas, que permitam sua adoção com segurança. O direito do trabalho e o sistema sindical precisam se adequar às transformações no mercado de trabalho e na sociedade. 2. A terceirização das atividades-meio ou das atividades-fim de uma empresa tem amparo nos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, que asseguram aos agentes econômicos a liberdade de formular estratégias negociais indutoras de maior eficiência econômica e competitividade. 3. A terceirização não enseja, por si só, precarização do trabalho, violação da dignidade do trabalhador ou desrespeito a direitos previdenciários. É o exercício abusivo da sua contratação que pode produzir tais violações. 4. Para evitar tal exercício abusivo, os princípios que amparam a constitucionalidade da terceirização devem ser compatibilizados com as normas constitucionais de tutela do trabalhador (...) 7. Firmo a seguinte tese: “1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993”. 8. ADPF julgada procedente” (DJe 6.9.2019).

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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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Em linha com esse entendimento, que, apoiado no dinamismo das transformações econômicas e sociais, reafirma a necessidade de se assegurar ampla liberdade às empresas para definir suas escolhas organizacionais e os modelos de negócio com vistas a assegurar sua competitividade e subsistência, este Supremo Tribunal decidiu:

“Ementa: RECURSO EXTRAORDINÁRIO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA COM REPERCUSSÃO GERAL. DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO DO TRABALHO. CONSTITUCIONALIDADE DA “TERCEIRIZAÇÃO”. ADMISSIBILIDADE. OFENSA DIRETA. VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA (ART. , IV, CRFB). RELAÇÃO COMPLEMENTAR E DIALÓGICA, NÃO CONFLITIVA. PRINCÍPIO DA LIBERDADE JURÍDICA (ART. , II, CRFB). CONSECTÁRIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA (ART. , III, CRFB). VEDAÇÃO A RESTRIÇÕES ARBITRÁRIAS E INCOMPATÍVEIS COM O POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE. (…) RESTRIÇÃO DE LIBERDADE ESTABELECIDA JURISPRUDENCIALMENTE. EXIGÊNCIA DE GRAU MÁXIMO DE CERTEZA. (…) DIVISÃO ENTRE “ATIVIDADE-FIM” E “ATIVIDADE-MEIO” IMPRECISA, ARTIFICIAL E INCOMPATÍVEL COM A ECONOMIA MODERNA. CISÃO DE ATIVIDADES ENTRE PESSOAS JURÍDICAS DISTINTAS. ESTRATÉGIA ORGANIZACIONAL. INEXISTÊNCIA DE CARÁTER FRAUDULENTO. PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE DESENHO EMPRESARIAL (ARTS. 1º, IV, E 170). (…) INSUBSISTENTÊNCIA DAS PREMISSAS DA PROIBIÇÃO JURISPRUDENCIAL DA TERCEIRIZAÇÃO. (…) 4. Os valores do trabalho e da livre iniciativa, insculpidos na Constituição (art. 1º, IV), são intrinsecamente conectados, em uma relação dialógica que impede seja rotulada determinada providência como maximizadora de apenas um desses princípios, haja vista ser essencial para o progresso dos trabalhadores brasileiros a liberdade de organização produtiva dos cidadãos, entendida esta como balizamento

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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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do poder regulatório para evitar intervenções na dinâmica da economia incompatíveis com os postulados da proporcionalidade e da razoabilidade. 5. O art. , II, da Constituição consagra o princípio da liberdade jurídica, consectário da dignidade da pessoa humana, restando cediço em sede doutrinária que o “princípio da liberdade jurídica exige uma situação de disciplina jurídica na qual se ordena e se proíbe o mínimo possível” (ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Trad. Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 177). 6. O direito geral de liberdade, sob pena de tornar-se estéril, somente pode ser restringido por medidas informadas por parâmetro constitucionalmente legítimo e adequadas ao teste da proporcionalidade. 7. O ônus de demonstrar empiricamente a necessidade e adequação da medida restritiva a liberdades fundamentais para o atingimento de um objetivo constitucionalmente legítimo compete ao proponente da limitação, exigindo-se maior rigor na apuração da certeza sobre essas premissas empíricas quanto mais intensa for a restrição proposta. 8. A segurança das premissas empíricas que embasam medidas restritivas a direitos fundamentais deve atingir grau máximo de certeza nos casos em que estas não forem propostas pela via legislativa, com a chancela do debate público e democrático, restando estéreis quando impostas por construção jurisprudencial sem comprovação inequívoca dos motivos apontados. (...) 10. A dicotomia entre “atividade-fim” e “atividade-meio” é imprecisa, artificial e ignora a dinâmica da economia moderna, caracterizada pela especialização e divisão de tarefas com vistas à maior eficiência possível, de modo que frequentemente o produto ou serviço final comercializado por uma entidade comercial é fabricado ou prestado por agente distinto, sendo também comum a mutação constante do objeto social das empresas para atender a necessidades da sociedade, como revelam as mais valiosas empresas do mundo. É que a doutrina no campo econômico é uníssona no sentido de que as “Firmas mudaram o escopo de suas atividades, tipicamente reconcentrando em seus negócios principais e terceirizando muitas das atividades que previamente consideravam como centrais” (...). 11. A cisão de atividades entre pessoas jurídicas distintas não revela qualquer intuito fraudulento, consubstanciando estratégia, garantida

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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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ADC 66 / DF

pelos artigos , IV, e 170 da Constituição brasileira, de configuração das empresas para fazer frente às exigências dos consumidores, justamente porque elas assumem o risco da atividade, representando a perda de eficiência uma ameaça à sua sobrevivência e ao emprego dos trabalhadores. (…) 15. A terceirização de uma etapa produtiva é estratégia de organização que depende da peculiaridade de cada mercado e cada empresa, destacando a opinio doctorum que por vezes a configuração ótima pode ser o fornecimento tanto interno quanto externo (...) 16. As leis trabalhistas devem ser observadas por cada uma das empresas envolvidas na cadeia de valor com relação aos empregados que contratarem, tutelando-se, nos termos constitucionalmente assegurados, o interesse dos trabalhadores. (…) 21. O escrutínio rigoroso das premissas empíricas assumidas pela Corte de origem revela insubsistentes as afirmações de fraude e precarização, não sendo suficiente para embasar a medida restritiva o recurso meramente retórico a interpretações de cláusulas constitucionais genéricas, motivo pelo qual deve ser afastada a proibição, em homenagem às liberdades fundamentais consagradas na Carta Magna (art. 1º, IV, art. 5º, II, e art. 170). (...) 23. As contratações de serviços por interposta pessoa são hígidas, na forma determinada pelo negócio jurídico entre as partes (...) inclusive quanto às obrigações e formalidades exigidas das empresas tomadoras e prestadoras de serviço” (Recurso Extraordinário n. 958.252, Relator o Ministro Luiz Fux, Plenário, DJe 13.9.2019).

13. Sob essa mesma perspectiva de densificação da liberdade de organização da atividade econômica empresarial, dotando-a da flexibilidade e da adequação atualmente exigidas, e da necessária compatibilização com os valores sociais do trabalho, há de se concluir que a norma objeto desta ação não apresenta vício de inconstitucionalidade. Compatibiliza-se a norma com a normatividade constitucional que abriga a liberdade de iniciativa como fundamento da República.

14. Tanto não induz, entretanto, a que a opção pela contratação de pessoa jurídica para a prestação de serviços intelectuais descrita no art.

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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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ADC 66 / DF

129 da Lei n. 11.196/2005 não se sujeite à avaliação de legalidade e regularidade pela Administração ou pelo Poder Judiciário quando acionado, por inexistirem no ordenamento constitucional garantias ou direitos absolutos.

No voto proferido no julgamento do Recurso Extraordinário n. 958.252, enfatizei:

“Também vou iniciar atentando a que (...) não se cuida de uma discussão entre progressistas e reacionários, mas saber qual é a forma mais progressista de se assegurar empregos, os direitos dos empregados, e o desenvolvimento econômico, tidos como princípios constitucionais e, principalmente, os direitos dos trabalhadores (...)

Mudou o mundo, mudaram as formas de negócios, mudaram as formas de se dar concretude ao princípio da livre iniciativa; não mudaram os direitos dos trabalhadores, não mudou a valorização do trabalho. (...)

Se, ao terceirizar determinada atividade, se deitarem por terra a proteção constitucional dos direitos do trabalhador, tenho que, inegavelmente, haveria uma contrariedade óbvia à Constituição. (…)

A escolha de qualquer modelo negocial indutor à livre concorrência não pode, por certo, ser aceito. Mas insisto: todo abuso a direitos, toda a contrariedade ao direito, especialmente quanto aos valores do trabalho, tem formas de ser questionado e haverá de contar com essas formas e instrumentos para que não se mantenha situação contrária ao Direito, portanto, ilícita. (...)

Conforme afirmado em alguns dos votos aqui já proferidos, a terceirização não é por si só a causa da precarização do trabalho, nem viola por si a dignidade do trabalho. E, se isso acontecer, como agora mais uma vez enfatizado pelo Ministro Celso de Mello, há para isso mesmo o Poder Judiciário a acudir para esses abusos não prevalecerem” (DJe 13.9.2019).

15. Eventual conduta de maquiagem de contrato – como ocorre em qualquer caso – não possa ser objeto de questionamento judicial. Entretanto, a regra jurídica válida do modelo de estabelecimento de vínculo jurídico estabelecido entre prestador e tomador de serviços deve

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Voto-MIN.CÁRMENLÚCIA

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ADC 66 / DF

pautar-se pela mínima interferência na liberdade econômica constitucionalmente assegurada e revestir-se de grau de certeza para assegurar o equilíbrio nas relações econômicas e empresariais.

16. Pelo exposto, declarando a constitucionalidade do art. 129 da Lei n 11.196/2005, voto no sentido julgar procedente o pedido .

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Supremo Tribunal Federal

ExtratodeAta-29/06/2020

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PLENÁRIO EXTRATO DE ATA

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 66

PROCED. : DISTRITO FEDERAL RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA

REQTE.(S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL - CNCOM

ADV.(A/S) : GUSTAVO BINENBOJM (58607/DF, 083152/RJ) E OUTRO (A/S)

INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - HOSPITAIS,

ESTABELECIMENTOS E SERVIÇOS - CNS

ADV.(A/S) : MARCOS VINICIUS BARROS OTTONI (16785/DF, 181061/RJ,

427551/SP)

Decisão: Após os votos dos Ministros Cármen Lúcia (Relatora), Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Luiz Fux, que julgavam procedente o pedido formulado na ação, declarando a constitucionalidade do art. 129 da Lei nº 11.196/2005; e dos votos dos Ministros Marco Aurélio e Rosa Weber, que julgavam improcedente o pedido, pediu vista dos autos o Ministro Dias Toffoli (Presidente). Falou, pela requerente, o Dr. Gustavo Binenbojm. Afirmou suspeição o Ministro Roberto Barroso. Plenário, Sessão Virtual de 19.6.2020 a 26.6.2020.

Composição: Ministros Dias Toffoli (Presidente), Celso de Mello, Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Luiz Fux, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin e Alexandre de Moraes.

Carmen Lilian Oliveira de Souza

Assessora-Chefe do Plenário

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VotoVogal

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AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 66 DISTRITO

FEDERAL

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA

REQTE.(S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA COMUNICAÇÃO

SOCIAL - CNCOM

ADV.(A/S) : GUSTAVO BINENBOJM E OUTRO (A/S)

INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE -

HOSPITAIS, ESTABELECIMENTOS E SERVIÇOS -CNS

ADV.(A/S) : MARCOS VINICIUS BARROS OTTONI

V O T O

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Mediante esta ação declaratória, a Confederação Nacional da Comunicação Social – CNCOM busca seja assentada a harmonia, com a Constituição Federal, do artigo 129 da Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005. Eis o teor do dispositivo atacado:

Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.

A admissão de ação declaratória reclama a existência de controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito em jogo, apta a gerar insegurança jurídica e afastar a presunção de legitimidade do ato normativo. Decorre o requisito da concepção prévia sobre a

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VotoVogal

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ADC 66 / DF

constitucionalidade dos atos editados pelo Congresso Nacional.

As decisões juntadas – peças 7 a 33 – revelam o intenso debate judicial instaurado acerca da compatibilidade, com a Carta da Republica, do dispositivo questionado. Confiram o pronunciamento do Tribunal Regional Federal da 15ª Região no recurso ordinário nº XXXXX-23.2011.5.15.0029 :

A questão debatida nos presentes resume-se à validade de constituição de pessoa jurídica por ex-empregados, como condição para a prestação de serviços voltados à atividade fim de seu ex-empregador.

[…]

O que deve ser apurado é se a relação jurídica formal estabelecida por um contrato de prestação de serviços celebrado nesses moldes estaria a ocultar uma vera relação de emprego; dito de outro modo, se o contrato de prestação de serviços entre duas pessoas jurídicas encerra uma relação de emprego subjacente. Constatada essa hipótese, como ocorreu nos presentes, estar-se-á diante do fenômeno da "pejotização", ardil utilizado de forma crescente visando a fraudar a legislação trabalhista. As recentes mudanças nas relações de trabalho, decorrentes da flexibilização das normas trabalhistas fez surgir o que os doutrinadores e operadores do direito denominam de "fenômeno da pejotização" como uma nova modalidade de contratação pela qual o empregador exige a constituição de pessoa jurídica pelo empregado a fim de descaracterizar a relação de emprego e, por conseguinte, afastar a aplicação da legislação trabalhista. O fenômeno ora tratado se intensifica em relação aos trabalhadores intelectuais, em face do disposto no artigo 129 da Lei 11.196/2005 e em algumas categorias, como bancários e tecnologia da informação, mas não se restringe a estes profissionais.

[…]

A “pejotização”, traz em seu bojo uma condição apenas para que o prestador possa prestar seus serviços para determinada empresa. Ela faz surgir uma camuflagem do

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VotoVogal

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ADC 66 / DF

vínculo empregatício capaz de duas graves consequências: a primeira delas atinge diretamente o trabalhador, vez que boa parte de sua renda não aparece como verba salarial; já a segunda, reflete justamente em burla ao fisco, à medida que a empresa passa a adotar meios supostamente legais para reduzir suas cargas sociais e tributárias.

[…]

No caso em tela, além do fato dos trabalhadores serem obrigados a formalizarem uma pessoa jurídica como condição para a continuidade da prestação de serviços, resta claro, pelas próprias alegações recursais, que as atividades desenvolvidas pelos trabalhadores estão direcionadas à atividade-fim da requerida.

[...]

Diante de todos os fatos expostos, resta inegável que a conduta da empresa ré narrada na presente ação, além de afrontar direitos trabalhistas dos trabalhadores contratados e de personalidade de cada um deles, vilipendiou também fundamento previsto no artigo 37 [...] da Constituição Federal. No mesmo sentido, agiu em contrariedade ao Princípio da Moralidade Administrativa.

Compete ao Supremo perquirir a higidez constitucional da submissão de pessoas jurídicas prestadoras de serviço intelectual, inclusive aquele de natureza científica, artística ou cultural, apenas ao regime fiscal e previdenciário próprio das pessoas jurídicas.

No julgamento das ações diretas de inconstitucionalidade nº 5.685 e 5.695, relator ministro Gilmar Mendes, concluído na Sessão Virtual de 5 a 15 de junho último, a versarem a reforma trabalhista, sob o ângulo da terceirização, fiz ver que a ampla garantia dos direitos dos trabalhadores pela Lei Maior não ocorreu por acaso, sem razão expressiva. O sistema sinaliza preocupação do constituinte com a tutela dos trabalhadores. A proteção deixou de encontrar fonte apenas na disciplina legal e adquiriu envergadura constitucional, mediante a passagem da Consolidação das Leis do Trabalho para a Constituição de 1988.

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VotoVogal

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ADC 66 / DF

Desse sistema extrai-se o princípio implícito, de hierarquia maior, de proteção ao trabalhador, alicerce do estatuto jurídico-constitucional trabalhista a vincular a atuação dos três Poderes e servir de vetor interpretativo visando a solução de controvérsias levadas à apreciação do Judiciário especializado. Eis a baliza hermenêutica a ser observada pelo intérprete, revelando-se a óptica a partir da qual deve ser compreendida a formalização de pessoa jurídica objetivando a prestação de serviços.

O Direito não deve fechar os olhos à realidade do mercado de trabalho do início do século XXI, altamente especializado e em constante mutação. Sob o signo da globalização, não somente o Brasil mas a quase totalidade das nações tidas como subdesenvolvidas experimentaram, na década de 1990, importante influxo de ideário neoliberal, traduzido, em maior ou menor grau, em crescente pressão pela desregulamentação no ramo das atividades trabalhistas.

Longe de ignorar-se a necessidade de a norma impugnada ser interpretada de acordo com a quadra vivida, considerado o mundo globalizado, marcado por altíssima especialização na divisão do trabalho, o estudo da evolução histórica do tratamento conferido aos trabalhadores no Brasil, isto é, o desdobrar da fórmula no tempo e no espaço, não deixa margem a dúvidas.

A par de debilitar as demandas e reivindicações voltadas à consecução de melhorias das condições de trabalho, a exclusão do trabalhador da categoria econômica ligada à atividade do beneficiário final da mão de obra – a empresa tomadora – produz outro efeito danoso nada desprezível: a desintegração da identidade coletiva dos trabalhadores mediante o enfraquecimento dos laços de pertencimento. Como anota Renata Queiroz Dutra:

[…] os trabalhadores terceirizados não possuem uma vinculação espaço-temporal com o empregador ou o tomador final dos serviços, nem com os próprios colegas de trabalho. A conjectura de coexistirem trabalhadores de diferentes categorias gera hierarquização entre os obreiros, implicando desmerecimento e discriminação dos precários pelos próprios

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VotoVogal

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ADC 66 / DF

trabalhadores formais. Os uniformes, os crachás de identificação e até os refeitórios utilizados pelos terceirizados são distintos dos trabalhadores centrais, fazendo com que os precários se afirmem, dentro dos próprios estabelecimentos para os quais trabalham, como subcategoria.

(DUTRA, Renata Queiroz. Direitos fundamentais à proteção da subjetividade no trabalho e emancipação coletiva. In: DELGADO, Gabriela Neves; PEREIRA, Ricardo José Macêdo Britto (Orgs.). Trabalho, Constituição e Cidadania:: a dimensão coletiva dos direitos sociais trabalhistas. São Paulo: LTr, 2014. p. 221.)

O que se verifica na norma em jogo é nítida isenção no cumprimento das atribuições sociais das empresas, a implicar profundo desequilíbrio na relação entre empregador e trabalhador, em prejuízo do projeto constitucional de construir uma sociedade livre, justa e solidária – artigo 3º, inciso I.

A quadra é verdadeiramente ímpar, levando em conta, de um lado, a realidade do atual mercado de trabalho e, de outro, o objetivo maior de justiça social. Na busca da excelência na prestação jurisdicional, o magistrado, encarnando a figura do Estado-juiz, deve ter a atuação norteada pelos princípios gerais do Direito e, mais especificamente, do Direito do Trabalho, considerada a história da legislação protetiva, sob pena de subverter-se aquilo que é o fundamento e a razão de ser da Justiça trabalhista.

Julgo improcedente o pedido.

É como voto.

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VotoVogal

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29/06/2020 PLENÁRIO

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 66 DISTRITO

FEDERAL

RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA

REQTE.(S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA COMUNICAÇÃO

SOCIAL - CNCOM

ADV.(A/S) : GUSTAVO BINENBOJM E OUTRO (A/S)

INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE -

HOSPITAIS, ESTABELECIMENTOS E SERVIÇOS -CNS

ADV.(A/S) : MARCOS VINICIUS BARROS OTTONI

VOTO

A Senhora Ministra Rosa Weber: Senhor Presidente, cuida-se de ação declaratória de constitucionalidade proposta pela Confederação Nacional da Comunicação Social – CNCOM em face do art. 129 da Lei nº 11.196/2005 , cujo teor é o seguinte:

“Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.”

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VotoVogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 31 de 40

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Invocando os postulados da livre iniciativa, do livre exercício profissional, da legalidade tributária e da soberania do legislador ( arts. 1º, IV, 2º, 5º, caput e XIII, e 150, I, da Constituição da República) , a autora requer seja declarada a constitucionalidade do preceito transcrito, de modo tal que “os órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública, por intermédio de seus agentes fiscais, se abstenham de desqualificar as relações jurídicas estabelecidas com base no regime autorizado pelo referido dispositivo legal”.

Peço vênia à eminente relatora para acompanhar a divergência.

Entendo que o cerne da questão constitucional ora submetida à tutela objetiva se situa na constitucionalidade da predeterminação da natureza da relação jurídica da prestação de serviços pelo texto da norma impugnada, de forma desvinculada dos elementos da realidade social, dos dados reais do caso concreto e, a partir dessa formatação apriorística, estabelecer a regência normativa para fins fiscais e previdenciários.

O preceito questionado revela o embotoamento do legislador ao complexo entrelaçamento entre trabalho e poder econômico na realidade da organização do trabalho no mundo contemporâneo. A pretensão reducionista de classificar a priori o vínculo jurídico mantido entre o tomador e o prestador dos serviços intelectuais, aí incluídos os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, peremptoriamente negada qualquer possibilidade de subsunção dos fatos à norma, implica verdadeiro menoscabo dos direitos fundamentais do trabalhador previstos no art. da Constituição Federal , com nítida chancela de fraude à legislação trabalhista, no que manifestamente nega ao trabalhador questionar no Poder Judiciário, órgão constitucionalmente competente, a definição da real configuração do vínculo jurídico em que se deu a prestação dos serviços em ofensa aos arts. , XXXV, 114, I, da Constituição Federal.

De fato, na contemporânea dinâmica socioeconômica de crescente concorrência sobre os mercados e aceleração do progresso tecnológico com o recrudescimento do nível de exigência de qualificação dos trabalhadores, não se pode negar a pluralidade de modos de produção e

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VotoVogal

Inteiro Teor do Acórdão - Página 32 de 40

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organização empresariais com profundos reflexos nos modelos de relações de trabalho.

Consagrada na Constituição a equivalência e inter-relação entre os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa ( art. 1º, IV, da CF ), a denotar que, sob pena de uma fragilização absoluta da condição dos trabalhadores, a livre iniciativa deverá ser exercida, com criatividade e eficiência, respeitados os limites da legislação estatal heterônoma em matéria de Direito do Trabalho.

Nessa ordem de ideias, e considerada a complexa realidade cotidiana, a necessária equiponderância entre o exercício da liberdade econômica e o valor social do trabalho, à luz dos art. , IV, e 170 da Constituição Federal, como valor máximo do Estado Democrático para o desenvolvimento da ordem econômica e financeira, representa chave hermenêutica para a concretização da dignidade do trabalhador.

Nessa perspectiva de heterogeneidade de formas de trabalho, revelase primordial perquirir a relação entre o trabalho e o poder privado à luz da preservação da dignidade da pessoa humana do trabalhador. O exercício do poder do empregador sobre os trabalhadores no cumprimento diário do contrato é o elemento catalisador da intervenção do poder público, responsável pela garantia dos termos de troca fundadores da legislação trabalhista: subordinação e segurança 1 . Quanto maior o nível de subordinação e controle disciplinar em benefício do empregador, maior a garantia de estabilidade e de prestações sociais 2 . Isso porque reside precisamente no estado de sujeição do empregado a força normativa do sistema protetivo característico do Direito do Trabalho, que impôs o seu afastamento dos institutos do Direito Civil, afeitos à autonomia das partes no vínculo jurídico.

Na lição de Alain Supiot, emérito professor da Universidade de Nantes e membro do Institut Universitaire de France desde 2012, “No contrato civil, a vontade compromete-se; no contrato de trabalho, submete-se. O

1 SUPIOT, Alain (Org). Au delá de l’émploi: les voies d’une vraie réforme du droit

du travail. Editora Flammarion, 2ª ed. 20116, p. 34.

2 Idem, p. 13

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compromisso manifesta a liberdade, e a submissão nega a” 3 .

Diante dessa complexa relação entre força de trabalho e livre iniciativa na dinâmica da livre concorrência, relatório organizado pelo Professor Alain Supiot – encomendado pela Comissão Europeia sobre as Transformações do Trabalho – aponta para o recurso das empresas ao trabalhador autônomo sob duas estratégias: desvalorização ou valorização do trabalho:

Desvalorização na hipótese em que adotado o trabalho independente na gestão da empresa como artifício para afastar do direito do trabalho os trabalhadores não qualificados e em situação de precariedade. Aparece como via fraudulenta de desregulamentação com a finalidade de escapar das restrições observadas pelas empresas concorrentes, principalmente em matéria de financiamento da proteção social.

Valorização no caso de necessidade de estímulo às capacidades de inovação e de adaptação dos trabalhadores realmente autônomos e altamente qualificados diante das exigências de inovação e qualidade dos setores mais avançados a demandar maior criatividade dos trabalhadores 4 .

Nesse contexto, a questão constitucional objeto do controle concentrado, atinente à definição dos contornos das categorias do trabalho subordinado e da prestação de serviços em caráter autônomo, observada a matriz constitucional humanista de proteção da dignidade da pessoa humana, submete-se ao princípio da primazia da realidade . Emerge essencialmente no jogo do poder de direção do contratante concretamente manifestado na execução diária do contrato pelo trabalhador, a ser analisado em cada caso.

Com efeito, foi dentro da referida noção de imperatividade que se construiu o contrato de trabalho, com toda a significação social e política que esse apresentou na história do trabalhismo no Brasil: a ideia de cidadania regulada, defendida por Wanderley Guilherme dos Santos, demonstrava a vinculação entre o emprego formal e o acesso à inserção

3 SUPIOT, Alain. Crítica do direito do trabalho . Trad. Antonio Monteiro Fernandes.

Lisboa: Fundação Calouste Gulbekian, 2016, p. 163.

4 Idem, p. 16

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social e à cidadania.

Para a construção jurídica do contrato de trabalho, de forma muito diversa das premissas clássicas do Direito Civil, partiu-se da premissa de uma autonomia da vontade extremamente mitigada no que toca ao trabalhador.

O reconhecimento da disposição do trabalhador para uma prestação de serviços subordinada pressupõe o desprovimento dos meios de produção e a necessidade premente de vincular-se a uma fonte de trabalho que lhe remunere para a garantia de sua sobrevivência e para alcance de um determinado patamar de inserção social, cidadania e afirmação identitária.

Essa conjuntura subjuga a condição jurídica do trabalhador em face do empregador-contratante, não apenas no momento da contratação, mas durante todo o curso da relação contratual, na medida em que o fim da relação empregatícia representa para o obreiro o risco da miserabilidade e exclusão.

O contrato de trabalho, assim, representa, nas palavras de Orlando Gomes, um contrato de adesão, que demanda a interferência estatal a fim de evitar que a desigualdade real entre as partes suplante a igualdade formal e submeta o trabalhador ao arbítrio empresarial 5 . Vaticinara o insigne jurista: “É restringindo-a [a liberdade de contratar] que consegue desabilitar o poder individual dos capitalistas, pois que à sombra dessa liberdade eles haviam estabelecido, no mundo do trabalho, a ditadura do patronato” 6 .

Se, de um lado, se reconhece a mitigação da autonomia da vontade do trabalhador, a denotar a inadequação desse pressuposto clássico do Direito Civil, por outro lado, a desigualdade entre as partes da relação de trabalho suplanta outra premissa do Direito Civil clássico: a noção de igualdade formal dos contratantes.

O tratamento formalmente igual de partes economicamente tão distintas equivaleria a tornar o empregado um refém da vontade do seu empregador. O Direito do Trabalho, mais uma vez, se diferencia do 5 GOMES, Orlando e GOTTSCHALK, Elson. Curso de Direito do Trabalho, p. 120.

6 GOMES, Orlando. Direito do Trabalho: Estudos. 3ª Edição. Bahia, 1954. p. 28.

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Direito Civil clássico e assume o papel de compensador das desigualdades, viabilizando o estabelecimento de uma relação equilibrada.

Por isso mesmo que sobrepor o conceito de liberdade de contratação e de livre iniciativa à regulação decorrente do contrato de trabalho significa negar a própria ideia desse contrato e do próprio Direito do Trabalho que, enquanto ramo jurídico autônomo, reclama a efetivação dos direitos sociais assegurados no art. da Constituição Federal.

Com esses fundamentos, acompanho a divergência aberta pelo eminente Ministro Marco Aurélio para julgar improcedente o pedido da ação declaratória de constitucionalidade.

É como voto.

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21/12/2020 PLENÁRIO

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 66 DISTRITO

FEDERAL

VOTO-VISTA

O SENHOR MINISTRO DIAS TOFFOLI:

Trata-se de ação declaratória de constitucionalidade, com pedido de medida cautelar, ajuizada pela Confederação Nacional da Comunicação Social (CNCOM), tendo como objeto o art. 129 da Lei nº 11.196/05:

“Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.”

Em síntese, argumentou a requerente que juízes e auditores da Receita Federal

“têm deixado de aplicar a norma em discussão para determinar a incidência, a pessoas jurídicas prestadoras de serviços intelectuais enquadradas nos pressupostos do art. 129 da Lei nº 11.196/2005, do estatuto fiscal e previdenciário das pessoas físicas”.

Pediu a declaração de constitucionalidade do dispositivo em alusão. O Presidente da República prestou informações no sentido de que não houve demonstração de controvérsia judicial em torno do dispositivo (doc. 40). Na oportunidade, aduziu que o CARF não tem afastado a aplicação da norma impugnada, mas adotado interpretação sistemática dessa norma com o arcabouço jurídico aplicável.

O Senado Federal pugnou pela inadmissão da ação e,

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subsidiariamente, pela declaração da constitucionalidade do dispositivo questionado (doc. 46).

Manifestou-se o Advogado-Geral da União, preliminarmente, pelo não conhecimento da ação declaratória, argumentando não existir questão constitucional nem comprovação de controvérsia judicial relevante. No mérito, a manifestação foi pela improcedência do pedido.

O Procurador-Geral da República proferiu parecer pelo não conhecimento da ação.

Em sustentação oral por meio eletrônico, pela CNCOM falou o Dr. Gustavo Binenbojim.

Na sessão virtual de 19 a 26/6/20, a Relatora, Ministra Cármen Lúcia , votou pela procedência do pedido formulado na ação, declarando a constitucionalidade do art. 129 da Lei nº 11.196/05. Acompanharam Sua Excelência os Ministros Alexandre de Moraes , Edson Fachin , Ricardo Lewandowski , Gilmar Mendes , Celso de Mello e Luiz Fux . Abriu divergência o Ministro Marco Aurélio , julgando improcedente o pedido, no que foi acompanhado pela Ministra Rosa Weber . Declarou-se suspeito o Ministro Roberto Barroso .

Pedi vista dos autos, para melhor analisar o assunto.

É o relatório.

Desde já, adianto que acompanho a Relatora, a Ministra Cármen Lúcia .

Preliminarmente, considero que a documentação acostada aos autos é suficiente para comprovar a existência de relevante dissídio jurisprudencial a respeito da constitucionalidade do art. 129 da Lei nº 11.196/05.

Como disse a Relatora, houve, em algumas decisões judiciais, o afastamento desse dispositivo com base em fundamento constitucional, embora não tenha ocorrido a expressa declaração de sua inconstitucionalidade. Vide , nessa direção, o acórdão do TRT da 15ª Região no julgamento do Recurso Ordinário XXXXX-23.2011.2.15.0029, citado por Sua Excelência.

Passo ao exame do mérito.

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Discute-se a constitucionalidade do art. 129 da Lei nº 11.196/05, o qual estabelece que, para fins fiscais e previdenciários, fica sujeita à legislação aplicável às pessoas jurídicas a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada.

Tal dispositivo ainda preconiza que essa disciplina não prejudica a observância do art. 50 do Código Civil, o qual prevê hipóteses em que o Poder Judiciário poderá desconsiderar a personalidade jurídica em caso de abuso, para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Para bem se examinar a controvérsia, é preciso ter em mente qual foi o contexto em que o dispositivo hostilizado foi editado.

A lei em tela, originária de projeto de lei de conversão da MP nº 255/05, instituiu, como se disse nas informações prestadas pelo Presidente do Senado Federal,

“um marco inicial de incentivos fiscais para as pessoas prestadoras de serviços intelectuais, seja em caráter personalíssimo ou não, seja designando obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços”.

Com essa medida, de um lado, a parte contratante desses serviços tem relevante diminuição de ônus não só tributários, mas também trabalhistas. De outro lado, os serviços contratados não mais ficam sujeitos, inclusive para fins previdenciários, às regras de tributação aplicáveis às pessoas físicas, como aquelas atinentes ao imposto de renda devido por pessoa física.

Para além dos incentivos previdenciários e tributários, a presente ação direta se insere no contexto da conjugação da livre iniciativa com a valorização do trabalho humano, as quais fundamentam a ordem econômica e com as quais se busca atingir os objetivos fundamentais da

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República Federativa do Brasil, inscritos no art. 3º da Magna Carta.

Como bem ressaltou a Relatora, Ministra Cármen Lúcia ,

“[a] norma do art. 129 da Lei n. 11.196/2005 harmoniza-se com as diretrizes constitucionais, especialmente com o inc. IV do art. da Constituição da Republica, pelo qual estabeleceu a liberdade de iniciativa situando-a como fundamento da República Federativa do Brasil. Dessa liberdade econômica emanam a garantia de livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão e o livre exercício de qualquer atividade econômica, consagrados respectivamente no inc. XIII do art. 5º e no parágrafo único do art. 170 da Constituição da República”.

Nesse contexto, vale lembrar, como o fez a Relatora, Ministra Cármen Lúcia , que a Corte, no julgamento do RE nº 958.525/MG, Tema 725 da sistemática de repercussão geral, e da ADPF nº 324/DF, firmou orientação pela constitucionalidade do fenômeno da terceirização das atividades-fim ou das atividades-meio de uma empresa, argumentando estar isso condizente com os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência.

Vide , ademais, que o art. 129 da Lei nº 11.196/05, em sua parte final, prevê a observância do art. 50 do Código Civil, o qual autoriza o Poder Judiciário a desconsiderar a personalidade jurídica em caso de abuso caracterizado, por exemplo, pelo desvio de finalidade.

Verifico que o dispositivo ora impugnado está em harmonia com as advertências lançadas no julgamento do Tema 725, no sentido de que os abusos podem ser coibidos pelo Poder Judiciário.

Ante o exposto, acompanho a Relatora, Ministra Cármen Lúcia , julgando procedente o pedido e declarando a constitucionalidade do art. 129 da Lei nº 11.196/05.

É como voto.

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ExtratodeAta-21/12/2020

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PLENÁRIO EXTRATO DE ATA

AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE 66

PROCED. : DISTRITO FEDERAL RELATORA : MIN. CÁRMEN LÚCIA

REQTE.(S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA COMUNICAÇÃO SOCIAL - CNCOM

ADV.(A/S) : GUSTAVO BINENBOJM (58607/DF, 083152/RJ) E OUTRO (A/S)

INTDO.(A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTDO.(A/S) : CONGRESSO NACIONAL

PROC.(A/S)(ES) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

AM. CURIAE. : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE - HOSPITAIS,

ESTABELECIMENTOS E SERVIÇOS - CNS

ADV.(A/S) : MARCOS VINICIUS BARROS OTTONI (16785/DF, 181061/RJ,

427551/SP)

Decisão: Após os votos dos Ministros Cármen Lúcia (Relatora), Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Luiz Fux, que julgavam procedente o pedido formulado na ação, declarando a constitucionalidade do art. 129 da Lei nº 11.196/2005; e dos votos dos Ministros Marco Aurélio e Rosa Weber, que julgavam improcedente o pedido, pediu vista dos autos o Ministro Dias Toffoli (Presidente). Falou, pela requerente, o Dr. Gustavo Binenbojm. Afirmou suspeição o Ministro Roberto Barroso. Plenário, Sessão Virtual de 19.6.2020 a 26.6.2020.

Decisão: O Tribunal, por maioria, julgou procedente o pedido formulado na ação para declarar a constitucionalidade do art. 129 da Lei n 11.196/2005, nos termos do voto da Relatora, vencidos os Ministros Marco Aurélio e Rosa Weber. Não votou o Ministro Nunes Marques por suceder o Ministro Celso de Mello, que já havia proferido voto em assentada anterior. Afirmou suspeição o Ministro Roberto Barroso. Plenário, Sessão Virtual de 11.12.2020 a 18.12.2020.

Composição: Ministros Luiz Fux (Presidente), Marco Aurélio, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Roberto Barroso, Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Nunes Marques.

Carmen Lilian Oliveira de Souza

Assessora-Chefe do Plenário

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/1182585066/inteiro-teor-1182585069

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