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- 2º Grau
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Inteiro Teor
RECURSO EXTRAORDINÁRIO 255.564 PIAUÍ
RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO
RECTE.(S) : MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS DO PIAUÍ
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DO MUNICÍPIO DE SÃO
LUÍS DO PIAUÍ
ADV.(A/S) : RAIMUNDO NONATO BARBOSA TEIXEIRA DE
MIRANDA
RECDO.(A/S) : CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO LUÍS DO PIAUÍ
ADV.(A/S) : EDVARDO ANTONIO DA ROCHA
DECISÃO:
Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão assim ementado:
“MANDADO DE SEGURANÇA - É de confirmar-se a sentença na parte em que concede o mandado de segurança para determinar o repasse constitucional - A teor da Súmula 271 do STF, o mandamus não produz efeitos patrimoniais em relação a períodos pretéritos - Recursos conhecidos e providos em parte.”
O recurso busca fundamento no art. 102, III, a , da Constituição Federal. A parte recorrente alega violação ao art. 167, IV, da CF. Sustenta, em essência, que a “verba mensal da Câmara Municipal, portanto, foi fixada em percentual incidente sobre a receita do recorrente, vinculando, por conseguinte, essa receita àquele órgão, fato que se choca frontalmente do art. 167, IV, da Constituição Federal”.
Em 17 novembro de 2009, o Min. Joaquim Barbosa determinou o sobrestamento do presente feito até o julgamento da ADI 659, de relatoria do Min. Celso de Mello. O paradigma foi apreciado pelo Plenário desta Corte, razão pela qual afasto o sobrestamento e passo à análise do recurso.
A pretensão recursal merece prosperar. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a ADI 659, fixou entendimento no sentido de que norma constitucional estadual que estipula a destinação de “não menos que cinco
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por cento de sua receita tributária líquida” ao Poder Legislativo viola a cláusula constitucional da não afetação da receita oriunda de impostos ( CF, art. 167, IV). Confira-se a ementa do julgado:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – EMENDA À CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE GOIAS (EC Nº 02/91)– LIMITAÇÕES AO PODER CONSTITUINTE DECORRENTE – PRERROGATIVA QUE NÃO SE REVESTE DE CARÁTER ABSOLUTO – NORMA CONSTITUCIONAL ESTADUAL QUE DETERMINA, NO ÂMBITO DAQUELA UNIDADE DA FEDERAÇÃO, A DESTINAÇÃO DE “NÃO MENOS QUE CINCO POR CENTO DE SUA RECEITA TRIBUTÁRIA LÍQUIDA” AO PODER LEGISLATIVO (ART. 110, § 5º, I, a) – TRANSGRESSÃO À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DA NÃO AFETAÇÃO DA RECEITA ORIUNDA DE IMPOSTOS ( CF, ART. 167, IV)– VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE IMPEDE, RESSALVADAS AS EXCEÇÕES PREVISTAS NA PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO, A VINCULAÇÃO DO PRODUTO DA ARRECADAÇÃO DE IMPOSTOS A ÓRGÃO, FUNDO OU DESPESA – PRECEITO NORMATIVO QUE, DE OUTRO LADO, IMPÕE AOS DEMAIS PODERES E ÓRGÃOS AUTÔNOMOS ESTATAIS RESTRIÇÃO INDEVIDA, DE ORDEM FINANCEIRA, APTA A COMPROMETER A PRÓPRIA AUTONOMIA ORÇAMENTÁRIA QUE LHES FOI ATRIBUÍDA PELA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – MEDIDA CAUTELAR ANTERIORMENTE DEFERIDA PELO PLENÁRIO DESTA SUPREMA CORTE – REAFIRMAÇÃO DA CONSOLIDADA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O TEMA – PRECEDENTES – PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELA INCONSTITUCIONALIDADE DA ALÍNEA A DO INCISO IDO § 5º DO ART. 110 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE GOIAS – AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE.” (ADI 659, Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno)
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No paradigma, o relator, Min. Celso de Mello, consignou o seguinte:
“(...) impende relembrar que o princípio da não afetação do produto resultante de impostos traduz vedação constitucional incidente sobre todas as pessoas políticas, pois impede que se proceda à vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas as situações disciplinadas pelo próprio texto da Constituição Federal, que autoriza , excepcionalmente, em caráter taxativo, essa especial destinação (…)
(…)
O exame da norma constitucional estadual em causa evidencia que a hipótese de afetação da receita oriunda da arrecadação de impostos , nela prevista, não se subsume ao rol taxativo que, em “numerus clausus”, encontra fundamento na Constituição da Republica (…)
Há a considerar , ainda, um outro aspecto de inquestionável relevo jurídico que igualmente justifica o acolhimento da pretensão deduzida pelo autor da presente ação direta.
Refiro-me ao fato de que a norma constitucional ora questionada – ao destinar ao Poder Legislativo goiano, com exclusividade, parcela significativa da previsão orçamentária estadual – impôs , por via de consequência, aos demais Poderes que integram a estrutura institucional daquela unidade da Federação indevida restrição de ordem financeira, apta a comprometer a própria autonomia orçamentária que lhes foi atribuída pela Carta Magna.
Essa prerrogativa de índole constitucional assegurada a determinados órgãos estatais traduz um natural fator de limitação a ser observado na fase inicial da atividade de programação financeira do Estado, especialmente se se considerar que a Constituição Federal instituiu um sistema orçamentário composto por instrumentos normativos que integram uma estrutura harmônica destinada a viabilizar a participação conjunta de todos os Poderes e das instituições dotadas de autonomia no processo de elaboração do orçamento anual.”
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No caso dos autos, a Resolução nº 002/97 da Câmara de Vereadores do Município de São Luís do Piauí estipulou em seu art. 1º:
“O Presidente da Câmara Municipal de São Luís do Piauí, Faz saber que o plenário desta Câmara decreta e eu sanciono a seguinte Resolução:
Art. lº Fixa fixado em 10% (dez por cento) de todas as receitas do Município o repasse financeiro mensal ao Poder Legislativo Municipal, por parte do poder executivo, para pagamento de subsídio de Vereadores, Funcionários e despesas diversas.”
Nesse contexto, a estipulação, unilateralmente, pelo Legislativo local, via Resolução, do percentual de 10% de todas as receitas do Município à título de duodécimo, a ser repassado pelo Executivo, viola a Constituição Federal, seja pela indevida vinculação da receita de impostos em hipótese diversa das previstas pela Carta, seja pela indevida restrição de ordem financeira a Poder diverso, capaz de comprometer a própria autonomia orçamentária municipal.
Diante do exposto, com base no art. 21, § 2º, do RI/STF, dou provimento ao recurso extraordinário, a fim de reformar o acórdão recorrido e denegar a ordem.
Publique-se.
Brasília, 30 de novembro de 2020.
Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO
Relator
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